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Discretamente

16 de Setembro de 2016, por José Antônio

Não gosto de aparecer. Sinto-me deslocado quando sou o centro das atenções, quando as curiosidades se voltam para mim, quando os olhares me revistam.

Sou discreto. Meu carro é discreto. Minhas palavras são discretas. Minhas roupas são discretas. Até a minha discrição é discreta.

Fujo de badalações e surgimentos fáceis.

Isso vem desde a adolescência. Quando ia a festas e bailes, costumava ficar assentado à mesa, observando os outros dançarem. Essa minha atitude irritava as namoradas que tive, pois elas gostavam de dançar.

Para não perdê-las, eu acabava cedendo. Ia arrastado pelas mãos da princesa e, uma vez no centro do salão, desenvolvia uma técnica: concentrava-me todo e somente na namorada... a música virava uma extensão singular de nós dois, apenas nós dois. Também acabei aperfeiçoando algumas coisas pra dizer ao ouvido enquanto dançava. Não sei, deve ser por isso que até hoje as mulheres gostam de dançar música lenta comigo... Mas não espalha não, leitor, senão vão dizer que estou querendo aparecer.

Se eu fosse fantasma, eu seria uma vergonha pra categoria, pois não iria aparecer pra ninguém. Já pensou se eu tivesse nascido mulher? No dia do meu casamento, eu subiria a igreja usando não um véu, mas uma burca. E aniversário? Na hora em que cantam o parabéns para mim, parece que me tiram a roupa na frente de todo mundo. Até com o meu próprio velório eu já estou meio preocupado: eu ali no meio da sala, todo mundo chegando pra me olhar... deve ter um modo de evitar essa exposição pública.

Confesso que sou intenso, muito intenso, em certas coisas... e nessas certas coisas, eu faço as coisas certas. Mas eu sou discreto.

– Intenso e discreto... discreto e intenso – disse-me uma vez aquela linda mulher em um jantar. Depois, lançou-me um olhar inteligentemente feminino e disse:

– Na verdade, você é sutil. Já ouviu falar em marido ideal?

Sorri discretamente agradecido.

Quem era ela? Não falo. Sou discreto.

No meu jeito discreto vou vivendo e, de vez em quando, apareço. Não sei se minhas aparições fazem a diferença. Que elas aconteçam sem aparecer.

No entanto, por mais que eu evite esse negócio de ficar aparecendo, lá vem a vida com os seus sadismos. Saindo do banco, deparei-me ontem com o Silva. Quanto tempo a gente não se via! Papo pra cá, papo pra lá, novidades trocadas, as existências sendo compartilhadas e atualizadas.

No fim da conversa, já indo embora, o Silva ainda falou:

– Você anda sumido, cara.

E, lá de longe, num sorriso, emplacou:

– Vê se aparece!

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