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O lugar delas no mundo

14 de Outubro de 2016, por Regina Coelho

dona de casa ou “do lar” é o termo no direito do trabalho e no previdenciário que define a mulher que, casada ou não, trabalha exclusivamente para a própria família, não exercendo atividade remunerada por isso, provindo de outro(s) elemento(s) da casa (marido, filhos, irmãos...) a principal renda familiar. No Brasil, a profissão é regulamentada pela Lei 8212, de 24/7/1991, para fins de previdência social.

Manter a casa limpa e organizada realizando esse trabalho pessoalmente ou delegando essa tarefa a outra pessoa (geralmente uma profissional mulher); fazer compras para atender as necessidades do lar; preparar o cardápio e providenciar as refeições; cuidar das roupas usadas pela família; supervisionar a saúde e a educação dos filhos... são, tradicionalmente, atribuições dessa onipresente mulher. Ufa! E ela ainda, muitas vezes, é obrigada a ouvir por aí aquela pergunta cretina: você não trabalha não? Tal ideia reforça o aspecto de desvalorização ainda hoje observado nesse tipo de serviço, que também só ganha visibilidade aos insensíveis olhos alheios quando deixa de ser realizado.

À beira do fogão, do tanque, da mesa de muitos afazeres; entre quartos em desalinho ou baldes para limpeza, a clássica imagem da dona de casa parece coisa do passado. Segundo pesquisas, isso mudou graças à diminuição de toda essa atividade braçal proporcionada pelo surgimento, na década de 50, dos eletrodomésticos e produtos industrializados e a consequente popularização deles, tornando mais práticos os serviços domésticos. Cabe aqui uma curiosa lembrança familiar. Certa feita, numa comemoração escolar pelo Dia das mães, meu irmão Amadeu, então um menino, presenteou nossa mãe com uma bonita panela de pressão. E ela adorou aquilo. Hoje, certamente, não seria assim. Para a mulherada atual, os utensílios domésticos dados como presentes podem representar a manutenção de um quadro que precisa ser modificado. Reconhecimento ao trabalho doméstico – são essas as palavras de ordem.

Esse universo é inspiração certa para a criação de inúmeras obras ficcionais. De recente memória, por exemplo, em A grande família, obra original de Oduvaldo Viana Filho e Armando Costa, Marieta Severo é Dona Nenê, típica dona de casa moradora do subúrbio carioca sempre às voltas com as questões da família Silva. Na série americana Desperate housewives (Donas de casa desesperadas), de Marc Cherry, o tema é a vida de 5 amigas donas de casa. Dois megassucessos da TV.

Inspiração ou provocação? Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”. O título da matéria de Veja (20/4/2016) sobre a atual primeira-dama brasileira levantou uma autêntica polêmica feminista. O texto em questão foi interpretado como a suprema celebração da mulher-bibelô: dócil, submissa e sem ambições profissionais. Trata-se do estereótipo da dona de casa feliz, arrumada, maquiada e, lógico, bela. Houve quem visse na adjetivação empregada para Marcela uma referência indireta e inversa à então presidente Dilma Rousseff. Nas duas interpretações, é possível enxergar um certo viés machista, ainda ele, mesmo nos dias de hoje.

No dia a dia das anônimas donas de casa de todos os tempos, a vida doméstica é um acontecimento regido por elas. No batente contínuo e estressante de intermináveis horas, essas mulheres são imbatíveis. E homenageadas, às vezes, como na música “Mamãe” (de Herivelto Martins e David Nasser), um verdadeiro hino às mães da já citada década de 50, em que dois trechos da letra indicam a mãe dona de casa: “o avental todo sujo de ovo” e “a rainha do lar” – o uniforme de trabalho e a dona dele. Eram outros tempos: da educação para o lar, das prendas domésticas, da majestade sem poderes reais.

Hoje, trabalhadoras inseridas no mercado formal, o que é ótimo, elas não deixam de ser donas de casa. Fora dele, não deveriam ser menos consideradas. De preferência, que o lugar delas seja onde desejam estar, sem que isso represente retrocesso na luta histórica das mulheres por igualdade de direitos e oportunidades de trabalho.

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