De um ponto de vista

Vergonha nacional

22 de Novembro de 2023, por João Bosco Teixeira 1

Quero falar de uma notícia alarmante. É verdade que falar de notícias alarmantes, no Brasil de hoje, é chover no molhado. Cada dia, sob os mais variados pontos de vista, relativos à mais variada temática, somos enxovalhados com novidades desconcertantes, muitas vezes até ofensivas à Constituição.

No dia 4 de novembro p.p., fui tomado de verdadeiro estupor com o conteúdo do Editorial de O TEMPO. Referia-se tal Editorial ao resultado de pesquisa realizado por Leonardo Sales, da UnB (Universidade de Brasília), relativo ao Exame Nacional do Ensino Médio – Enem. Eis o que ali se dizia: “Para cada quatro jovens da classe média, um consegue ser bem sucedido no Exame, enquanto somente um, em cada seiscentos estudantes pobres, consegue atingir o mesmo sucesso”.

Quem dera os dados não fossem reais! Esta, no entanto, parece ser uma hipótese nula. Os dados são mesmo os enunciados. Tanto isso é verdade que o jornal, noutra matéria, ao falar sobre a ansiedade que costuma assaltar os estudantes às vésperas do exame, recomendava: “manter alimentação leve, evitando comidas diferentes do habitual; fazer atividades físicas leves para evitar contusões; assistir a um filme, ler um livro, fazer uma caminhada; conversar com a família e amigos; evite (sic) entrar em grupos de discussão sobre o Enem para evitar estresse; não fazer estudos intensos; se sentir necessidade, revisar anotações e mapas mentais; ter uma boa noite de sono no dia anterior; durma (sic) cedo e acorde (sic) cedo”. Convenhamos: típicas recomendações cabíveis para estudantes da classe média.

Que vergonha! O Enem a consagrar a exclusão dos pobres.O Enem a ratificá-la. A proclamá-la, com todas as letras. O Enem a garantir que aos nossos governantes, não apenas aos atuais, interessa, sim, a pobreza; interessam, sim, os pobres, mantidos com bolsas e bolsas. Nunca tivemos, na esfera nacional, um Governo que tenha feito opção radical pela educação e a consequente extinção da pobreza. Governos, porém, que se dizem socialistas devem estar muito envergonhados. Ou não, pois com tais governos pobres não morrem de fome. E, também, não deixam a faixa da pobreza.

Busquei saber quanto o Governo gasta com esse exame nacional. Não sei se cheguei à conclusão certa de que a taxa de inscrição não paga os custos totais. Ficam faltando muitos milhões.

Ora, o citado pesquisador da UnB “revelou que fatores socioeconômicos, como renda, estrutura da escola e rede de ensino frequentada têm um peso de 85% no resultado de quem faz o Enem”. Se assim é, por que, então, antes de gastar milhões com o Enem não se gastam milhões para adequar e aparelhar as estruturas para a melhoria de tais fatores socioeconômicos? O Enem aconteceria em igualdade de condições para todos. Por que excluir, já na chegada, parcela notável da população?

Não imagino senão uma resposta para tal indagação: aos governos socialistas não interessa eliminar a pobreza. Como ficariam tais governos sem os pobres, que lhes garantem os votos necessários para sua manutenção no poder?

Estou acometido de enorme vergonha. É que, repetindo, devido aos fatores socioeconômicos, “Para cada quatro jovens da classe média, um consegue ser bem sucedido no Exame, enquanto somente um, em cada seiscentos estudantes pobres, consegue atingir o mesmo sucesso”.

Vergonha nacional.

Dois de Novembro

25 de Outubro de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Celebrar a morte é celebrar a vida.

Não sei se faz sentido refletir sobre esse absurdo filosófico, “quando a morte de cada um já está em edital”. Quando se sabe que “O homem não nasceu para morrer. Mas para viver sua vida como um poema, sempre nascendo e renascendo”.

É verdade que a morte está o tempo todo acontecendo, sob mil pontos de vista. Mas a vida também acontece, sob mil pontos de vista.  É que elas são inseparáveis.

Faz-me muito sentido celebrar a morte, dado que ela se constitui na única verdade histórica incontestável, ainda que entendida como “o grande silêncio”, o que nos leva todos a dizer sobre ela: “sei que não sei, de nunca”. Faz-me sentido celebrá-la, pois “a morte pertence à vida, assim como o nascimento”. Vale celebrá-la porque isso significa celebrar o mistério, em que toda nossa vida está envolvida. Vale celebrá-la para que o mistério permaneça: ninguém sabe nada sobre o depois da morte, nenhum falecido jamais voltou para dizer-nos algo sobre o depois. E a manutenção desse mistério é a mola motriz de nossa existência. Soubéssemos algo sobre o que nos acontecerá depois da morte, a vida se tornaria insuportável.

É preciso celebrar a morte, isto é, celebrar a vida.

Não há que confundir, porém, refletir sobre a morte, um momento da vida, com o falar sobre os mortos. Nesses não convém falar, pois “ficar calado é que é falar deles”. E se viemos ao mundo para ter saudades, fiquemos com a saudade, feita de lembranças que só na morte se reencontram.

Há pessoas cujas vidas se alentam na contemplação da morte. Elas sabem que “a morte só retira os limites: o pequeno eu se dilui e retorna ao Uno”; elas sabem que a morte é o limiar da eternidade, momento definitivo diante do qual nada pode se desvanecer, nem a esperança, nem a felicidade, nem a visão de uma face desfeita em lágrimas. Tais pessoas sabem do mistério da morte, como expressão do mistério da vida. E não lhes convém da morte retirar o mistério porque acreditam que a morte seja a superação definitiva do mistério. São pessoas que se indagam por que não falar sobre a morte, se passamos a vida gritando “sim” ao eterno. Além do mais, são pessoas apaixonadas pela liberdade, pelo processo de libertação. E confiam, e esperam, e acreditam que com a morte a liberdade será plena, e a transcendência se dará na participação do ato criador do Deus que lhes move a vida. Para tais pessoas, com a morte passa-se do Deus sobre nós, para o Deus em nós. Para elas, a grande verdade é aquela lindamente proclamada por Guimarães Rosa: “a morte é o sobrevir de Deus, entornadamente”.

Não se morre uma vez apenas, nem de vez.

É preciso, por isso, ir morrendo, isto é, ir superando, já em vida, o que a morte vai consagrar: a total ausência de luta pelo poder, a suma desqualificação da vaidade, a absoluta ineficácia de alguém se julgar maior e melhor que outrem e qualquer outra manifestação de que “eu me basto”.

No entanto, mesmo pessoas com tais propósitos de vida, indagam como, em plena vida, introduzir o definitivo da morte.

O grande Tostói dizia que “A morte é um despertar” e “o amor atrapalha a morte”. Isto é, o amor não deixa a morte ter a última palavra, porque tudo o que há no universo, na vida, é fruto do amor criador. O morrer significa que a pequena parcela de amor que se possa ter retorna para a fonte universal e eterna do amor. É preciso, pois, não deixar morrer o amor, pois morre-se ao perdê-lo.

A vida de muitos de nós começa a ir do dia para a tarde. Talvez valha alimentarmo-nos com o pensamento do inesquecível Agostinho de Hipona: “Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti”.

Viver a morte para celebrar a vida.

Conversa com um neto

27 de Setembro de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Um dia Tostói escreveu: “Amor: o que é o amor? O amor atrapalha a morte. O amor é a vida. Tudo, tudo o que entendo, só entendo porque amo. Tudo é, tudo existe porque eu amo... O amor é Deus e morrer significa que eu, uma partícula de amor, vou voltar para a fonte universal eterna”.

Outro dia, um neto de 12 anos, virou-se para mim e disse:

- Vovô, queria te perguntar uma coisa. Mas não sei, nem sei se sei perguntar. Porque é esquisito, sabe, vovô?

- Pergunte, porque o vovô não vai se preocupar se você sabe ou não sabe perguntar. Ele quer saber o que você quer saber.

- Vovô, é isso, tipo assim, sabe? Eu um dia vou morrer. Mas acho que você está mais perto de morrer do que eu, sabe, vovô?

- É isso mesmo e espero que seja assim.

- Pois é. Então, eu queria saber se isso te incomoda, como é que você vive isso.

- Olhe, meu neto querido, falando a verdade, nem sempre pensei muito nisso. Mas, agora, a morte faz parte integrante da minha vida. Agora sei que ela pode estar muito perto. Ela sempre podia ter me acontecido a qualquer hora. Como para você e nós todos. Mas agora, sinto, isto é, experimento a realidade de que ela pode estar mais junto de mim.

- E aí, vovô, como é isso?

- Olhe, aí o vovô já não vai ligando muito para tantas coisas que um dia foram importantes. Vou dando menos confiança para tanta coisa. E dando mais importância a outras. Por isso é que, quando vocês chegam aqui em casa, eu posso estar fazendo o que for que deixo tudo para depois. Por isso é que, mesmo tendo uma idade mais de bisavô que de avô, me esforço para brincar com vocês.

- E isso é muito legal.

- Pois é, porque isso é que conta para nossas vidas: a gente se querer bem, se tratar bem, para quando a morte chegar a gente estar bem. Mas respondendo mais à sua pergunta: a morte está na minha vida como nunca esteve. Eu hoje vivo essa certeza de que vou morrer mesmo, a qualquer hora. Usando uma palavra um pouco diferente: eu hoje tomei contato sério com a minha finitude.

-Que que é isso, vovô?

- Finitude significa que eu vou acabar.

- Pode acabar, mas a gente não vai esquecer de você.

- Não, não vai, tenho certeza. Por isso é que Tostói disse: “O amor é a vida”, “Tudo é, tudo existe, porque eu amo”. E eu amo a vovó, amo seus pais, seu irmão, seus tios, seus primos, amo vocês todos. Tenho tantos amigos e colegas de quem gosto tanto. E esse escritor russo disse mais ainda. Disse que “O amor atrapalha a morte”, isto é, a morte não acaba com a gente porque o amor não deixa a gente esquecer aquelas pessoas que a gente amou. Então, meu bem, o amor é maior que a morte. Com a morte não morre o amor. Vou vivendo assim, sabe, tentando iluminar a morte que vem vindo. Lindo, não?

- Legal, vovô, legal mesmo. Mas não morre logo não, tá?

TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO SALESIANA

23 de Agosto de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Deus vai criando sempre, sem parar. Fazendo tudo bem, conforme o Gênesis. Se Deus deixar de criar, deixa de ser Deus. Se criar mal, deixa de ser Deus também. E Deus viu que tudo era bom. O homem e a mulher não viram direito e o mal apareceu.

Deus criou o homem e a mulher para continuarem a sua criação. O homem e a mulher criam juntos com Deus. Se não fossem o homem e a mulher, o mundo poderia ficar na mesma. Na mesmice até.

Cada homem e cada mulher dão a sua contribuição para essa criação contínua, conforme sua gênese, condições históricas e seu próprio esforço. Coisas difíceis de se medir e de se calcular. Só Deus sabe. Por isso, só Ele pode julgar.

Quando a gente colabora com Deus no crescimento de sua criação, a gente é GRAÇA. Quando a gente atrapalha Deus, a gente é DES-GRAÇA. Tem vez que essa desgraça é também pecado.

Como a des-graça atrapalha a criação, o homem e a mulher sentem necessidade de dar um jeito na criação atrapalhada. Então, ajudam Deus a consertar o mal feito. Sempre aparece alguém para consertar o que outros estragaram.

Dom Bosco foi uma dessas pessoas. Percebeu que havia muita coisa errada naquela lindeza de criação que é a juventude. Não podia ser que gente tão jovem e cheia de vida ficasse mofando nas cadeias e bagunçando as ruas. Pôs-se ao lado de Deus para consertar isso.

Ele entrou na de Deus e Deus entrou na dele. Aí Deus se encheu de um amor tão grande por ele que encheu de jovens sua cabeça, seu coração, sua vida inteirinha. Aí Deus fez Dom Bosco virar GRAÇA para seus jovens. Deus fez muito mais: sugeriu a Dom Bosco fundar uma congregação-família só para os jovens. Uma congregação religiosa que fosse GRAÇA para os jovens em DES-GRAÇA.

Você, que trabalha numa obra salesiana, é uma GRAÇA para os jovens. Graça em forma de presença, amiga e acolhedora. Você não é um funcionário dos salesianos. Você é GRAÇA em forma de educador.

Graça não é um pacote que Deus distribui para nós, de vez em quando. É, antes, o próprio Deus em nós e conosco. O espaço salesiano é onde Deus toma a forma de adolescente levado, de jovem excluído, de educador dedicado. É Ele a alegria do pátio, o empenho do curso, a dedicação à ciência. Deus está em tudo. Tudo é GRAÇA.

Sua presença de educador na comunidade é GRAÇA!

Sua ausência, DES-GRAÇA!

Papa Francisco e religiosidade

26 de Julho de 2023, por João Bosco Teixeira 0

A mídia andou divulgando uma notícia, cuja veracidade não me foi possível verificar. A título de reflexão, vou acatá-la como verídica. O Papa Francisco teria feito uma declaração em que considera o atual presidente do Brasil inocente, frente às acusações que lhe foram feitas e o levaram a ser condenado em três instâncias judiciais.

Duas considerações. Do ponto de vista de “inocente ou não”, e do meu ponto de vista, pondero que o Francisco anda muito mal informado. Ponto.

Do ponto de vista diplomático, entendo que Francisco cometeu um erro. Ele é um Chefe de Estado. Quer me parecer que sua declaração não cabe nas relações diplomáticas; intrometeu-se em assuntos de Estado.

Podemos, entretanto, nos valer do assunto para uma reflexão. Parte notável dos católicos brasileiros ficou decepcionada com Francisco. Houve quem gostasse, é natural. Mas aquela numerosa gente, que sempre nutriu para com o Papa Francisco carinho e atenção especial, não gostou e ficou muito chateada. Pior, essa gente leva tais sentimentos para o lado da religiosidade.

Tenho uma amiga que, antes de ir à missa, telefona para saber quem será o celebrante da liturgia. Dependendo da resposta, vai ou não à celebração.

Fica claro que tal comportamento faz uma confusão inadmissível entre religião e religiosidade. Do ponto de vista da religiosidade, o comportamento da amiga não cabe. Se nossas atitudes, expressão da nossa religiosidade, se prenderem aos aspectos institucionais da religião, corremos enorme risco de sermos incluídos entre os “hipócritas”, aqueles para com quem Jesus quase perdeu a paciência. Indaga-se: que é mais importante? O padre ou a comunidade que se reúne para, conjuntamente, celebrar a Palavra e a Memória da passagem de Jesus pela morte?

A religiosidade não se reduz a uma manifestação da religião. A religiosidade precisa, de um lado, fundamentar a manifestação da religião; e de outro, ir além da mera representação da religião. Confundir a religiosidade com ritos e outras manifestações da institucionalização da religião não convém e não é correto. O Papa pode significar tanto para os católicos. Nada, porém, de se submeter a própria religiosidade a ele. Ele é o líder de uma determinada religião. Mas não responde pela religiosidade das pessoas. Não faz mal lembrar que já houve tantos papas nada exemplares para os fiéis. E eram a máxima autoridade da religião, não da religiosidade.

Tenho para com o Papa Francisco enorme admiração. Professo minha adesão às propostas dele para a Igreja, lindamente expressas em duas Cartas-Encíclicas: “Louvado Sejas” e “Todos irmãos”. Grande que seja, notável que é, não pode ocupar ou determinar a dimensão da religiosidade individual. Esta, independe da institucionalização da religião, independe de fatores passageiros, externos às pessoas.

Minha amiga não deveria ir à missa dependendo de quem seja o celebrante.

 A religiosidade das pessoas não pode ser abalada porque o admirável Papa Francisco disse isso ou aquilo.