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Mar não tem Minas

16 de Setembro de 2016, por Cláudio Ruas

A frase clássica “Minas não tem mar”, para nós, mineiros da gema amarelo-caipira, deveria ser invertida. Mesmo com aquele tamanho todo, tantas praias diferentes e lindas mundo afora e intermináveis riquezas, ele continua sem ter Minas Gerais. Certamente deve sentir saudades do passado - quando já fez parte do nosso estado - e deve tentar curá-la com boas talagadas de Rio São Francisco, que sai lá da Serra da Canastra para levar um gostinho de queijo para ele.

Minas tem tantos tesouros que teve que se esconder até do mar. Criaram até uma tal de estrada real, levaram muita coisa embora mar afora, mas o principal continua aqui, ou, logo ali, atrás daquela montanha. Riqueza de gente, de cultura e natureza. E peixe também. E muita água boa de se refrescar e se esbaldar. Até prainha de areia tem, aos montes. Mas sem vendedor ambulante atazanando para comprar um certo biscoito polvilho “global” (por sinal, bem fraquinho para o paladar quitandeiro mineiro).

Muitos de nós certamente já fomos questionados por gente praiana que não entende como nós conseguimos viver longe do mar. Primeiramente, nem estamos longe assim. O mar está logo ali (“logo ali” de mineiro!), do outro lado da montanha e, não à toa, a mineirada volta e meia está do lado de lá. Em segundo lugar, quem faz esse tipo de questionamento talvez nunca tenha se refrescado na Cachoeira Grande da Serra do Cipó; ou andado de barco na Represa de Furnas, caçando cânions e cachoeiras; ou se encantado com a Lagoa da Lapinha da Serra, aos pés da imponente lapa; ou se emocionado com o pôr-do-sol rosa e alaranjado do Velho Chico. Isso só para tentar ilustrar um pouco da variedade de atrativos aquáticos que temos por aqui, às centenas.

Mas e os frutos do mar? Bem, além de termos incontáveis “frutos do mato”, também não nos faltam opções de peixes, não menos deliciosos. Do próprio Velho Chico saem iguarias que o sujeito da praia nem imagina: muqueca de surubim, dourado assado inteiro na brasa, pacamã frito com alho e limão e um pacu-caranha “passado a sal”, como dizem os ribeirinhos, que curam o peixe aberto em manta no sal e no sol, para conservá-lo por mais tempo e concentrar seus sabores, tal como um bacalhau.

Até um tipo de lagosta temos por aqui, nas bandas do Rio Doce, muito parecida com a do mar, assim como um camarão de água doce, pros lados do Rio Mucuri. Com mais abundância temos ainda trutinhas deliciosas das águas limpas e frias da Serra da Mantiqueira, traíras saborosíssimas das lagoas e açudes, e lambaris de corguinhos, que ainda tocam os munhos d’água para fazer o fubá de empanar os peixes. Ah, tem também “lambari da horta”, um peixinho de mentira espetacular. Isso só para tentar ilustrar novamente um pouco da variedade de bichos aquáticos que temos por aqui, às centenas. E o melhor: preparados no fogão de lenha.

Antes que o sujeito da praia pergunte sobre as ondas, é bom lembrar que temos muitas, infinitas e verdinhas, e se chamam “montanhas”. E é possível andar e viver sobre e entre elas. Fazer queijo, cachaça e café também. O mar de Minas, assim como o mineiro, realmente é diferente, como bem explica o poema do piauiense Arimatã Martins, lindamente insculpido na música do grande violeiro sul mineiro Ivan Vilela com Pricila Stephan:

 

“O mar de Minas, não é no mar.

O mar de Minas é no céu,

Pro mundo olhar pra cima e navegar

Sem nunca ter um porto pra chegar.”

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