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Xegamais!

14 de Abril de 2016, por Cláudio Ruas

“Xego” sim, com o maior prazer. Afinal de contas, com aquela comidinha caseira de alto nível, tem mais é que “xegar” mesmo, nesse restaurante familiar que já vem se confundindo com a história da cidade há quase três décadas. Desde os tempos em que nossos hábitos alimentares eram outros, e sair para comer fora era um tanto quanto exótico em uma cidade pequenina do interior de Minas, que por sinal quase não recebia turistas ou forasteiros.

O próprio nome do restaurante já nos remete ao ambiente familiar e à hospitalidade mineira que ele representa muito bem. É um chamado para que o cliente praticamente entre na casa dos proprietários, que fica na parte superior do restaurante, aliás. Talvez por isso mesmo que os filhos dos donos e fundadores Zainha e Maria Ângela - a Ana Paula, o “Serginho do Xegamais” e o Bruno – façam parte da equipe, cozinhando tão bem naquele ambiente em que cresceram. Não é à-toa que certos negócios familiares costumam dar certo, prosperar e durar no mercado. Além do norrau criado e passado via DNA, no setor de hospitalidade a identidade familiar do negócio também conta para o cliente. Ser atendido por uma família que trabalha junto – e muito - há anos, a começar pelo próprio dono na porta do estabelecimento, faz diferença. Se a comida for ótima, farta e o preço justo, o sucesso e a longevidade são praticamente garantidos.

Em tempos de tanta adoração à gastronomia, sobretudo aquela dita como mais sofisticada, contemporânea, a comida caseira e tradicional vem passando por momentos distintos e curiosos. Inicialmente, diante da aparição e acesso a essa nova gastronomia, ela foi, digamos, deixada de lado. Os olhos e bocas começaram a se voltar para comidas mais elaboradas, ingredientes e técnicas do outro lado do mundo, a figura do chef de cozinha e tal. A população passou a enxergar o alimento de outra forma, a mídia deu mais destaque, vieram as revistas, programas de tevê, cursos e escolas, até de nível superior. Muito bacana e necessário. Porém, de carona também vieram o exagero e a abominável “gourmetização” da comida, dando-se, sobretudo nos maiores centros, exacerbado valor ao glamour da coisa, ao nome complicado do prato e sua montagem, aos estrelismos do chef etc. Com isso, em muitos casos, deixou-se de lado o conteúdo, a comida encareceu, diminuiu de tamanho e a satisfação se tornou duvidosa.

Por outro lado, a comida caseira e tradicional, com gosto de afeto, vem voltando a ocupar o espaço e a atenção que perdeu nos últimos tempos, e vem ganhando até um destaque que talvez nunca tenha tido. Em que pese o fato de que ambos os tipos de cozinha podem – e devem – coexistir, é inegável a importância da nossa cozinha em grande parte do tempo de nossas vidas. Daí a necessidade de tê-la com maior facilidade, não só nas nossas casas, mas nos restaurantes também.

Aí entra uma questão delicada: apesar de parecer o contrário, a comida caseira e tradicional é das mais difíceis de se fazer - e vender. A começar pelo fato de que ela é a que mais conhecemos, que mais foi exercitada e aprimorada pelas cozinheiras, ou seja, somos acostumados com o muito bom. Sobretudo aqui nas Minas Gerais. Diferentemente de uma comida contemporânea ou “de fora”, que às vezes nem sabemos pronunciar seu nome e, se estivar mal feita, poderá passar desapercebida em alguns casos, pois não existe um parâmetro seguro de comparação. Em segundo lugar, ainda há o fato de que as técnicas da nossa comida caseira e tradicional não são devidamente sistematizadas e encontradas em livros e escolas (ainda). Portanto, o cozinheiro, por mais profissional e bom que seja, mas que nunca fez nem viu fazer um frango caipira com quiabo e angu, demorará muito tempo para chegar perto daquele que sua avó faz todos os domingos, durante décadas.

 

É por isso que admiro cada vez mais quem consegue reproduzir com perfeição a comida que minha avó, a Trindade do Góes, fazia. É por isso que torço para ter chuchu refogado quando vou ao Xegamais, cozido no ponto certo e com o sabor pontual do tempero de alho, elevando um ingrediente tão simples e desprezado a outro patamar. É por isso que hoje entendo (com muita admiração) por que o Serginho já fazia um arroz tão soltinho e uma caipirinha tão profissional nas gandaias de antigamente, quando ainda éramos adolescentes farristas em Resende Costa, vinte anos atrás. É por isso.

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