O Verso e o Controverso

O feriado da Consciência Negra (20 de novembro)

22 de Novembro de 2023, por João Magalhães 0

A lei federal 12.519 de 2011 instituiu o dia 20 de novembro como o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra. Não transformou a data em feriado nacional, mas possibilitou aos estados e municípios decretarem o feriado. Alguns estados e vários municípios já o fizeram. A data é para rememorar a força, a coragem, a resistêcia e o sofrimento que a população negra passou desde os tempos da escravidão... e passa até hoje.

Internet ligada, vi o nome de uma revista que me chamou a atenção: “TRANS/FORM/AÇÃO”. Abri. É a Revista de Filosofia da UNESP (Universidade Estadual de São Paulo). Neste número (outubro-dezembro de 2023), uma publicação com o título:“A colonização é aqui e agora: elementos de presentificação do racismo”.

A expressão “A Colonização aqui e agora” é baseada no líder indígena Ailton Krenak (*29/9/1953, Itabirinha/MG), merecidamente eleito recentemente na Academia Brasileira de Letras para a vaga do recém-falecido José Murilo de Carvalho (*8/9/1939, Andrelândia/MG; +13/8/2023, RJ).

Desse trabalho acadêmico e muito baseado em alguns autores negros eruditos, tiro algumas afirmações para incrementar a luta contra o racismo, sobretudo o racismo negro que é o mais praticado aqui em nossa terra.

A guerra contra o racismo é necessária. Precisa de punição e punição está na eficácia da lei. E lei para isso já existe: Lei 7.716/1989 – Lei do Racismo; e Lei 14.532/2023, cuja principal novidade é que agora a injúria racial passa a ser equiparada ao crime de racismo. Sendo assim, passa a ter pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa. Além disso, agora, os crimes de injúria racial são imprescritíveis, ou seja, podem ser julgados em qualquer tempo, independentemente da data em que foram cometidos.

Precisa de muita luta, pois, como mostra a séria pesquisa da faculdade baiana de direito ( Jornal da TV  Cultura, 24 de outubo de 2023), a punição, quando existe, é muito branda, sendo que na maioria dos casos o juiz é complacente. A certeza de impunição é que alimenta o racismo. “O racismo, enquanto problema estrutural e estruturante de nossa sociedade, afeta-nos cotidianamente de formas muito profundas e nem sempre visíveis”. Endosso esta frase do texto da revista, acima citada.

E volto a citá-la: “Nesse sentido, o presente texto parte da pergunta fundamental: como o racismo se faz presente, nos dias de hoje? E a desdobra em outras perguntas, que giram em torno desse eixo central. São elas: por que temos dificuldade em perceber esse problema? Como o racismo e o capitalismo se relacionam historicamente? Como esse problema afeta, em especial, as mulheres negras, as quais estão na base da pirâmide do sistema”?

Para tentar dar conta dessas perguntas, mesmo intelectualmente, há muito a se fazer. A começar pela identificação e recriação da conduta e pensamento viciados que relegam o ser negro, ser indígena e ser periférico à condição de não ser.

“O presente artigo tem por objetivo analisar os modos a partir dos quais o racismo se faz presente, em nossa sociedade, enquanto Sul Global e herdeira do sistema escravista. Sendo esses modos muito diversos e impossíveis de serem tratados de maneira completa, foram definidos aqui três eixos principais para abordá-los: 1) a colonialidade como base da modernidade (colonialidade é um conceito que se refere aos efeitos duradouros e estruturais do colonialismo nas sociedades contemporâneas. Portanto, mantém-se após a experiência colonial); 2) a precarização da força de trabalho no neoliberalismo; e 3) as imagens paradigmáticas e aprisionadoras da mulher negra, na sociedade brasileira”.

Quanto ao terceiro item: as imagens paradigmáticas da mulher negra, na sociedade brasileira: mulata, doméstica e mãe preta, há uma palestra-performance (“Descolonizando o Conhecimento” MIT, SP 2016) da portuguesa Grada Kilomba (negra) onde ela fala: “Há esta anedota: uma mulher negra diz que ela é uma mulher negra. Uma mulher branca diz que ela é uma mulher. Um homem branco diz que é uma pessoa”.

Num jogo simples com a plateia, Grada Kilomba demonstra o silenciamento imposto pelo sistema racista. Pediu aos espectadores que conversassem entre si por alguns minutos enquanto ela continuaria a palestra. A situação de falar e não ser ouvida que se estabeleceu então no teatro é análoga à condição de silenciamento de sujeitos na sociedade. Não lhes é concedida a escuta.

É o que penso. E você?

Festa do Rosário

25 de Outubro de 2023, por João Magalhães 0

Adro da Igreja do Rosário de Resende Costa num dia de festa. Presença do reinado do Rosário e, ao fundo, a imagem de N. Sra. do Rosário (foto JL)

Nosso jornal, este ano com 20 anos de idade, continua com um dos seus propósitos: a memória histórica de nossa cidade. Para uma época em que não havia telefone, internet com suas redes, celulares e, em vários locais, nem luz elétrica... e só havendo raras máquinas fotográficas, a memória histórica depende praticamente das recordações e vivência dos mais idosos.

Minhas reminiscências sobre a Festa do Rosário em Resende Costa são dessa época. São poucas, pois vivi no Tijuco, onde nasci, só até os 12 anos. Depois fui para o Seminário no Sul do Brasil, estado de Santa Catarina. Mais tarde, quando meu irmão foi presidente da Irmandade do Rosário, participei de algumas festas.

Depois da Semana Santa, era a festa mais frequentada pelos moradores da roça. Lembro-me dos reis e rainhas, do jogo das argolas e, sobretudo, da apresentação dos ternos de dançantes, dos congados que vinham da rua 7 de Setembro etc.  A missa era sempre dentro da igreja do Rosário. Nunca na praça. Não existia o mar de barracas como hoje, em que festa está muito diferente.

Suponho que uma forma de valorizar a Festa do Rosário é falar sobre a importância da Irmandade do Rosário.

O culto a Nossa Senhora do Rosário é antiquíssimo. Começa a ser propagado no século XIII, introduzido por São Domingos de Gusmão, fundador das Ordem dos Pregadores (Dominicanos) e, por consequência, muito divulgado pelos frades dessa Ordem.

Em 7 de outubro de 1571, houve, no golfo de Lepanto, a batalha naval que impediu a invasão da Europa católica pelas forças do muçulmano império turco-otomano. Diz a biografia do papa São Pio V, que era dominicano, que ele rezava o rosário durante a batalha, estando em Roma. Como agradecimento à Virgem Maria pela vitória sobre os turcos, instituiu a festa de Nossa Senhora do Rosário, marcando-a para todo o dia 7 de outubro.

As irmandades ou confrarias criadas pela devoção a Nossa Senhora do Rosário surgiram em Lisboa, no século XV, e rapidamente se espalharam pelas colônias de Portugal. No Brasil, chegou no século XVI, com a fundação da Irmandade dos Homens Pretos de Olinda, e foi utilizada pelos jesuítas e franciscanos como um forte meio de evangelização e também controle da população, sobretudo a mais carente.

As Irmandades do Rosário vão se firmando e caracterizando-se pela abertura. No seu início, quando eram compostas de brancos e negros, sendo os brancos a maioria, cabiam a eles os cargos administrativos e a liderança. Com o transcorrer do tempo, os negros, escravos ou livres, africanos ou brasileiros, passaram a ser maioria e tiveram uma boa autonomia.

As Irmandades do Rosário dos Homens Pretos tinham especial importância. Além das práticas devocionais e com um programa de festividades que fomentava a interação entre as pessoas, a socialização, reintegrando, inclusive, vínculos familiares perdidos, havia, também, apoio e auxílio: assistência prestada a escravos e libertos em situação de dificuldades e doenças, garantia de enterros em locais sagrados, missa e orações para as almas dos falecidos. É bom lembrar: os escravos eram enterrados em covas rasas e coletivas, sem os ritos fúnebres. Daí, o crescimento dessas irmandades. Passaram a ter igrejas próprias em muitas cidades: as igrejas do Rosário.

Concluo com a opinião de Fabrício Forganes Santos, mestre em Arquitetura e Urbanismo e professor no Museu de Arte Sacra de São Paulo, expressa em seu livro recém-lido:“As três igrejas dos homens pretos de São Paulo de Piratininga”: “Uma das hipóteses sugeridas por alguns autores estudados era a de que os negros buscavam as irmandades católicas para serem  reconhecidos enquanto cidadãos, gozando de todos os privilégios civis, dentre eles o da livre circulação pelo espaço urbano ou da aquisição de imóveis.”

E continua: “O deslocamento forçado, o banimento desses grupos de acesso às melhores oportunidades – estratégias de atualização do colonialismo – ampliaram ainda mais a desigualdade social entre pretos e brancos, acentuando e estruturando o racismo na sociedade brasileira que deu origem ao contexto observado na contemporaneidade, em que negros são abordados com truculência, agredidos ou mortos por transitar em ruas de comércio de luxo, por fazer compras em supermercados ou em shoppings, e até por circular em parques com bicicletas, constantemente acusados de supostos delitos que na maioria das vezes não são comprovados. Quanto ao costume de olhar uma pessoa negra e antever sua incapacidade de estar naquele ambiente ou realizando aquela atividade, imputando-lhe uma conduta apenas pela cor da pele, no ano de 2021, não nos resta mais dúvidas sobre a violação: ela se chama Crime de Racismo.”

Faço minhas essas palavras. É o que penso. E você?

Sesquicentenário (150 anos) de nascimento de Santos Dumont

27 de Setembro de 2023, por João Magalhães 0

Por circunstâncias pessoais, este texto, que era para sair na edição de agosto, sai agora nesta edição. Antes tarde do que nunca.

Minha admiração por Alberto Santos (por parte da mãe) Dumont (por parte do pai) é muito antiga e duradoura. Começou nos antigos anos do curso primário no Grupo Escolar Assis Resende com a professora D. Maria Ivone Sousa, que falava dele com patriotismo, realçado por ele ser mineiro e nosso vizinho de cidade, uma vez que nascera em Palmira, atualmente Santos Dumont, em homenagem a seu munícipe de fama mundial.

Essa admiração, quase culto, foi aumentando cada vez mais por leituras e visitas e até um aspecto familiar. Quando ele morou em São Paulo capital, quem engomava suas camisas eram duas tias-avós de minha esposa. A informação vem dela.

Das aulas de literatura infanto-juvenil para o 4º ano do magistério no Colégio Stella Maris/SP, falando sobre Júlio Verne, que alguns críticos acham que era um paranormal, tal a capacidade de prever o futuro. Exemplos: suas “Cinco Semanas em Balão”,“20.000 Léguas Submarinas”, “Capitão Nemo” (do submarino  náutilus) entre outras, li que Júlio Verne era o escritor predileto de Santos Dumont, desde sua alfabetização.

Quando do seu centenário de nascimento em 1973, percebi, pelos livros lidos, sua genialidade para a mecânica desde a tenra idade. Conforme um dos seus biógrafos, “Com apenas 12 anos de idade já tinha permissão paterna para dirigir as locomotivas Baldwin que puxavam os trens de transporte de café, nas linhas férreas assentadas entre os cafeeiros”.

A visita à fazenda Cabangu (hoje museu), onde Alberto Santos Dumont nasceu aos 20 de julho de 1873, Estação de Rocha, Distrito de João Ayres em Minas Gerais, onde seu pai Henrique Dumont, engenheiro que era, se instalara para construir um trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II, mais tarde cidade de Palmira, hoje, Santos Dumont e a visita à “Encantada”, casa que ele construiu no morro do Encanto, em Petrópolis (atualmente museu, mantido pela prefeitura), mostram bem sua genialidade criativa e muito de sua personalidade.

Verdadeiro “Júlio Verne” brasileiro. Como um jovem, como ele podia imaginar e projetar tantas coisas que no futuro se tornariam realidades no nosso dia a dia? Isto no final do século dezenove e início do século vinte!!

A dirigibilidade dos balões, o avião, o hidroavião, o helicóptero, uma catapulta para salvar os náufragos (museu do Ipiranga/SP), um motor portátil para auxiliar os esquiadores, que apresentou resultados positivos nas experiências feitas na Suíça, o relógio de pulso etc.!

Quanto à sua personalidade, convém destacar sua simplicidade e o desapego. Embora, na época, fosse um ídolo mundial, multipremiado pelas criações, influenciando até na moda parisiense, a celebridade nunca lhe subiu à cabeça. Embora rico, sobretudo por herança familiar, jamais foi apegado ao dinheiro, às suas propriedades etc.

Esta coluna destaca sempre os grandes humanistas e Santos Dumont foi sem dúvida um deles. Melhor citar mais um de seus biógrafos: “Ele não corria atrás dos prêmios, pois visava a um ideal mais alto: a navegabilidade no espaço. Ele desejava ser útil à humanidade, no campo de sua vocação, contribuindo sem vantagens pecuniárias para a realização do voo pelo homem. Isso pode ser observado em todas as fases de sua vida aeronáutica, em que o desprendimento e o idealismo estiveram sempre presentes.”

A prova disso é a declaração dele à imprensa quando se inscreveu para o prêmio DEUTSCH para competir, pois o dinheiro do prêmio seria doado aos mecânicos que ajudavam e aos pobres de Paris. Ganhando, ele assim o fez.

Outra marca de seu humanismo é a depressão profunda que o atingiu ao assistir ao avião, criado por ele e sua paixão, ser usado como terrível arma de guerra.

De novo, um dos seus biógrafos: “A guerra de 1914-1918 abalou tremendamente o seu sistema nervoso; Santos Dumont acusava-se como único culpado da guerra aérea, dos acidentes aeronáuticos que ocorriam; enfim, de tudo o que fosse negativo para a aviação. Revoltava-se, portanto, o criador contra sua criação. O sofrimento advindo deixou-lhe um estigma naquela boníssima alma.

Na revolução de 1932, quando brasileiros lutaram contra brasileiros, ele não pôde resistir mais. Seu desaparecimento trágico ocorreu em 23 de julho de 1932, em Guarujá/SP. Vivera, intensamente, 59 anos.”

É o que penso. E você?

O Mercosul

26 de Julho de 2023, por João Magalhães 0

Com o novo governo, o Mercosul volta aos noticiários e, acho, continuará por um certo tempo, pois, o presidente Lula assumiu sua presidência no dia 4 de julho passado e anseia por ampliá-lo e trabalha para integrá-lo também com a União Europeia. Tem base constitucional para isso, pois a nossa Constituição de 1988 no artigo 40, parágrafo único, reza: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”

A integração com a União Europeia também tem fundamento. Em 1995, foram publicadas as bases para um acordo. Cito o Artigo 4º sobre os objetivos: “As partes comprometem-se a intensificar as suas relações para fomentar o incremento e a diversificação das suas trocas comerciais, preparar a futura liberalização progressiva e reciproca das trocas e criar condições que favoreçam o estabelecimento da Associação Inter-regional, tendo em conta a sensibilidade de certos produtos e em conformidade com a OMC (Organização Mundial do Comércio)”.

Minha fonte para este escrito é Vamireh Chacon, professor, escritor e cientista político pernambucano, cujo livro “O Mercosul - A Integração Econômica Da América Latina” andei relendo. Como ele escreve na introdução, “As integrações econômicas são atualmente uma tendência mundial, mas elas não podem ser limitadas apenas à economia. Para consumar-se, precisam de bases culturais e de projeções ou, pelo menos, de implicações políticas. Essa é a lição da integração mais bem realizada até agora: a da Europa ocidental. A integração da América Latina não foge à regra”.

Apesar de seus conflitos internos, ela, a América Latina, vem se superando com a criação da Aliança Latino-americana de Livre Comércio (ALAC) e Aliança Latino-americana de Desenvolvimento Integrado (ALADI). Em março de 1991, os “Estados partes”; República Argentina, República Federativa do Brasil, República do Paraguai e República Oriental do Uruguai, considerando a necessidade de ampliação de seus mercados nacionais, assinam um acordo – Tratado de Assunção - com seis capítulos e 24 artigos. Criam o Mercosul, conforme o art. 1º: “Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum que deverá ser estabelecido a 31 de dezembro de 1994 e que se denominará “Mercado Comum do Sul”

No mesmo ano (1991), o Protocolo de Ouro Preto, assinado pelos presidentes dos Estados- Partes, estabelece as decisões políticas criando o Conselho do Mercado Comum, conforme os artigos seguintes. Art.3º: “O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul, ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr a constituição final do Mercado Comum”. Artigo 4º: “O Conselho do Mercado Comum será integrado pelos ministros das relações exteriores e pelos ministros da Economia ou seus equivalentes dos Estados-Partes”. Artigo 5º: “A presidência do Conselho do Mercado Comum será exercida por rotação dos Estados-Partes em ordem alfabética pelo período de seis meses”. Artigo 34º: “O Mercosul terá personalidade jurídica internacional”. Artigo 48º: “Os idiomas oficiais do Mercosul são o espanhol e o português. A versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cada reunião...”

O Tratado de Assunção também oferece uma abertura para outros países latino-americanos entrarem no Mercosul, mediante negociação (art. 29).

A opinião de Vamireh quando escreveu: “O futuro decidirá este e os próximos rumos. As novas gerações brasileiras precisam acompanhar esta marcha e sobre ela se pronunciar, de modo objetivo e bem informado” é também a minha. Sou de opinião que o revigoramento do Mercosul e sua conexão com outras associações mercadológicas é muito importante para o Brasil. Precisamos entender como ele funciona. Por isso esta coluna, que é opinativa e aprecia muito sua opinião, abordou o tema.

É o que penso. E você?

Um novo encontro com Machado de Assis: as gralhas

28 de Junho de 2023, por João Magalhães 0

Numa perspectiva de ver, julgar e agir, a filosofia desta coluna “O verso e o controverso” é biobjetiva. Posicionar-se opinativamente frente a temas que se julgam ter importância nas diversas áreas sociais, sobretudo os polêmicos ou controversos e estimular o leitor a fazer o mesmo.

Ia, portanto, abordar o assunto em debate atualmente no Brasil, que é responsabilizar as assim chamadas big techs pela publicação de fakenews, discursos de ódio, estímulo à violência, pregações racistas, preconceitos, desrespeito a direitos humanos etc. Tudo isso em nome de liberdade de expressão. Proibir ou punir, segundo muitas opiniões, é censurar.

Não precisei fazê-lo, pois o jornalista e vereador Fernando Chaves já tratou muito bem do assunto na edição de maio e concordo totalmente com a opinião dele.

Escrevi novo encontro porque tive outros com Machado de Assis: quando li seus contos, quando li seus romances, quando li seus poemas. Agora encontro-me com ele, lendo suas crônicas, seus artigos, suas críticas teatrais publicadas no jornal “O Espelho”.

Coincidência com o nosso JL: o pequeno jornal tinha apenas 12 páginas! Circulou uma vez por semana, entre 4 de setembro de 1859 a 8 de janeiro de 1860. Foram apenas 19 números, mas acolheu como jornalista o moço Machado de Assis, que seria um dos maiores escritores do Brasil (com apenas 20 anos!).

Sua crônica “As gralhas sociais”, de 18 de dezembro de 1859, impressionou-me por demais, tal sua atualidade. Parece escrita hoje. Partilho com o leitor partes dessa crônica.

“Todos conhecem a fábula e o despimento público das penas que o pavão reclamava e a gralha tinha tomado”. Fábula atribuída a Esopo, fabulista grego de existência duvidosa aí pelo século IV antes de Cristo.

Como não sei se todos a conhecem, reproduzo-a na versão de La Fontaine por ser mais sucinta, embora pessoalmente prefira a versão de Monteiro Lobato.

“Morreu um pavão. Uma gralha pegou as plumas dele e se vestiu com elas. Depois foi pavonear-se entre os companheiros do defunto, fingindo ser um deles. Porém, alguém a reconheceu e ela foi vaiada, humilhada, desplumada, expulsa pelos pavões, e teve de se refugiar entre os seus. O que tampouco a ajudou, pois também a rejeitaram. Há muitas gralhas no mundo que se adornam com bens alheios. Chamam-se imitadores. Eu me calo, não quero aborrecê-los: nada tenho a ver com eles”.

Agora o Machado: “Há diferentes espécies de gralha: a gralha política, a gralha literária, a gralha científica. São espécies cardeais; todas as mais são raios que partem deste foco central”. A crônica alonga-se, comentando as gralhas políticas e literárias e afirma apenas que a gralha científica segue o mesmo processo das outras. Eu acrescentaria também a gralha religiosa.

E Machado continua: “As primeiras penas que a gralha política veste é o sufrágio popular: apoiada por uma ata adulterada, faz-se ser objeto do voto público e com os primeiros louros cívicos de um pavão iludido, abre voo para as poltronas do respectivo areópago. Com esta aurora da vida pública não é de esperar que a gralha política tome outra norma. Enfeitada gradualmente a cada degrau que sobe quando chega ao cimo, a gralha política pode ser tudo menos o indivíduo primitivo” O leitor conhece alguma gralha política de hoje? Eu conheço algumas.

E prossegue: “A gralha literária apresentando as mesmas linhas fisionômicas difere da gralha política em ter mais limitada influência. Vivem da glória alheia. A gralha literária é mais fácil de conhecer que a outra: é que não sabe arrancar as penas ao pavão”. Lembro-me, faz tempo, de Luís Fernando Veríssimo falar, numa rara entrevista, que estava cansado de dizer pela Internet que estavam quase copiando textos dele! Novamente Machado: “Ora, o plágio está hoje introduzido por todos os pontos da sociedade. Até já se furtam os vícios.”

Quanto às gralhas religiosas, que acho que se devem acrescentar, leitores antenados nos tempos modernos saberão identificá-las. Muitos falsos profetas estão emplumando-se de símbolos religiosos, aproveitando-se deles e interpretando-os a seu modo por interesses escusos!