2ª Guerra Mundial: por que Montese (Itália) e SJDR ainda não são cidades irmãs?


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José Venâncio de Resende, de Lisboa0

São João del-Rei, sede do antigo 11º Regimento de Infantaria (atual 11º Batalhão de Infantaria de Montanha - Regimento Tiradentes), fez a proposta de assinatura de pacto de “cidades irmãs”. Montese – cidade onde soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) lutaram, venceram e muitos morreram - manifestou interesse. Mas o acordo sobre este “pacto de irmandade” não foi adiante.

Em 20 de Outubro de 2014, o prefeito de Montese (na província de Modena), Luciano Mazza, recebeu uma mensagem do senador da República Fausto Guilherme Longo, na qual encaminhava uma carta do prefeito são-joanense Helvécio Luiz Reis. Nesta carta, o prefeito solicitava que o senador italiano fosse o portador e gestor da proposta de “que São João del-Rei e Montese fossem oficialmente estabelecidas como Cidades Irmãs, título a ser concedido de parte a parte e firmado num Ato de Irmanação”. “O título será um fortalecimento de parcerias de intercâmbio, frutificando as áreas de turismo, cultura e comércio para os brasileiros e italianos, aproximando ainda mais os dois países.”

A carta, de duas páginas, foi entregue pessoalmente ao senador Fausto Longo por ocasião de sua visita a São João del-Rei, no dia 5 de Junho de 2014. Na primeira parte, o documento ressalta a contribuição da colônia italiana ao desenvolvimento do município, não apenas na produção agrícola mas também na difusão de costumes, religiosidade e a alegria que “impregnaram a alma do são-joanense”.

Em seguida, lembra a participação do “11º R.I. Month. Regimento Tiradentes”, unidade do Exército brasileiro, na 2ª Guerra Mundial. “No campo de batalha, em terras italianas, dentre outras tantas pelejas, brilhou em Montese, comuna da região da Emilia-Romanha, província de Modena. Estava esta cidade na famigerada mão de Hitler, que por meio de seus soldados impunha forte resistência ao avanço das forças aliadas rumo ao Vale do Rio Pó.”

Prossegue a carta: “Em 14 de Abril de 1945, as forças brasileiras atacaram Montese no intuito de conquistar este ponto estratégico das garras do nazismo, alcançando franco êxito com os soldados de São João del-Rei, que constituíram a principal frente de infantaria, no centro da operação ofensiva. A vitória foi absoluta. Não obstante as lamentáveis baixas, a imagem ficou fixada definitivamente na história pela bravura e eficiência. O povo de Montese, liberto da maldade alemã, manifestou sua gratidão nomeando um largo de ´Praça Brasil´.”

O prefeito são-joanense lembrou ainda que, anualmente, é comemorada a Tomada de Montese, no quartel do 11º B.I. “É um evento cívico-militar da maior importância no qual de modo especial são justamente homenageados nossos pracinhas e rememorado o feito sangrento.”

Expectativa em Montese

Pouco mais de um ano da carta de Helvécio Reis, em 15 de Julho, o prefeito de Montese, Luciano Mazza, recebeu este repórter, que na ocasião estava acompanhado do ítalo-brasileiro Mário Pereira - funcionário do Itaramaty e responsável pelo Monumento Votivo Militar Brasileiro em Pistoia -, mais conhecido como “embaixador da FEB na Itália”. Mazza confirmou que foi procurado pelo senador Fausto Longo, que em seguida encaminhou a carta por e-mail com data de 15 de Outubro de 2014. Mas, depois disso, o senador não se manifestou mais sobre o interesse são-joanense de celebrar este “pacto de irmandade”.

Segundo Luciano Mazza, a Itália tem uma grande dívida de gratidão com a FEB, e Montese em especial porque foi libertada pelos soldados brasileiros em 14 de Abril de 1945. “Por muito tempo, não foi realçado o valor histórico desse acontecimento, tanto na Itália quanto no Brasil. Nesses últimos anos, a prefeitura de Montese está tentando restaurar a verdadeira história que aconteceu aqui, na visão de preservá-la e divulgá-la.”

O prefeito enfatiza o reconhecimento da comunidade local, traduzido em homenagens que incluem nome de praça; monumentos em homenagem ao soldado Max Wolf Filho e ao aspirante a tenente Francisco Mega, brasileiros considerados heróis de guerra; uma sala inteiramente dedicada à FEB no Museu Histórico de la Rocca; o Museu de Iola dedicado à guerra; e a recuperação de fortificações alemãs.

Ainda em reconhecimento ao valor dos soldados brasileiros, Montese concedeu diploma de cidadania aos veteranos da FEB e aos herdeiros dos soldados que faleceram em combate durante a guerra. Além disso, Mazza coordena o trabalho regional das prefeituras em busca de apoio para recuperar e valorizar os feitos históricos da 2ª Guerra Mundial.

Nas relações com o Brasil, o prefeito cita o pacto de amizade firmado em 2000 com o município de Fortaleza (Ceará), onde existe um bairro chamado Montese com cerca de 70 mil habitantes (bem mais do que os 3500 habitantes da Montese italiana). Este bairro foi fundado pelo historiador e escritor Raimundo Nonato Ximenes, em homenagem aos vários expedicionários que dali saíram para lutar na Itália. Na ocasião, Montese doou a Fortaleza uma reprodução da “Carta del Cantino”, a primeira carta de navegação onde aparece o Brasil.

Outro exemplo é o município gaúcho de Santa Rosa, que inaugurou em 2014 um loteamento com o nome de Montese. A iniciativa tem como objetivo ressaltar a importância histórica para o Brasil da cidade italiana de mesmo nome.

70 anos

Em 2015, completam-se 70 anos da vitória brasileira na Itália. Oportunidade para um pacto de amizade que fortalecesse os laços culturais entre as duas cidades, além de difundir o feito histórico dos brasileiros e o reconhecimento da comunidade local.

Arquivos da FEB mostram que o 11º R.I. de São João del-Rei participou com cerca de 7000 soldados do efetivo total da Força (25.334 soldados, inclusive oficiais), que chegou à Itália a partir de 16 julho de 1944. O efetivo do 11º R.I. era mais que o dobro dos 2947 “pracinhas” enviados à Itália pelo Estado de Minas Gerais, porque parte dos integrantes do regimento são-joanense eram procedentes de outros estados, explica Mário Pereira.

Foram 465 soldados mortos em combate no solo italiano (457 soldados e oficiais da FEB e 8 pilotos da FAB). Entre as baixas, estava o capelão militar do 11º R.I. Antônio Álvares da Silva, conhecido como frei Orlando, morto em 20 de Fevereiro de 1945 por tiro acidental de metralhadora disparado por um “partigiano” (civil local que se organizava para ajudar os aliados contra os alemães).

Acionada pelo JL, a Assessoria de Comunicação da Prefeitura informou que Helvécio Reis tem o maior interesse em estabelecer o pacto de "Cidades Irmãs" com  Montese, “mas, infelizmente, atravessamos um momento de crise financeira, com redução de recursos, não só na nossa cidade como no país. Desta forma, estamos impossibilitados de  fazer uma previsão de gastos para  promover um encontro entre as duas partes e concretizar a proposta. Estamos estudando uma forma de viabilizar o pacto que muito nos honra e interessa”.

Monumento em Pistoia

A visita deste repórter à região começou, na manhã do dia 14 de Julho, pelo Monumento Votivo Militar Brasileiro, na medieval cidade de Pistoia (norte da Itália), cujo zelador responsável é Mário Pereira, filho do sargento Miguel Pereira (1918-2003), o único combatente da FEB que permaneceu na Itália depois da guerra. Logo na entrada do monumento, vários panfletos espalhados, provavelmente deixados por turistas, continham as palavras de ordem “Fora Dilma”.

Inaugurado em 1966, este monumento foi construído com recursos da Embaixada brasileira numa propriedade do governo italiano, cedida em concessão por 30 anos, recentemente renovada até 2025, pela qual o Brasil paga um aluguel simbólico. Este é o único caso, entre os 45 monumentos de homenagem à participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, cujo terreno não é próprio, revela Mário Pereira. “Até os cemitérios (alemão, inglês, polonês etc.) da 2ª Guerra tiveram o seu terreno doado pelo governo italiano.”

O monumento “Liberazione” foi construído em terreno doado por um advogado italiano, ao sopé do Monte Castelo no município de Gaggio Montano (província de Bologna), com recursos da Petrobrás e da antiga Telebrás. Os outros 43 monumentos foram oferecidos pela população da região e estão distribuídos entre os 22 ou 23 municípios onde estiveram os soldados brasileiros.

O Monumento de Pistoia recebe cerca de 1000 visitas por ano, dez vezes mais do que o número de visitantes de 2003 quando Mário Pereira assumiu a responsabilidade por sua zeladoria. Até então, ajudava o pai, Miguel Pereira, sargento do Exército que se alistou na FEB ao eclodir a 2ª Guerra Mundial. Depois da guerra, foi designado guardião do cemitério onde estavam sepultados os soldados mortos em combate. Dos 465 mortos, 462 foram trasladados para o Rio de Janeiro, ficando no local os restos mortais de um soldado desconhecido. Além dele, dois outros soldados ainda se encontram em local desconhecido na Itália.

O Monumento tem despertado pouco interesse das autoridades brasileiras. Fernando Collor de Mello foi o único presidente em exercício a visitar o Monumento, em 1992. O ex-presidente Lula, em visita oficial à Itália em 2008, preferiu prestar homenagem ao soldado desconhecido em Roma. Já o seu ministro da Defesa, Nelson Jobim, esteve em Pistoia e ainda visitou a área de atuação da FEB. O atual ministro da Defesa, Jacques Wagner, também passou pelo Monumento em Maio deste ano, estendendo sua visita à capelinha de Nossa Senhora de Lurdes construída pelos soldados da FEB em Staffoli. Entre os comandantes do Exército, estiveram em Pistoia os generais Gleuber Vieira (Governo FHC), Enzo Martins Peri (Governo Lula) e Eduardo Dias da Costa Villas Bôas (Governo Dilma).

Também já chegou a Pistoia o ajuste fiscal, provocado pela crise econômica brasileira, assinala Mário Pereira. Isto apesar de a manutenção do Monumento custar apenas cerca de 30 mil euros por ano ao Itamaraty. O orçamento apertado faz com que serviços extraordinários fiquem pendentes, como troca de lâmpadas queimadas na entrada e perfuração de mais um poço para fornecer água à manutenção do jardim.

Além de responsável pelo Monumento de Pistoia, Mário Pereira desenvolve um trabalho voluntário de preservação e divulgação da história da FEB, o que lhe conferiu o título informal de “embaixador da FEB na Itália”.

Eventos comemorativos

No Monumento de Pistoia, todo ano é comemorado o Dia de Finados (2 de Novembro) junto ao túmulo do soldado desconhecido da FEB enterrado neste local. Este é um dos eventos dos quais participa o embaixador brasileiro. Os outros são as solenidades da Tomada de Monte Castelo (no domingo mais próximo ao dia 21 de Fevereiro) e da Tomada de Montese, em 25 de Abril. Trata-se de evento no qual se comemora também a libertação da Itália na 2ª Guerra Mundial.

Outro evento anual é a “Coluna da Liberdade”, promovida pela Associação Gótica Toscana, que reúne cerca de 120 a 130 viaturas (jipes, caminhões, motos e blindados) da 2ª Guerra Mundial. “Esse reconhecimento da população italiana só é dirigido à FEB. Não acontece manifestação igual ou parecida com outros exércitos”, observa Mário Pereira.

Em Abril deste ano, também foi realizada simultaneamente a “Coluna da Vitória para lembrar os 70 anos do final da Guerra. O comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, e um grupo de 250 brasileiros (filhos de descendentes de veteranos, oito veteranos e apaixonados em história militar), em oito jipes e caminhões, fizeram o percurso da FEB durante oito dias, entre Massarosa e Fornovo di Faro, passando por todos os monumentos antigos e novos dedicados à FEB.

No final de Abril, também se comemora, nas cidades de Collecchio e Fornovo di Taro, a rendição germânica, na qual as tropas da FEB aprisionaram 15 mil soldados e dois generais. Nos meses de Setembro e Outubro, período em que os soldados brasileiros atuaram na região de Massarosa, o Museu La Brilla (prédio onde funcionou o primeiro posto de comando da FEB) promove eventos alusivos à libertação do local (palestras, trabalhos com escolas etc.), com a presença da população, de representante da Embaixada brasileira, do adido do Exército e do próprio Mário Pereira.

Em geral, em cada monumento é realizada uma solenidade anualmente, que pode ser a colocação de uma coroa de flores, encontro de viaturas históricas da 2ª Guerra, aulas e palestras nas escolas e exposição de material usado pela FEB, entre outros.

LINK RELACIONADO: ROTEIRO DE VISITA À REGIÃO ONDE A FEB LUTOU NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL:

http://www.jornaldaslajes.com.br/integra/memoria-da-2a-guerra-mundial-no-rastro-da-forca-expedicionaria-brasileira-na-italia/1686/

 

 



  
 

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