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Poupança, juros e crise, na Europa e no nosso cotidiano...

16 de Junho de 2016, por José Venâncio de Resende

Chanceler alemã Ângela Merkel: símbolo da austeridade.

Na Holanda e na Alemanha, a palavra dívida significa “culpa”.* A tendência de holandeses e alemães por poupar e sua aversão por crédito ajuda a explicar porque seus cidadãos têm uma montanha de dinheiro na poupança. E continuam levando uma vida frugal.

Não é muito diferente com os seus governos. Os dois países – com elevados superávits em conta corrente – são emprestadores líquidos devido em parte aos hábitos de poupança. Isto explica porque, com as taxas de juros negativas na Eurozona, os maiores poupadores da Europa estão indignados. O vilão do momento é o Banco Central Europeu (BCE), dirigido pelo italiano Mário Draghi.

Mas os verdadeiros “culpados”, na ótica dos alemães, são os países do sul da Europa (Espanha, Portugal, Grécia e Itália), gastadores contumazes que se endividaram e levaram a Eurozona à crise dos últimos anos. Por esta visão, a política de juros negativos e de expansão monetária (aumento da oferta de dinheiro por meio da aquisição de títulos no mercado) do BCE seria injusta por distribuir a poupança dos povos do norte aos endividados do sul, resultando em perdas principalmente aos idosos.

Essa medida é vista como a última tentativa do BCE no sentido de trazer de volta o crescimento e os empregos, a exemplo do que fizeram os Estados Unidos nos últimos anos. A Europa não cresce e os países membros da União Europeia mais ao Sul convivem com a dura crise social, fruto de desemprego elevado, baixos salários e cortes na carne do setor público. Não satisfeita, a Alemanha – locomotiva da Europa – continua cobrando austeridade, enquanto seus cidadãos e o próprio governo mantém os cofres cheios.

No entanto, a Alemanha, segundo seus críticos, nada tem feito para ajudar a zona do euro a sair do impasse de baixo crescimento e inflação próxima de zero. Com a elevada poupança interna (pública e dos cidadãos), o governo alemão nem mesmo investe na infraestrutura (ferrovias, rodovias etc.) do país que se deteriora ao longo dos anos de uso.

Do outro lado do Atlântico, o Brasil vive a contradição do déficit de crescimento econômico e de oferta de empregos com desequilíbrio nas contas públicas (estima-se um rombo de mais de R$ 170,5 bilhões este ano) e excesso de inflação e de juros. Desarmar esta bomba é o desafio do “novo” governo cuja competência da equipe econômica, liderada por Henrique Meirelles, não se discute.

Porém, no horizonte de longo prazo, a tarefa será mais árdua. Os governos, principalmente os últimos, optaram por estimular o consumismo movido a crédito, em outras palavras, a gastar o que não se tem. A máquina pública, inclusive as empresas estatais e os governos estaduais, é um saco sem fundo, restringindo a capacidade de geração de poupança por parte tanto do governo quanto da sociedade. O sistema de aposentadoria, cuja reforma os governos relutam em enfrentar, é insustentável nas condições atuais.

O Brasil parece predestinado a conviver com uma poupança interna insuficiente, dependendo dos recursos de outras partes do mundo para cobrir esta diferença, o que é incerto e tem custo. Assim, continuamos carentes de investimentos em infraestrutura básica (transportes, energia, saneamento etc.) e nas plantas industriais (modernização da capacidade produtiva, maior competição internacional, geração de empregos de melhor qualidade, aumento na receita de impostos etc.).

Mesmo que este governo – que tem vida curta - faça tudo certo, corremos o risco, mais uma vez, de superar a crise mais aguda sem, contudo, criar as condições para o crescimento sustentável. Ou seja, poderemos mais uma vez estar trocando um crescimento de longo prazo pelo chamado “voo de galinha”, que tem sido a marca da economia brasileira ao longo de anos e décadas.

A Alemanha tem estratégia, erra pouco, sabe o que quer. O Brasil simplesmente vive um dia depois do outro, vai, de erro em erro, empurrando com a barriga.

 

 

*The Economist, 30/04/2016  

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