De olho na cidade

Breve relato sobre o Padre João Monteiro

26 de Janeiro de 2023, por Edésio Lara 0

O livro “Memórias do antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha da Lage: desde os proêmios de sua existência até os dias presentes”, escrito por José Maria da Conceição Chaves (1904/1978) – o Juca Chaves – e publicado pela Associação de Amigos da Cultura de Resende Costa (Amirco) em 2004, é um primor. Rico em detalhes e cheio de informações importantes sobre pessoas e bens materiais do município, tornou-se obra de referência para todos que têm interesse em assuntos relacionados à nossa cidade.

Juca Chaves nasceu aqui na Vila do Arraial da Lage, morou nos “Quatro Cantos” (entroncamento da rua Assis Resende com as avenidas Monsenhor Nelson e Prefeito Ocacyr Alves de Andrade) e permaneceu em Resende Costa até completar 40 anos de idade. Em 1944, foi morar no distrito de Jacarandira e, posteriormente, em Passa Tempo, por lá permanecendo até 1960. Apesar de ter se afastado de Resende Costa por motivos de trabalho, não abandonou a atividade de pesquisador, iniciada na juventude. Durante esse período de sua vida, manteve contato com o professor Antônio de Lara Resende, grande memorialista, e pesquisou muito, tanto no Arquivo Público Mineiro quanto no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, ambos localizados em Belo Horizonte, sempre em busca de depoimentos e documentos fundamentais para seu trabalho. Quando foi morar em Itatiaiuçu e depois em Arcos, ambas cidades mineiras, seu trabalho já estava pronto, só não havia sido publicado. Juca Chaves, bem que tentou, mas não conseguiu apoio necessário da Prefeitura Municipal de Resende Costa para poder publicar sua obra.

Em 2004, quando criamos a Amirco, Agenor Gomes Neto, advogado e professor resende-costense, sabendo dos propósitos da nossa associação, nos disse acerca “dos manuscritos” deixados pelo pesquisador e que se encontravam sob guarda da família desde seu falecimento, ocorrido em 1978. Os contatos se iniciaram e, em 2014, com verbas do Fundo de Educação e Cultura (FEC) do Governo do Estado de Minas Gerais, o livro foi publicado. Faz parte da Coleção Lageana, criada pela Amirco, e que contém outras obras de autores da cidade, cujos títulos podem ser conhecidos através do site da associação: amirco.org.br.

Certamente, seu distanciamento de Resende Costa, pelos motivos apontados acima, pode ter contribuído para que ele não fosse mais adiante com sua pesquisa. Cito como exemplo os sacerdotes que elencou em seu trabalho e, para os quais, dispensou comentários relativos principalmente à data e local de ordenação, bem como da primeira missa celebrada em Resende Costa.

Recentemente, de posse de partitura de um Te Deum, composto em São Tiago/MG em 1883 por Firmino Bispo de Paula, vi anotado pelo maestro Joaquim Pinto Lara, em uma parte musical, o seguinte: “Resende Costa, 8 de dezembro 1949. Missa nova do Revmo. Pe. João Monteiro de Resende.” A pesquisa, que no momento se destina a analisar manuscritos musicais, nos fez procurar no livro de Juca Chaves informações sobre o padre. Foi quando, na página 96, deparamos com o nome do sacerdote, acrescido somente da ordem à qual pertencia: lazarista. Nada mais, além disso.

A curiosidade me fez procurar pessoas da família Monteiro. E quem tinha as informações sobre o sacerdote foi Leila Monteiro, sua sobrinha. Segundo ela, João Monteiro de Oliveira Resende, um dos 10 filhos do casal resende-costense José Monteiro de Resende e Francisca de Oliveira Resende, nasceu na Fazenda Capão Seco, localizada em Lagoa Dourada, no dia 24 de julho de 1922. Ainda jovem, ingressou no conceituadíssimo Seminário Menor do Caraça, em Minas Gerais, e concluiu os estudos em Filosofia e Teologia em Petrópolis/RJ. Ordenou-se em Petrópolis e “cantou a primeira missa” na Matriz, em Resende Costa, antes de ser encaminhado para exercer sua função de missionário em Blumenau/SC.

Ele deixou o sacerdócio entre os anos 50 e 60 “não por falta de vocação, mas por não ter resistido à conduta rígida imposta por um superior”, segundo disse a familiares. Nem por isso deixou de contribuir com a Igreja Católica, oferecendo cursos de batismo, crisma e para casais, sem jamais deixar de frequentar a Santa Missa. Posteriormente, dedicou-se à docência, lecionando História na capital paulista e na Escola Homero Rubens de Sá, em Guaratinguetá/SP, até se aposentar. O ex-padre contraiu matrimônio por duas vezes e não teve filhos. Aposentado, passou a morar em Pomerode/SC, onde permaneceu até falecer e ser sepultado no dia15 de fevereiro de 2011.

 

Dedicatória: À Mariana, lembrança do Pe. João Monteiro, missionário. Resende Costa, 23-1-1950

Banda de Música Santa Cecília e aspectos da formação musical em Resende Costa

21 de Dezembro de 2022, por Edésio Lara 0

A Banda de Música Santa Cecília, de Resende Costa, é mais que centenária, uma vez que nasceu em meados do século XIX. É um grupo musical muito importante para nós. Sua função principal se volta para a participação ativa em eventos cívicos, populares e religiosos da cidade. Qualquer que seja a festa municipal, lá está ela tocando seus dobrados, suas marchas. Quando nos voltamos para as festas religiosas, todas realizadas pela Igreja Católica ao longo do ano, também ela se faz presente. Durante o Carnaval, parte dos seus integrantes, voluntariamente, participam tocando repertório específico atrás dos blocos que se formam para essa festa. Portanto, não é possível imaginar a cidade sem esse conjunto musical, ele é fundamental.

Durante todo o tempo de sua existência, foram muitos os que se destacaram como instrumentistas, regentes e compositores. Alguns permaneceram na cidade trabalhando e participando da banda de música. Evidentemente, outros precisaram se mudar para buscar emprego em outros lugares. Estou entre esses, quando precisei me mudar para São João del-Rei e, posteriormente, aos 18 anos de idade, para Belo Horizonte. Aprendi a tocar requinta, uma clarineta pequena, e recebi aulas de música do professor e regente Geraldo Sebastião Chaves. É certo dizer que, distante de Resende Costa, houve os que não abandonaram a prática de tocar seus instrumentos musicais, iniciada na banda de música.

Na capital mineira, optei por dar continuidade aos estudos. Estudei na Schola Cantorum, da Fundação Clóvis Salgado (Palácio das Artes), para, em seguida, me graduar em regência na Escola de Música da UFMG. Cito o que ocorreu comigo a título de exemplo.

Os espaços destinados aos ensaios de bandas de música no Brasil, desde que esse tipo de formação de grupo musical foi se consolidando a partir da primeira década do século XIX, passaram a funcionar como centros de formação musical. Sem escolas de música, como são os conservatórios municipais ou estaduais, era na banda de música que muitos obtinham aulas de teoria, de solfejo e ritmo, mais a prática de um dos instrumentos que compõem uma banda de música. Se esse conjunto musical não tinha sede própria, era nas residências dos regentes ou mesmo de outros músicos mais experientes que os interessados se iniciavam no estudo da música. Percebemos a importância que têm esses grupos, já que é quase impossível uma cidade deste país não possuir uma banda de música. Somente em Minas Gerais, com seus 853 municípios, há mais de 1000 bandas.

Uma das frentes de trabalho escolhidas por ex-integrantes da nossa Banda de Música Santa Cecília foi a militar. Alguns, como o José Gilmar Silva (Gilmar do Aderson) e o Antenor Noé de Souza, por nós conhecido pelo apelido Tilú, ambos saxofonistas, tornaram-se profissionais da Banda de Música do 11º Batalhão de Infantaria sediado em São João del-Rei. Assim que começaram a prestar serviço militar, apresentaram-se na condição de músicos e seguiram carreira até completarem seus tempos de serviço, dando baixa, isto é, se aposentando. Gilmar, 2º Sargento Músico, nunca se transferiu de São João del-Rei. Tilú, 1º Tenente Músico Antenor Noé de Souza, foi regente da Banda de Música do 11º BI Mth no período de 2010 a 2014, quando se aposentou.

Incorporou-se nas fileiras do Exército Brasileiro no ano de 1977 como soldado no então 11º RI (Regimento de Infantaria), hoje 11º BI Mth
(Batalhão de Infantaria de Montanha), em São João del- Rei. Naquela época, aconselhou-se com o conterrâneo Gilmar a fim de se alistar e atuar como músico no batalhão. Na função, serviu nas cidades de Uberlândia e Três Corações (MG), Caçapava e Campinas (SP), Foz do Iguaçu (PR), São Gabriel da Cachoeira (AM) e encerrou sua carreira militar na cidade de São João del- Rei (MG), após 37 anos de serviços prestados à Pátria como Regente da Banda de Música do 11º BI Mth, no posto de 1º Tenente.

Aposentado, Tilú não deixou de atuar como instrumentista. Por vezes, era visto tocando em festas, bares e restaurantes até se juntar à banda do Chá Preto, grupo formado por violonistas, percussionista e cantores que se dedicam à interpretação de música popular. Ele faleceu e foi sepultado no último dia 19 de novembro, momento em que instrumentistas da nossa Banda de Música Santa Cecília e da Banda do 11º BL Mth se juntaram para, ao som de Amigos para Sempre, duas marchas fúnebres e outra própria dos militares, dele se despedirem, prestando-lhe justa homenagem.

A Congada na festa do Rosário em Resende Costa

23 de Novembro de 2022, por Edésio Lara 0

A festa do Rosário é tradição em nossa cidade. É possível que ela venha sendo realizada aqui desde o nascimento do Arraial da Laje, ocorrido em 1749. A origem dela, no Brasil, remonta a séculos passados, mais precisamente por volta de meados do século XVII, quando o tráfico negreiro começou a se tornar mais intenso na Colônia. Caracterizada por danças e músicas, grupos se apresentam cantando e tocando seus instrumentos de percussão e até violões ou acordeons. Entre eles, desfila um casal que faz referência histórica à coroação de reis e rainhas do país africano do Congo ou de Moçambique. Além de Nossa Senhora do Rosário, há homenagens à Santa Ifigênia e São Benedito, ambos negros.

Ano após ano, vimos inúmeros grupos de cidades vizinhas que se juntam aos nossos para a festa. Antes mesmo – na hora do almoço oferecido a todos na Escola Municipal Conjurados Resende Costa – haviam chegado à cidade 22 deles. Um, da cidade de Congonhas, participa ininterruptamente da festa há 42 anos. E assim fazem outros que se sentem felizes em nos brindar com suas apresentações, louvar Nossa Senhora do Rosário, a padroeira dos congadeiros, que dá nome à festa, a qual se caracteriza pela presença marcante de negros, os principais responsáveis por ela.

Há o que ser destacado nesse evento: a participação de crianças nos grupos, o número expressivo de mulheres e o comando de um homem mais velho, na liderança dos congados. É aquele que se incumbe de cantar louvores à Nossa Senhora para ser respondido pelos demais componentes do grupo, que tem à frente uma pessoa – geralmente uma mulher – a quem cabe exibir uma bandeira ou estandarte com imagem de uma santa ou santo católicos. É comum ver pessoas se inclinando e beijando essas imagens nessa forte manifestação da identidade negra em nosso país.

A encenação das congadas é um grande espetáculo. Pela cidade, e mais precisamente na Praça do Rosário, grupos se emparelham e nos brindam com suas performances. A imensa superposição de sons, ritmos e cores nos encanta. Em certo momento, todos param para assistir à breve apresentação de cada congado diante de palco montado, quando recebem certificado de participação e agradecimento de nossa parte. É o momento ideal para todos serem fotografados, filmados e aplaudidos pela multidão.

Alguns fazem seu show à parte. Nesse momento, não podemos deixar de destacar o ótimo grupo Moçambique Nossa Senhora Aparecida, da cidade vizinha de Passa Tempo. Bem preparado e equipado, é um dos melhores que nos visitam todos os anos. Destacou-se, também, um garotinho que subiu ao palco para nos cativar ao tocar seu tambor e cantar. Ali estava assinalada como se dá a perpetuação desses conjuntos quando os mais velhos trazem para perto de si aqueles que um dia os substituirão na função de manter vivo esse forte componente cultural do nosso país.

Coube ao Congado São Camilo de Léllis abrir a festa dos congadeiros. Este congado foi criado há 12 anos, aproximadamente, por Renato Rodrigues dos Santos (42), cuidador de idosos, desde que começou a trabalhar na Casa de Repouso São Camilo de Léllis, de Resende Costa. Segundo Renato, os idosos amam a festa, visto que, ao longo de suas vidas, sempre a apreciaram e participaram dela. Apoiados pela Irmã Cirlene, responsável pelo Lar, eles contam com a ajuda de funcionários e voluntários que os acompanham até em viagens para outras cidades. Algumas das músicas que cantam são de autoria do próprio Renato, outras do Vino Marciano, congadeiro de prestígio da cidade. Quem se apresentou como rei foi o senhor Antônio, com 86 anos de idade, e dona Inácia, a rainha, que completou 101 anos de vida. Todos, esbanjando felicidade, são retratos vivos da força que tem essa festa.

Engana-se quem pensa que tal manifestação cultural, artística e religiosa está em decadência. Ao contrário, permanece muito forte. O povo gosta; pelo menos, é o que demonstram os que participam dela em Resende Costa, sejam eles turistas ou do lugar.

Os 100 anos de vida de dona Cecília

25 de Outubro de 2022, por Edésio Lara 0

Dona Cecília de Oliveira Ramos completará 100 anos de idade no próximo dia primeiro de novembro

Ela é uma senhora de estatura mediana, adora um lenço na cabeça e passa boa parte do tempo sentada no sofá da casa da filha Terezinha e de terço enrolado na mão direita. Católica, faz orações durante o dia todo. Com Roberto Ribeiro, (Roberto da Micaela), e muitas pessoas que vão visitá-la, bate uma boa prosa, relembrando acontecimentos e se inteirando de tudo o que fazem seus familiares, principalmente os netos, bisnetos e tataranetos. Lúcida, tem uma memória de dar inveja. Segundo o seu neto Jonas (o Teco), geralmente ela o adverte sobre algo que deve ou deixou de fazer. Assim é dona Cecília de Oliveira Ramos, que está pronta para festejar seus 100 anos de idade no próximo dia primeiro de novembro.

Dona Cecília é natural de Passa Tempo/MG. Desde pequena, juntamente com a única irmã que teve, foi criada pelos avós Antônio e Claudelina, depois que o pai se separou e a família e a mãe foram morar em Belo Horizonte. Desde o início, sua vida não foi fácil. O avô a colocou para trabalhar ainda pequena na roça, ajudando-o a semear e a colher tudo o que plantavam. Era obrigada a cuidar da casa, das galinhas e dos porcos que criavam. O avô, segundo ela, era um homem difícil, bravo; e a avó, ao contrário, mais dócil e delicada com as netas.

Sempre quis namorar, mas qualquer contato com um rapaz era sinal de problema: o avô sempre colocava empecilho, o que a deixava bastante chateada. Certo dia, conheceu um moço, chegado da Bahia para trabalhar em uma festa de rodeio em Belo Horizonte e que reunia fazendeiros de bastantes cidades mineiras. E de lá ele foi convidado para prestar serviços na fazenda do senhor Moacir, em Passa Tempo. Ele, nascido na divisa dos estados de Minas Gerias e Bahia, onde fica Guanhães, apaixonou-se por ela e nunca mais voltou à sua cidade natal, muito menos reviu seus familiares. Rapidamente, e às escondidas, se casaram na igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória, de Passa Tempo, em junho de 1940. Ela, com dezoito anos; e ele, com vinte e cinco. O avô, ao tomar conhecimento do casamento, quis matá-los. “Ele saiu de revólver em punho nos procurando. Ele sempre quis que eu ficasse na roça trabalhando, que não namorasse, não me casasse com ninguém”.

Trabalhando duro na fazenda, logo foram transferidos para Resende Costa, vindo para a Fazenda do Pinhão, alugada que foi pelo senhor Moacir. Depois se transferiram para o Curralinho do Andrade, acompanhando o patrão, até se estabelecerem definitivamente no Ribeirão de Santo Antônio, onde possui uma casa que fica em frente à escola do povoado. “Eu e meu marido sempre trabalhamos muito. Ele era retireiro e eu cuidava da roça e das crianças, guiava carros de boi, fazia de tudo mesmo. Nossa vida era muito difícil, a gente ganhava (dinheiro) muito pouco. Fiquei viúva depois de trinta e cinco anos casada com ele”.

A vida de dona Cecília tornou-se mais difícil quando, aos setenta e dois de idade, sofreu um acidente no trabalho. “Estava na roça, meu chinelo ficou agarrado em um galho e eu caí. Quebrei minha perna, mas, mesmo assim, continuei trabalhando. Então comecei a mexer com artesanato”. Mãe de sete filhos (cinco já faleceram), certa vez um médico de Desterro de Entre Rios aconselhou-a a parar de fumar. “Eu fumava cigarro de palha para espantar os mosquitos, pernilongos. Desde que larguei o cigarro, passei a cheirar rapé e nunca mais parei”. Ao ser perguntada se além do cigarro, gostava de tomar vinho, por exemplo, respondeu firme e sorrindo: “Vinho, não. Tomava mesmo era pinga, todo dia. Uma antes do almoço e outra antes da janta”. E esse costume de tomar uma pinguinha para abrir o apetite ela o manteve até completar noventa de seis anos de idade.

Atualmente, dona Cecília fala sempre da casa que ainda possui no Ribeirão, lugar de que gosta muito. Sai pouco de casa. Porém, não recusa um convite de algum neto para matar porco na roça. Imediatamente pede seu avental e se prepara para cortar o toucinho, relembrando as inúmeras vezes em que se dedicou a esta e tantas outras atividades no Catimbau, na fazenda do Prestes, do Ademar Aarão, além de outras. Atualmente, quietinha em casa, não se cansa de dizer que está bem. “Estou com a cabeça muito boa. Posso morrer tranquila porque sempre fui honesta, não tenho inimizades e não devo um centavo a ninguém”.

Manoel Dias de Oliveira e sua música celebrados em concertos alusivos ao Bicentenário da Independência do Brasil (1822-2022)

21 de Setembro de 2022, por Edésio Lara 0

No final do último mês de agosto, foram realizados em Resende Costa, Tiradentes, Prados e São João del-Rei concertos destinados à celebração do Bicentenário da Independência do Brasil. Com verbas do governo federal e projeto encaminhado pelo Núcleo de Pesquisa Ciências da Performance do Curso de Música da Universidade de São Paulo (USP) – campus de Ribeirão Preto/SP –, instrumentistas e cantores apresentaram repertório variado de gêneros da música brasileira.

Quem assistiu aos espetáculos realizados em quatro igrejas das cidades citadas não apreciou somente repertório sacro; pôde ouvir também músicas populares, com destaque especial para dois lunduns, duas modinhas, três canções populares utilizadas por Heitor Villa-Lobos em obras corais de sua autoria, além de “Carinhoso”, de Pixinguinha, e um “Pensamento Sentimental”, obra composta em 1886 pelo Padre José Maria Xavier na cidade de Ouro Preto. Uma surpresa essa obra, visto que poucos sabem que o padre e compositor são-joanense é mais conhecido pela volumosa obra que nos deixou de música sacra, a qual estamos acostumados a apreciar durante cerimônias litúrgicas, especialmente na Semana Santa.

Além do repertório escolhido para o programa, o público presente recebeu do maestro Rubens Russomanno Ricciardi informações importantes sobre história da música brasileira, principalmente dos séculos XVIII e XIX. Além das modinhas pradenses, cujos autores ainda são desconhecidos, foram incluídos o Salve Regina e o Tercio, de José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746-1850), compositor natural da Vila do Príncipe, agora Serro/MG, além do Miserere, de Manoel Dias de Oliveira (1734/5-1813), este natural da vila de São José, atual cidade de Tiradentes. Essas três composições são muito apreciadas tanto no Brasil quanto no exterior. Em Resende Costa, o Miserere é peça fundamental para nós que a interpretamos ano após ano durante a Semana Santa. E seu compositor tem muito a ver conosco, com a nossa cidade.

Até 1911, todos sabemos disso, Resende Costa pertencia a Tiradentes. Até então, o Arraial da Lage mantinha relação estreita com a Vila de São José, recebia de sua sede sacerdotes para celebrações litúrgicas, certamente artistas para abrilhantar suas festas e militares. Em pleno século XVIII, por exemplo, aqui esteve o padre Toledo (Carlos Correia de Toledo e Melo), natural de Taubaté/SP, nascido em 1713 e com participação direta na Inconfidência Mineira. Fazendeiro, padre Toledo foi proprietário da casa – toda de pedra a vista – de número 12, localizada na Praça Cônego Cardoso, a poucos metros da Matriz de Nossa Senhora da Penha de França. Além dele, Manoel Dias de Oliveira, o organista, calígrafo e compositor, aqui prestou seus serviços como militar. Em 1771 foi promovido de alferes a Capitão da Ordenança de Pé dos Homens Pardos Libertos no Arraial da Lage, tendo permanecido com essa patente pelo resto de sua vida. Utilizou em suas composições textos em português do padre paulistano Ângelo de Siqueira (1708-1776), momento em que manteve contato com figuras de destaque da Conjuração Mineira, tais como: Padre Toledo, Alvarenga Peixoto e, certamente, os Resende Costa, pai e filho.  

Filho de um organista e uma escrava, Manoel Dias se destacou como artista, tendo sido bem remunerado pelas composições que lhe eram encomendadas, principalmente pela Irmandade do Santíssimo Sacramento. Teria ele composto uma das suas obras aqui no Arraial da Lage? Ainda não sabemos, mas é possível que alguns dos seus trabalhos artísticos tenham sido realizados aqui.

Durante os concertos promovidos para celebrar os duzentos anos da Independência do Brasil, tivemos o prazer de interpretar o seu Miserere na igreja de São João Evangelista, em Tiradentes, ao lado da tumba nº 2, diante do altar, onde o músico foi sepultado e estão seus restos mortais. Foi emocionante.