Contemplando as Palavras

Hora de parar

24 de Maio de 2023, por Regina Coelho 0

Fui uma das mais de 50 mil pessoas presentes no Mineirão no último 26 de março para assistir ao show do Skank, o último da carreira vitoriosa do quarteto, agora desfeito. Juntei-me ao grande coral de vozes afiadas e nem tão afinadas, em certos momentos, ao cantar os maiores hits da banda mineira. “Vou deixar a vida me levar pra onde ela quiser. Estou no meu lugar, você já sabe onde é. Não conte o tempo por nós dois, pois a qualquer hora posso estar de volta, depois que a noite terminar...” Vi muita gente reunida em grupos de amigos. Ou turmas formadas, aparentemente, por gerações de pais, avós e netos em alegres reuniões embaladas pelas músicas dos artistas mineiros, em despedida à altura do trabalho desenvolvido por eles ao longo de seus 32 anos de carreira. E se teve o Garota Nacional, um dos primeiros e grandes sucessos de Samuel Rosa e companhia, não poderiam faltar, é claro, os fãs declaradamente apaixonados, uma legião deles, a maioria vestida com camisetas alusivas ao evento, ostentando bandanas, faixas, cartazes e canecas idem. Posicionados, evidentemente, na fila do gargarejo, pois fãs de carteirinha só admitem ficar bem perto dos seus ídolos, bem na frente, ainda que levantando o pescoço pela pouca distância do palco, os fanáticos pelo Skank fizeram um espetáculo à parte. Indefectíveis eles! E mesmo os desacompanhados ou em duplas foram só curtição naquelas três horas de uma noite única.

Com a emoção e a animação correndo soltas e ao mesmo tempo misturadas, foi difícil segurar as lágrimas quando, sinalizando o que seria o início do fim do show, Henrique, Lelo, Haroldo e Samuel saíram momentaneamente de cena. “Eu não vou embora não! Eu não vou embora não!!”, essa foi a manifestação da plateia num grito uníssono diante do cenário principal vazio. Como resposta em forma de surpresa para quase todos, trazida pelos quatro integrantes do grupo, eis que surgiu para um público em delírio a figura impagável e emblemática de Milton Nascimento, homenageante e homenageado, marcando ainda mais aquele momento já histórico simplesmente por estar ali presente. Mas Bituca, mesmo fragilizado fisicamente, cantou e, pelos poucos minutos em que esteve diante do público, roubou o protagonismo dos donos da festa. “Sem mais eu fico onde estou. Prefiro continuar distante. Em paz eu digo que eu sou o antigo do que vai adiante...”

Em novembro de 2022, também no Mineirão, Milton já havia feito a sua despedida dos palcos. Seguindo caminho parecido, os rapazes do Skank, porém, radicalizaram, pois, com o perdão do trocadilho, pediram a Saideira, desfizeram-se como conjunto, seguindo cada um o seu caminho. Mas, como a saideira do bar quase nunca é o último copo de chope ou a última cerveja da noite, bom seria que esse desconforto pelo fim da banda responsável por parte da trilha sonora da vida de tanta gente fosse também apenas a primeira saideira. Um até logo talvez.

A hora de parar. Descontração à parte, cabe aqui uma brevíssima reflexão sobre esse tempo que chega para todos nós. Deixar o trabalho, abdicar de uma atividade prazerosa e ter de adotar uma nova rotina, dar um novo rumo na vida, nada disso é fácil; seja pela necessidade imposta pela idade e/ou pela fragilidade da saúde, como parecem ser os casos de Milton Nascimento, Rita Lee e tantos outros, famosos ou não, seja pela inquietação revelada pelo desejo da mudança, do crescimento, do novo, como parece ser o que ocorreu com o Skank.

“O fracasso às vezes está em continuar. Muitas vezes a longevidade não é sinônimo de êxito (...). E eu acho que o Skank parando ou acabando, ele se preserva de não virar uma banda velha, requentada, que está ali pela comodidade”, pondera Rosa, então vocalista e guitarrista do grupo hoje já na nossa saudade.

De qualquer maneira e para todos, a hora de dar adeus a uma vida que não é mais possível ter ou que se entende ter se tornado insatisfatória é, sem dúvida, um momento determinante em nossa caminhada. Importante ainda é enxergar outro bom destino pela frente.

Conversa com desconhecidos

26 de Abril de 2023, por Regina Coelho 0

“Conversar com desconhecidos pode ensinar coisas novas, fazer de você um cidadão melhor, um pensador melhor e uma pessoa melhor”, ensina o jornalista americano Joe Keohane, autor de O poder dos estranhos, sobre “os benefícios de se conectar em um mundo desconfiado”.

Evidentemente, continua valendo a boa e necessária cautela recomendada aos apressados, os que instantaneamente se veem como melhores amigos, namorados, sócios, vizinhos (ou coisa mais que o valha) uns dos outros. Em relação às crianças então, rola aquele pânico dos pais: “Não converse com estranhos!” “Não aceite nada de estranhos!” Essas são algumas das falas características ouvidas deles e dos professores até, a quem cabe afastar o perigo que o contato com estranhos pode representar para os pequenos, principalmente.

Tudo isso é compreensível e teoricamente mais fácil de perceber. Mais complicado é se dar conta do papo que vem de conhecidos supostamente confiáveis e transformados depois em figuras perigosas. O que fazer? De novo, insisto. Nas duas situações, a palavra de ordem é cautela, sem que essa postura signifique se fechar às pessoas ditas estranhas, que não conhecemos, perdendo a oportunidade de viver boas relações sociais.

De acordo com Keohane, criar vínculos com desconhecidos, ainda que passageiros, faz o indivíduo furar a bolha de convívio usual e deparar com ideias e realidades distintas daquelas a que está acostumado.

Estamos todos ou quase todos conectados neste mundo dominado pela internet, por meio da qual amizades são solicitadas e não falta comunicação. Chama especialmente a atenção hoje o uso indiscriminado do smartphone, uma espécie de compulsão coletiva. Impressiona ver as pessoas nas filas, nos elevadores, nas salas de espera, no transporte público... entretidas com seus potentes e antes inimagináveis aparelhos digitais. Atraídas e subtraídas pela multifuncionalidade da telinha de mão, cada uma no seu quadrado e próximas fisicamente, elas não se falam.

Sem o desmerecimento a essa forma de interação proporcionada pela tecnologia, considera-se aqui uma informação interessante: pesquisas atuais, como a que embasa a obra do citado jornalista, mostram que puxar conversa cara a cara com desconhecidos faz bem. Não se trata, é óbvio, de forçar o papo e invadir o espaço alheio. O conhecimento de outras visões de mundo, a descoberta de afinidades, interesses afins e o desenvolvimento de sentimentos de empatia e solidariedade são, só para dizer o mínimo, ganhos que os receptivos a esse tipo de relacionamento podem ter.

Enquadro-me nesse perfil de pessoa até certo ponto. Havendo abertura, vontade e oportunidade, como em viagens principalmente, para entabular uma prosa com alguém desconhecido, sigo em frente, sabendo que, na maioria das vezes, jamais verei de novo aquela pessoa. Sempre vale a pena a efemeridade desses momentos feitos geralmente de assuntos triviais.

Minha amiga Popó é muito comunicativa, o que é meio caminho andado para conversar com todo mundo. Em maio de 2008, viajamos para Portugal e no avião conhecemos a Marísia, uma mineira que já morava lá e estava de volta àquele país depois de uma visita aos pais no Brasil. Sentadas lado a lado, elas prosearam a viagem inteira. Chegando a Lisboa, Marísia desembarcou. Nós duas pegamos logo uma conexão para Porto, não sem antes deixar com a conterrânea, a pedido dela, um contato nosso. Quando finalmente chegamos à capital portuguesa, ela foi ao nosso encontro no hotel e, como uma ótima cicerone, esteve com a gente naqueles dias inesquecíveis. Depois disso, as duas não deixaram de se falar e nem de se encontrar aqui e lá. Popó me lembra que conheceu os filhos da amiga e, certa vez, hospedou-se com eles na Europa.

Sair simplesmente por aí puxando conversa com estranhos – não é essa a proposta. O gesto de aproximação deve ser casual, espontâneo. E encontrar reciprocidade. É o acaso, ainda que por breves momentos, aproximando os desconhecidos. E por que não daí surgir uma conversa agradável, só para passar o tempo ou, quem sabe, viver a experiência de um encontro marcante?

Um nome pra chamar de seu

29 de Marco de 2023, por Regina Coelho 0

Diante da recusa inicial pelo Cartório de Registro Civil do 28º Subdistrito de São Paulo (capital) ao prenome “Samba”, escolhido para o quarto filho, que nasceu recentemente, o cantor Seu Jorge conseguiu finalmente autorização na justiça para registrar o menino conforme queria.

Do quimbundo (língua dos indígenas bantos de Angola) semba, samba é dança, é ritmo, também a música que acompanha essa dança. Como nome próprio a ser dado a alguém, não é usual, mas também não é ofensivo. Pelo contrário, em se tratando da opção de Seu Jorge e namorada pelas razões que apresentaram com base na preservação de vínculos africanos e restauração com suas (dele) origens eno estudo do caso, que mostrou a existência desse nome em outros países. Final feliz para essa história.

Felicidade também é ter uma filhinha e escolher para ela como nome um sinônimo para esse sentimento: Alegria. Vi há pouco tempo na TV em matéria, salvo engano, sobre vacinação infantil, a pequena Alegria de mãos dadas com a mãe. Nos meus tempos de faculdade em Lafaiete, fui colega da Elizabeth Taylor, logicamente, não da famosa atriz britânica (1932-2011) de faiscantes olhos cor de violeta. Nas duas situações, os nomes carregam um certo peso para suas donas. Da menina espera-se que seja sempre alegre; da moça, que pelo menos lembre a beleza de Liz Taylor.

De acordo com o escritor gaúcho Moacyr Scliar (1937-2011), “os nomes são recados dos pais para os filhos e são como ordens a serem cumpridas para o resto da vida”. A propósito, “Moacyr” quer dizer “filho da dor”. Aliás, observar o significado da palavra que será uma marca forte na vida toda da pessoa é um dos motivos na escolha desse nome. De outra forma, há o gosto por prenomes tidos como os da moda, portanto, datados, formando gerações de homônimos. Existem aqueles que são inspirados na Bíblia, os herdados de parentes, alguém em especial da família, ou mesmo os escolhidos em homenagem a ídolos famosos ou em pagamento de promessa religiosa a algum(a) santo(a).

Meu avô materno, Alcides Lara, na intenção de homenagear a mãe, fez questão de registrar uma das filhas com o nome dela, vencendo a objeção da mulher (vovó Zezé) ao nome, digamos, estranho da homenageada. E nessa, tia Custódia foi a contemplada. E provou que as pessoas é que fazem os nomes que têm, as duas xarás lindas e muito queridas. E foi usando denominações de flores, segundo gostava de lembrar minha mãe, que um casal, certa época, fez “florescer” aqui na cidade sua família formada por Rosa, Margarida, Violeta, Hortênsia e Jacinto. Sem dona Olga para me socorrer nos detalhes dessa narrativa, não sei dizer se esse “ramalhete” está completo.

Ruim mesmo foi o que teria ocorrido com Nostratateladenina ao nascer. Mais tarde, já aluna de uma universidade do Sul do país e diante da decisão de uma professora de não chamá-la pelo nome em sala de aula (para evitar zoações), e um dia, quando estavam a sós, querer saber dela o porquê de se chamar Nostratateladenina, a moça desabafou: “Erro de cartório, bah! Quando meu pai foi me registrar, o escrivão perguntou como eu me chamava. Papai respondeu: ‘Nós trata ela de Nina”.

Parece piada isso, mas me foi contado como sendo real.

Engraçado foi o que aconteceu, certa feita, numa agência bancária de BH. Ao chegar até um segurança, um rapaz disse a ele: “Celuta, por favor?” E ele: “Já lutei, mas hoje tô meio parado”. Esclarecimento: o outro estava apenas querendo saber onde encontrar a funcionária chamada Celuta.

Sobre tudo isso, tenho da infância uma especial lembrança. Já começando a frequentar missa na Matriz de N.S. da Penha, muitas vezes sem a concentração necessária ao que o Padre Nélson rezava ou pregava, eu me distraía, quase sempre olhando o teto da igreja até ver/ler o que julgava ser, praticamente, meu nome escrito no centro de uma bonita pintura: “Regina Coeli (pronúncia: Redgína Tchéli), Laetare, Alleluia”. “Rainha do Céu, Alegrai-vos, Aleluia” é a tradução da legenda (do latim), referência a uma oração em honra a Nossa Senhora.

Rainha de nada sou eu, mas feliz com meu nome.

“Um sonho em construção”

01 de Marco de 2023, por Regina Coelho 0

Wania Lucia (assim mesmo, sem os acentos gráficos) Resende Pereira, 62 anos, aposentada pela prefeitura de Belo Horizonte, nasceu em São João del-Rei, onde estudou até o 7º ano do Primeiro Grau (atual Ensino Fundamental) na Escola Estadual Cônego Osvaldo Lustosa. Ao se mudar para a capital mineira, concluiu seus primeiros estudos no Instituto Nossa Senhora de Pompeia e fez lá também o magistério.

Sua ligação com Resende Costa, lugar que frequentava desde a infância, vem de seus avós maternos, Maria José de Resende, a Sinhá, e Sérgio Alexandre de Mendonça, ambos nascidos na cidade, assim como seus bisavós. E Wania afirma ter muitos parentes por aqui, sem deixar de acrescentar que seu pouso quando para cá vinha era na casa da Nazinha (prima) e do senhor Adimar, sendo sempre tratada como filha e irmã.

Dizendo toda vida gostar muito de ler, no que foi estimulada pela mãe, Celina Resende Pereira, explica que tinha constantemente um livro ou uma revistinha por perto para fazer suas leituras. Já adulta, foi conhecer bem a profissão de bibliotecária na época em que estavam criando na prefeitura de BH o Arquivo da Cidade. E foi trabalhando com algumas profissionais do setor que teve seu interesse despertado pelo curso de Biblioteconomia, iniciado aos 40 anos na UFMG. Ainda no Arquivo da Cidade fez alguns cursos de conservação de documentos, pequenos reparos e encadernações. Depois atuou na Secretaria Municipal de Meio Ambiente (BH) numa biblioteca com proposta direcionada a temas ambientais – a Ecoteca. E lá participou também de algumas oficinas ligadas a essas temáticas.

Sobre a ideia de criação de um novo espaço de leitura para os resende-costenses, ela confessa o sonho que tinha inicialmente de se aposentar e se mudar para Resende Costa. E esclarece que, quando foi construir sua casa aqui, preparou um espaço de aproximadamente 64m² para montar uma biblioteca aberta ao público em geral, pois queria se manter ativa e tal iniciativa também lhe pareceu uma forma de retornar para a sociedade o benefício que teve de ter estudado numa instituição pública.

Projeto em curso, os objetivos dessa valorosa guardiã do conhecimento e da cultura, notadamente através do livro, envolvem, é claro, a disponibilização do seguinte acervo: livros, CDs, DVDs, brinquedos, enciclopédias, revistas, com muito material para pesquisa e leitura infantil; e a realização de atividades com temas ambientais e de oficinas de reparos e pequenas encadernações. Um sonho também, ainda distante, ela reconhece, é fazer uma biblioteca itinerante, levando parte desses bens culturais e atividades recreativas para os povoados do município.

Com um montante aproximado de pelo menos três mil itens num percentual que chega a 99% de doações realizadas por pessoas de seu relacionamento ou conhecidos dessas pessoas, Wania admite não ter ainda conseguido listar todos os livros. Já separados por assunto, porém, eles se dividem, entre outras abordagens, em obras de literatura brasileira, infantil, estrangeira, cultura geral, pedagogia, psicologia, direito, história, sociologia, física, artes, religião e dicionários diversos. Nas estantes dedicadas às coleções, destacam-se títulos como Tesouro da Juventude, Enciclopédia dos Museus, A fauna – vida e costumes dos animais selvagens, Maravilhas do Conto Universal e tantas outras.

Já recebendo várias visitas e emprestando livros a muitas crianças e a jovens, ela ressalta que ainda não está abrindo a biblioteca oficialmente, mas as pessoas interessadas em conhecer o espaço podem lhe enviar uma mensagem por WhatsApp (32) 99940-6745 com pedido de agendamento de uma visita.

Para a responsável por aquilo que chama lindamente de “um sonho em construção” e ao qual deu o nome de Biblioteca Adimar Resende (em agradecimento a todo carinho e apoio que sempre recebeu aqui na cidade da família do senhor Adimar), há muita coisa ainda por fazer e uma esperança de conseguir completar o sonho. Que assim seja!

Wania, Resende Costa agradece a você o belo presente.

Também falamos futebolês

26 de Janeiro de 2023, por Regina Coelho 0

passada a frustração do torcedor brasileiro pelo pífio desempenho e consequente eliminação do Brasil na Copa do Catar, ainda nas Quartas de Final, eis que emplacamos mais um ano, dando agora o pontapé inicial nesta outra arrancada chamada Janeiro de 2023.

Janeiro de férias, de viagens, de Big Brother Brasil e de quase nada de futebol no calendário oficial dos nossos eventos esportivos. Nessa fase de abstinência do prazer pela falta das disputas principais pelo país e vizinhanças, que milhões de torcedores ou meros simpatizantes desse esporte acompanham, salva-nos a Copa São Paulo de Futebol Júnior.

Em disputa desde 1969 e originalmente chamada de Taça São Paulo de Juvenis, ela acontece no início de todo ano, de modo que a final seja disputada em 25 de janeiro, dia do aniversário da cidade de São Paulo. Realizada até 1970 apenas com times paulistas, a partir de 1971 a competição passou a receber clubes de todo o Brasil. Desde então, a Copinha, assim carinhosamente apelidada, passou a ser um torneio muito observado pela imprensa, torcida e por empresários, uma vez que virou vitrine, isto é, a grande oportunidade para a revelação de futuros craques entre a meninada que sonha com o sucesso e a fama.

Intervalo agora, enquanto a bola rola para os mais novos, sem a rotina boa de ver nossos jogos do meio e final das semanas no decorrer dos meses. E uma observação de ordem linguística: além do que se ouve nos gramados e estádios em dias de confrontos, do que se vive no dia a dia dos clubes e do que se noticia e se debate na cobertura diária e especializada da imprensa e das redes sociais, a linguagem característica do mundo do futebol está presente no nosso vocabulário popular. É curioso notar que isso ocorre até entre aquelas pessoas não tão ou nada chegadas ao meio. Na apropriação desses termos, expressões e frases, falamos também o futebolês em outros contextos.

Vejamos algumas situações ilustrativas desse fato. Usado comumente como pontuação máxima em avaliações quaisquer feitas por notas, o grau dez passou a ser definitivamente associado à excelência no futebol. Ou seja, a mística do 10 como algo superior deve-se também a Pelé, que transformou um artifício antes utilizado como ajuda na identificação de jogadores, ou seja, a numeração na camisa dos atletas, em sinônimo de alta qualidade. Então, ser 10 é tudo de bom.

Do Rei do futebol ao gol de placa a associação é imediata. No Maracanã, foi dele um gol marcado (marcou dois naquele 5 de março de 1961 – Fluminense 1 X 3 Santos) que de tão bonito foi o primeiro no Brasil a ser homenageado com uma placa de bronze alusiva àquela façanha do Rei e descerrada no estádio como forma de eternizar o lance maravilhoso do jogador. A partir daí, criamos esse conceito para designar um belo feito em situações diversas da vida.

Desse linguajar buscamos e ressignificamos extracampo muitas outras construções linguísticas: a bola foi jogada para escanteio (= alguma coisa ou pessoa foi deixada de lado), ele/ela é craque (= alguém muito bom no que faz), aos 45 minutos do segundo tempo (= fazer algo em cima da hora), show de bola (= atuação perfeita em alguma atividade), pisou na bola (= errou feio), bola fora (= mancada), bola cheia/ bola murcha (= sair-se bem/ sair-se mal), dependurar as chuteiras (= aposentar-se), fazer o reconhecimento do gramado (conhecer ou conferir algum lugar).

E mais: deu zebra (= não deu a lógica, algo saiu errado), merece cartão vermelho (= reprovado ou repreendido por alguma atitude), é campeão/ campeã (pessoa batalhadora, que se supera), troféu (o que se recebe como recompensa – um diploma, um emprego...), fazer o meio de campo (= atuar como intermediário (a) entre duas partes; estar entre pessoas em lados opostos), tirar de letra (= realizar uma tarefa com grande facilidade. No jargão futebolístico, refere-se ao passo ou chute dado para enfeitar uma jogada que seria simples, de fácil execução).

Sem fazer cera, dou por encerrado este texto, mas, como faço mensalmente aqui no JL, tô sempre na área. Segue o jogo, ops!, segue o ano.

 

P.S.: Matéria produzida antes do falecimento do Rei Pelé.