Olhar

O perdão segundo Francisco

24 de Abril de 2016, por André Eustáquio 0

Ilustração Lucas Lara.

“Como confessor, mesmo quando me deparei com uma porta fechada, procurei sempre uma abertura, uma fresta, para abrir aquela porta e poder conceder o perdão, a misericórdia”. (Papa Francisco)

Quando estava lendo o “O Nome de Deus é Misericórdia”, considerado o primeiro livro do papa Francisco, a frase que destaquei acima chamou-me a atenção, especialmente devido ao conturbado momento político pelo qual o Brasil está passando. Antes, porém, de dizer o porquê de minha admiração pela frase, informo que o livro em questão trata-se de uma entrevista exclusiva que o papa Francisco concedeu ao jornalista e vaticanista italiano Andrea Tornielli.

A conversa de Francisco é simples e sedutora; papo de um simples e experiente pastor que deseja conversar com suas ovelhas, indicando humildemente qual o melhor caminho a seguir. Francisco nos convence de que a sabedoria nem sempre se encontra em profundas e “indecifráveis” doutrinas. Em seu livro, ele dispensa os densos conceitos teológicos sobre o perdão, sem necessariamente fugir da amplitude profunda do significado divino e ao mesmo tempo humano de perdoar. O papa jesuíta fala do perdão não como ideia abstrata e inteligível, mas uma necessidade do ser humano.

É normal quando refletimos sobre o perdão nos apegarmos a conceitos essencialmente religiosos. Pedir perdão a Deus, logo receber a penitência como pena de um delito que cometi: na maioria das vezes é essa a lógica que norteia nosso entendimento sobre o perdão. Francisco, no entanto, apresenta-nos o outro lado do pedir e conceder perdão. Ele nos convence de que o perdão não se esgota em nossa relação transcendental com Deus. Ao contrário, o perdão deve ser uma atitude inesgotável nas relações humanas – nas mais amplas e profundas relações humanas (social, política, familiar etc.).

Se antes de nos ajoelharmos perante Deus para suplicá-lo o perdão por nossas faltas, dialogássemos com nossos semelhantes, a quem ofendemos das mais diversas formas possíveis, certamente contribuiríamos para a construção de uma sociedade pautada na tolerância, no entendimento, na capacidade de ouvir e aceitar pensamentos e ideias divergentes. É isso que brota da entrevista de Francisco a Andrea Tornielli.

Quando olhamos para o atual cenário político/social brasileiro, não há como não pensar nas palavras de Francisco sobre o perdão. Ele nos ensina, com a sobriedade e a sensibilidade de um verdadeiro mestre, que devemos insistir sempre no perdão. Porém, o que temos visto nas ruas de nossas cidades nos últimos tempos são atitudes e palavras contrárias ao que pede o papa. Sem falar no exemplo dado por nossos ilustres dirigentes e representantes de Brasília.

No patético e cômico púlpito de onde suas excelências proferiram voto para a admissibilidade do impeachment da presidente Dilma, o que mais se ouviu foram inflamados discursos carregados de ódio, divisão, vingança e intolerância. O Congresso brasileiro infelizmente transformou-se em caixa de ressonância das ruas de nosso país, onde há muito a divisão, o ódio e a intolerância predominam em discursos raivosos, vindos de todos os lados e ideologias.

Falar, enfim, sobre perdão num campo de batalha política, onde a luta maquiavélica pelo poder cega desde o general até o simples recruta, parece utópico. Todavia, onde houver uma fresta e uma porta aberta, vale a pena, como insiste Francisco, procurar o perdão, o diálogo, a tolerância e o entendimento.

 

Conversa de sinos

21 de Marco de 2016, por André Eustáquio 0

Quando a quaresma se inicia em Resende Costa, costumamos dizer que “o ar muda”. Parece mesmo ser verdade. Após a barulheira do Carnaval, ao meio-dia da Quarta-feira de Cinzas o sino da igreja matriz de Nossa Senhora da Penha inaugura a quaresma, fazendo imperar a mística sensação de serenidade.

Durante quarenta dias, nas quartas e sextas-feiras o sino da matriz dobra três vezes ao longo do dia: ao meio-dia, as 15 e 17h30min e, especialmente nas sextas-feiras à noite, durante a via-sacra. Neste período o sino da igreja de Nossa Senhora do Rosário permanece calado, não há nenhum movimento na torre até o meio-dia do sábado que da início ao Setenário das Dores de Nossa Senhora.

É meio-dia, ouço as primeiras badaladas graves do sino do Rosário. A memória se inquieta e me transporta para o passado. Ainda criança, costumava ficar debruçado na pequenina janela da cozinha da casa de minha avó, esperando para ver o sino do Rosário dobrar. Da janela dava para ver limpidamente a torre da igreja e o sineiro chegando para exercer seu ofício. A expectativa era grande e a ansiedade maior ainda, pois enquanto o sino da matriz não começava o do Rosário ficava em compasso de espera. Eu sabia que apesar da voz grave e potente e de ser maior, o sino do Rosário devia obediência ao da matriz. Do alto da Penha é que se iniciava a conversa.

Enquanto minha avó preparava o café no fogão à lenha e punha os biscoitos na mesa, eu ficava ali esperando ansioso para ouvir o que os sinos tinham a dizer naquela hora. Pontualmente às 15h, o sino da matriz chama o do Rosário para a conversa. A distância não é muito grande – apenas a Praça Mendes de Resende e a Rua Assis Resende separam as duas igrejas - e naqueles idos da década de 1980 os ruídos da rua não atrapalhavam a conversa dos sinos. O papo é simples, porém metódico: o sino da matriz dobra três vezes e após brevíssimo intervalo o do Rosário responde também dobrando três vezes. E assim eles vão dialogando até o sineiro da matriz decidir “embalar o sino”. O do Rosário espera a sua vez de se despedir.

Tempos depois, já mais forte e crescido, saí da janela da casa de minha avó e fui para a torre da igreja do Rosário. Inicialmente, aprendi aos 11 anos a repicar os sinos. A tarefa era mais fácil e não exigia tanta força. Mas o que eu queria mesmo era dobrar o sino que tanto me fascinou na infância. Confesso, porém, que vê-lo soberano na torre ainda causava certo espanto, até que chegou o dia de encarar o desafio.

Aprendi o ofício de sineiro e o exerci durante longos anos, durante os quais consegui compreender o que os sinos conversam entre si. Um diálogo místico ecoa nas torres e traspassa o tempo. Este mesmo tempo que viu a cidade crescer, o número de carros aumentar nas ruas e os ruídos quase sufocar a conversa dos sinos. Mas eles são insistentes e fieis. Quando chega o Setenário das Dores, o sino da matriz convida o seu colega de baixo para uma conversa, que se estende até a quarta-feira santa.

Hoje, nos dias tranquilos, mas não mais silenciosos da quaresma resende-costense, quando o vento que sopra das lajes da uma trégua e os ruídos da rua cessam por parcos segundos, ainda se ouve os sinos conversar. O diálogo permanece o mesmo de tempos remotos: o sino da matriz chama e o do Rosário responde. Falam de fé, de Deus, de quaresma, da vida simples e bonita do interior. E ecoam saudade, muita saudade.

Sonho numa noite de fim de ano

31 de Dezembro de 2015, por André Eustáquio 0

Era um menino de oito anos. Se chamava João, calçava botas de canos longos... Vi seu rosto, mas não o conheci.

João se aproximou de mim espavorido, agressivo. Éramos muitos, mas no fim apenas João e eu. Em poucas palavras, João esbravejou contra sua mãe. Foi tudo que ouvi de uma voz fria e sem timbre.

Perguntei a João:

- Por que quer me agredir?

- (silêncio cabisbaixo).

João estava bêbado e segurava em suas mãos um boletim escolar rabiscado de vergonhosas notas vermelhas.

O menino bêbado de oito anos, de aparência frágil e indefesa e que não gostava da mãe, não me agrediu. Apenas me ouviu (cabisbaixo). Olhei em seus olhos e novamente perguntei:

- Por que quer me agredir?

Ele mais uma vez me mostrou o boletim vermelho com letras de criança.

Eu quis ajudar João, quando acordei e vi que era um sonho... Apenas um confuso e quase indecifrável sonho.

Mesmo assim, ainda no silêncio da madrugada e com o sono perdido, refleti: o rosto do João que eu nunca vi era o rosto de muitos meninos e meninas que já na adolescência perderam a batalha para o vício. Não reconhecem seus pais, ignoram a escola; suas casas é a rua; seus amigos o álcool, a cocaína, o crack...

Quantas mães de João devem sonhar neste fim de ano o mesmo sonho que sonhei, mas quando despertam se deparam com o mundo real - cruel e impiedoso das drogas, do crime e da violência - que extirpou prematuramente a vida e os sonhos dos seus filhos.

Que 2016 seja para todos nós um ano de bons sonhos. Que a coragem vença o medo, a esperança impulsione a vida e a paz reine no coração das famílias.

 

 

A morte desferiu um duro golpe à política brasileira

14 de Agosto de 2014, por André Eustáquio 0

O Brasil ainda está perplexo com a morte precoce de Eduardo Campos, candidato do PSB a presidente da República. Na manhã do dia 13 de agosto, um acidente aéreo pôs fim a uma carreira política promissora. Campos seguia os passos políticos de seu avô Miguel Arraes, ex-governador e expoente da política pernambucana, falecido, coincidentemente, num mesmo 13 de agosto (2005). A política brasileira, sedenta de lideranças competentes, ficou órfã.

A morte de Eduardo Campos trouxe publicamente à tona a angústia existencial que intimamente nos acompanha, enquanto seres humanos, durante todo o decorrer da existência: a imprevisibilidade da vida. Pode-se acrescentar também fragilidade. Na noite do dia 12, Campos concedeu entrevista ao vivo ao Jornal Nacional, durante a qual expôs seus projetos para o país, seus sonhos e ideais, que foram abruptamente interrompidos pela morte.  Ela, que não distingue ricos de pobres, brancos de negros, impôs à política brasileira um duro golpe, sem direito a um mísero pedido de misericórdia.

Aos 49 anos, Eduardo Campos surgia como um líder político capaz de propor novos rumos à decrépita política brasileira. Como ficará o cenário eleitoral a partir de agora, sem Eduardo Campos? Quem o PSB indicará para substituí-lo? Marina Silva, sua vice, será a preferida? Mais ainda: se Marina for a indicada, conseguirá dar coesão ao PSB, partido que, inclusive, não é o dela? São muitas as perguntas que estão na mesa para serem respondidas nos próximos 10 dias, prazo que o PSB terá para indicar o novo candidato.

Dentro dos já conhecidos projetos de governo (saúde, educação, infraestrutura etc. e tal), que os candidatos apenas atualizam a cada quatro anos, Eduardo Campos propôs através da sua candidatura algo novo: o fim da polaridade PT/PSDB no comando do país. Muitos chamam de terceira via esta alternativa de poder. A proposta de Campos é ousada. Para surpresa de muitos, ele conseguiu atrair para a sua chapa Marina Silva, que tem seu currículo político recheado de lutas em defesa do meio ambiente e de outras bandeiras que não se sintonizam com as ideias de Eduardo Campos, ou pelo menos, não se sintonizavam até eles resolverem promover um enlace político. Assim como a vida, a política também tem suas imprevisibilidades.

Enquanto se tenta entender como ficará o cenário eleitoral 2014, a indagação que pode ser feita é se junto com Eduardo Campos morrerá o sonho de renovação da política brasileira.

O rabino Henry Sobel diz que os grandes momentos da história impulsionam o surgimento de grandes homens. Eduardo Campos talvez tenha sido exceção. Se observarmos o momento atual da política brasileira é improvável que encontremos uma seara fértil capaz de fazer brotar um grande líder.

Eduardo Campos deixou o campo de batalha logo no início do combate. A vida, em sua imprevisibilidade, não o permitiu disseminar seus projetos e ideais em cada recanto deste imenso Brasil. O momento é de comoção e perplexidade. Quando passar este momento e a batalha reiniciar, o eleitor brasileiro deverá voltar os olhos para o legado deixado por Eduardo Campos e cobrar daqueles que continuam no campo de batalha que deixem o “mais do mesmo”, as agressões levianas e construam efetivamente um novo Brasil. Que a memória do jovem Eduardo Campos seja reverenciada em um País onde a política represente de fato cada cidadão.

 

Luan Santana e a música clássica

22 de Julho de 2014, por André Eustáquio 0

Os comentários sobre a apresentação do cantor Luan Santana movimentaram os bastidores e o público da 35ª Exposição Agropecuária de Resende Costa, que aconteceu entre os dias 17 e 20 de julho último. Ouviu-se de tudo, desde críticas e elogios, até decepção e frustração. O cantor de música pop e sertaneja, natural de Campo Grande (MS), foi apresentado como a grande sensação do evento e desde a confirmação da sua presença na festa, o frisson do seu imenso fã clube já se fazia sentir. A expectativa para o show era muito grande. Luan é um dos artistas brasileiros com maior presença na mídia e, aos 23 anos, já traz em sua bagagem dois discos de platina.

Nas redes sociais o que mais se viu foram postagens dos fãs querendo saber sobre o preço do ingresso; nas rádios da região, sorteios de ingresso para uma breve passagem pelo camarim do cantor. Míseros segundos ao lado de Luan já era a glória para quem esperou por essa oportunidade única de estar perto do ídolo. Horas antes do início do show, marcado para começar à meia-noite, o entorno do palco do Parque do Campo já estava repleto de fãs que aguardavam Luan com faixas e cartazes suplicando por uma foto.

À meia-noite em ponto o clímax aconteceu. Luan Santana subiu ao palco de Resende Costa em meio a luzes, fumaça e grande produção, para delírio do seu fã clube. E o que se viu a partir daí?

Aí começa este artigo, que tem um tom pessoal. Não sou fã de Luan Santana, muito menos da música que ele apresenta. Mas nem por isso deixei de prestigiar a noite de festa em Resende Costa. Pensei: Afinal o que Luan Santana tem que agita tanta gente, mobiliza centenas de pessoas de várias cidades da região e até de outros estados a vir a Resende Costa numa noite fria de inverno? Esta curiosidade me fez olhar para o palco e observar.

Sou um apaixonado pela música. Meu gosto número 1 é pela música erudita: sinfonias, sonatas, concerto, óperas etc. Mas não me privo de ouvir outros estilos e me deleitar com eles. Inclusive a música sertaneja. Passei boa parte da infância ouvindo um LP do Trio Parada Dura e o saudoso Barrerito, o cantor das Andorinhas. Guardo até hoje este LP. Uma raridade. Por volta dos 16 anos de idade, me apaixonei perdidamente pela música erudita - Beethoven, Mozart, Bach, Brahms, Puccini, entre tantos outros -, a qual preenche grande parte do tempo que dedico à fruição da arte.

Por coincidência, na semana do show do Luan Santana, assisti pelo canal Arte 1 a um concerto gravado no início da década de 1980. O lendário maestro austríaco Herbert Von Karajan regendo a belíssima 9ª Sinfonia de Antonin Dvorák, conhecida também por “Do Novo Mundo”. Uma hora de puro êxtase diante da renomada Filarmônica de Viena. Karajan regeu o segundo movimento (Largo) com os olhos fechados. Ali se via e ao mesmo tempo ouvia-se a música em sua sublime e majestosa manifestação. A música enquanto arte suprema se deixava ver em sua forma perfeita, pura e bela. Karajan e a Filarmônica de Viena, com sua austera solenidade, apresentaram a música em sua essência. Agito, pulos e efeitos especiais no palco da sede da Filarmônica? Nada disso. Apenas o bailado sincrônico dos músicos embalados pelos contrapontos, solos e temas da sinfonia.

Inevitavelmente caí na terrível e promíscua tentação de comparar o incomparável. De um lado estava a música em sua linguagem pura, austera e sem adereços. Do outro, Luan Santana tentando agitar seus fãs através de roupas apertadas, palco grandioso, fumaça, luzes, espelhos, cabelo espetado etc.

O que há em comum? A necessidade vital que cada um de nós tem de se deixar arrebatar pela música. Necessitamos de música, dos ídolos, dos palcos, das orquestras, do som, da dança, sem julgamentos e preconceitos difamatórios. A cultura estética contemporânea faz com que Luan Santana consiga emocionar milhões de fãs com seu jeito, talento e estilo. Já a sua música, bom, é difícil para um fã de Beethoven classificá-la.