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O advogado de defesa dos Inconfidentes

18 de Agosto de 2016, por João Magalhães

No dilúvio de corrupção que inunda, agora, nosso país, os advogados de defesa dos acusados estão cotidianamente em tela. Sempre aparecendo. Contrariamente, quanto ao advogado de defesa dos Inconfidentes, como escreve Ricardo A. Malheiros Fiuza no artigo: “Pela ‘ Piedade de Sua Majestade’” na bela publicação da imprensa oficial do Estado de Minas Gerais: “Liberdade, essência de Minas”:

“A saga do Animoso Alferes e de seus companheiros de conjuração tem sido descrita, declamada, representada e iconografada, sendo bastante ou razoavelmente conhecida de todos, da escola primária ao curso superior. Mas pouco se tem falado do homem – Dr. José de Oliveira Fagundes – que, enfrentando dura missão, encarregou-se da defesa dos 29 réus presos nas cadeias do Rio de Janeiro e ainda da curatela dos três réus falecidos antes do julgamento”, destaca a publicação.

Quem foi José de Oliveira Fagundes e como atuou? Resumo para o leitor a matéria de Malheiros no artigo supracitado, atribuindo-lhe todos os créditos, pois quanto possível, transcrevi suas palavras.

O nascimento e formação. Nasceu no Rio de Janeiro, por volta de 1750, filho de João Ferreira Lisboa e de Jerônima Inácia de Oliveira, mineira, marianense. Em 1773, matriculou-se na Faculdade de Direito de Coimbra, onde diplomou-se em 1778. Radicalizando-se na cidade natal, passou a exercer a advocacia liberal nos auditórios da Capital do Vice-Reino e a advocacia da Santa Casa de Misericórdia.

A nomeação. Em 31 de outubro de 1791 a Alçada Régia o nomeou para defesa dos réus, advogado que era da Santa Casa, situação equivalente à assistência judiciária moderna.

A defesa. Na longa e caprichada peça, ele reconhece a culpa de alguns réus, alega a inocência de outros, implorando pena suave para os primeiros e absolvição para os últimos, e termina invocando para todos a “piedade de Sua Majestade, a quem humildemente pedem perdão das suas loucuras e insânia”.

Com relação ao alferes, qualificou-o como loquaz, sem bens e sem importância na Capitania. Tais palavras, usadas como artifício de defesa, têm sido interpretadas erroneamente por alguns historiadores, que logo se arvoram em acusadores do advogado. Não compreendem eles que Tiradentes havia orgulhosamente confessado o crime, puxando para si grande parte da responsabilidade do malfadado levante. Restava, portanto, a Fagundes apelar habilmente para a insanidade do réu, para sua suposta falta de importância no panorama político e social de então. Era a única tentativa de saída.

A sentença. Lida na madruga de 19 de abril de 1792: onze réus condenados à forca; cinco ao degredo perpétuo na África; dois a exílio por dez anos; um a dez anos de galés; um a açoite seguido de degredo; os cinco padres exilados para Lisboa; um teve a memória difamada (Claudio Manuel da Costa); cinco, absolvidos.

Os recursos. Inconformado com as poucas absolvições e com o rigor das penas impostas, imediatamente pediu vistas dos autos para recorrer. Concederam-lhe 24 horas e, em menos que isso, produziu os notáveis embargos dos condenados à morte, pondo em relevo a confissão dos réus que até o Tribunal do Santo Ofício considerava como atenuante da pena máxima. E pediu a transformação do enforcamento em cárcere perpétuo para todos, inclusive para Tiradentes, com argumentos lógicos e inteligentes. O embargo foi ignorado pelo Tribunal. Entrou com novo pedido de vistas. Deram-lhe meia hora de prazo para novos embargos. Também ignorados.

O mérito. A Carta Régia, possibilitando ao Tribunal comutar penas, já estava redigida com antecedência. É preciso ressaltar aqui o trabalho do advogado Fagundes, pois é certo que suas alegações e seus esforços influíram na Corte Julgadora que, nos termos da Carta, podia usar o abrandamento da pena para aqueles cujos crimes não fossem revestidos de tais e tão agravantes circunstâncias. A pena de morte deveria ser mantida e executada para aqueles que com discursos, práticas e declarações sediciosas, procurassem introduzir no ânimo de quem os ouvia o veneno de sua perfídia. É claro que os membros do Tribunal fez uso dessa concessão, levando em conta as provas dos autos e (por que não?) as alegações da defesa.

Vê-se que o Doutor José de Oliveira Fagundes, brasileiro, advogado, exerceu com habilidade, inteligência, propriedade, ética e honestidade o difícil mandato que lhe foi outorgado pela Alçada Régia, merecendo, pois, um lugar de destaque na grande epopeia da Inconfidência Mineira.

Para quem quiser conhecer mais detalhes, sobre os Inconfidentes, sobre as sentenças etc., recomendo o livro de Rosalvo Gonçalves Pinto, nosso diretor de redação: “Os Inconfidentes José de Rezende Costa (pai e filho) e o arraial da Lage” da coleção lageana.

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