A histórica Braga, primeira capital da Galiza, entra na fase de empresas inovadoras


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José Venâncio de Resende, de Lisboa0

Vista panorâmica de Braga, Portugal (fonte: guiadacidade.pt)

A antiga cidade de Braga - primeira capital da Galiza que  incluía o norte de Portugal - está entrando num novo ciclo de desenvolvimento neste início de século 21, com o anúncio de instalação de várias empresas inovadoras, de acordo com reportagem do Diário Econômico (08/07/2215). A região “está claramente no radar dos investidores nacionais e internacionais”, revelou ao jornal o presidente da Câmara Municipal (equivalente a prefeito), Ricardo Rio.

Um exemplo é a Emprametal – fornecedora de peças para sistemas de navegação e radar para mais de 31 clientes europeus, inclusive fabricantes de automóveis.  Outro é a Human Machine Interface Excellence, que em  parceria com a Bosch e a Universidade do Minho pretende desenvolver o conceito de mobilidade no setor automóvel que implica investimento de 56 milhões de euros nos próximos três anos e mil postos de trabalho até 2020.  As novas tecnologias já fizeram nascer empresas como Primavera, Eticadata, F3M, Edigma, entre outras, o que deu à cidade de Braga o cognome de “Silicon Valley” portuguesa.  Outras empresas na região são IKEA e Altice, além do interesse da Concentrix.

Ricardo Rio acredita que o paradigma industrial da região está a mudar. Braga tem, acima de tudo, "mão de obra qualificada e jovem", que "resulta do trabalho desenvolvido pela Universidade do Minho mas também da infra-estrutura e do seu geoposicionamento (proximidade ao porto de Leixões e aeroportos do Porto e de Vigo)". Os empresários bracarenses concordam: "As coisas começam a inverter", diz António Marques, presidente da Associação Industrial do Minho (AIMinho). "A economia bracarense está mais dinâmica".

Uma cidade romana

A região da Sé Catedral de Braga é formada de várias ruas ortogonais entre si, o que significa que seguem a quadrícula de uma cidade romana. Em linguagem mais simples, a cidade não foi totalmente destruída com a invasão árabe, porque conservou o urbanismo romano, revela Eduardo Pires de Oliveira na recente publicação “Segredos de Braga”*.

Entre a rua D. Paio Mendes que defronta a catedral e o largo Paulo Orósio, há uma série de ruas paralelas (rua D. Afonso Henriques, rua de S. Paulo, campo de Santiago, rua do Alcaide e largo Paulo Orósio). Entre o campo das Carvalheiras e a rua do Forno há outra série de ruas paralelas, agora com o percurso no sentido Norte-Sul (rua da Violinha, rua D. Frei Caetano Brandão, rua das Chagas/rua de Santo Antônio das Travessas, rua D. Gonçalo Pereira, rua D. Gualdim Pais/rua de Santiago, rua do Farto e rua do Forno).

“Com a reconquista definitiva, no século X, o centro da cidade passou a ser outro, a Catedral, que foi implantada em cima do local onde passava a muralha romana. Como é natural, a zona antiga, isto é, aquela que se situava entre a catedral e a nova muralha medieval, utilizou o velho traçado romano existente.”

Acampamento militar ou centro administrativo, o fato é que os romanos fixaram-se no local da atual Braga por volta de 27 a.C., de acordo com Eduardo Pires de Oliveira, Eduardo Souto Moura e João Mesquita**. “Os elementos que temos permitem-nos dizer que Braga (Bracara Augusta) foi um importante centro administrativo, comercial e industrial (cerâmica, sobretudo, e vidro).”

Por volta do ano 411, Vândalos Asdingos e Suevos ocuparam a Galécia (do latim Gallaecia), a norte do Rio Douro, relata Sérgio da Silva Pinto***. Os Asdingos abandonaram a Galécia, rumo ao norte da África, e os Suevos ficaram sozinhos.

Braga tornou-se a capital da província da Galécia (que correspondia à região do norte de Portugal e da Galiza, Astúrias e Leão na Espanha). O primeiro rei do Estado Suévico-Bracarense foi Hermerico e o segundo, Réquila. Na Prelazia de Balcônio (ou Palcônio), Primaz da Galécia, os Suevos, com o príncipe Requiário (filho do rei Réquila), à frente, tornaram-se católicos.

“Dentro dos muros romanos da Bracara Augusta assiste-se à entrada, no seio da Igreja, do primeiro Reino bárbaro da Europa convertido (circa ano 448)”, assinala Silva Pinto.

Visigodos

O rei Requiário foi derrotado e ferido na batalha entre Suevos e Visigodos (católicos e arianos). Os vencedores entraram em Braga e o rei visigodo Teodorico tirou a vida de Requiário na própria capital. “Foi um dia pavoroso, a ponto de lembrar a destruição de Jerusalém (cf. Crônica de Idácio).”

Por cerca de cem anos (458-550), Braga permaneceria sob a heresia ariana. “Período obscuro, lacuna na história do Reino Suevo de Braga. Haveria então dois bispos: um católico e um ariano.”

O retorno à fé católica do povo Suevo foi obra de S. Martinho, abade e bispo de Dume, no pontificado de Lucrécio. “A partir da prelazia de S. Martinho de Dume, Braga é a primeira Sé primaz da Península, em sentido super-metropolitano, quer dizer, com honras e autoridade sobre duas circunscrições eclesiásticas…”.

Os bispos Profuturo e Lucrécio e S. Martinho, este já prelado de Braga (569-579), criaram o chamado rito suévico ou rito bracarense. “O atual rito da Arquidiocese bracarense, glória portuguesa no dizer do Papa Bento XV, seja ou não a substancial continuação daquele, representa a persistência da tendência individuante da Igreja de Braga, no campo da Liturgia. É um rito romano, com particularidades locais e influências do tipo galicano.”

Por volta de 585, a Galécia perdeu a sua independência com a conquista do rei visigodo Leovigildo. No período de dominação goda, S. Frutuoso tornou-se bispo de Braga, fundando inúmeros mosteiros.

Reconquista

A partir de 715, Braga foi destruída por seguidas incursões de hordas árabes, segundo Oliveira, Moura e Mesquita. E teria sido praticamente abandonada, com as suas muralhas desmanteladas e indefesa, depois que D. Afonso I, o Católico, terceiro monarca galaico-asturiano, destruiu as cidades até o Douro, “passou a fio de navalha os Mouros e levou consigo os Cristãos”, de acordo com Silva Pinto.

Acredita-se que só não ocorreu o total despovoamento das terras minhotas devido à organização da Igreja. “A metrópole eclesiástica de Braga não foi suprimida, nem transferida. Os seus bispos titulares passaram a residir em Lugo: eram metropolitas bracarenses e, simultaneamente, prelados de Lugo (lição de Pierre David).”

Depois de 760, o bispo Odoário tentaria restaurar Braga, sem sucesso. “Um século decorre sem notícias de Braga. Entretanto, Compostela converte-se em fulcro religioso: será uma diocese livre da obediência a Braga sua rival.”

Antes de 877, o bispo Rudesindo, de Mondonhedo e Dume, levou a cabo a restauração de Braga, depois de D. Afonso III, o Grande, ter iniciado o repovoamento das terras a sul do Minho. Antes do fim do século X, Compostela e Braga são vítimas de invasões por parte de tropas muçulmanas e de incursões dos normandos. “Com tudo isso, Braga não foi poupada. Vegeta em ruínas, quase despovoada.”

Sé de Braga

Só no século XI, época de Fernando Magno, a antiga capital da Galiza entraria na posse constante dos Cristãos. “Será restaurada pelo bispo restituído a Braga, D. Pedro, homem de rara energia (1070-1093), já no reinado de Sancho, primogênito de Fernando. Deve-se-lhe a sagração da actual Sé.”

Embora a diocese bracarense tenha surgido a partir do ano de 400, a Sé de Braga só teve sua obra iniciada pelo bispo D. Pedro no século XI. Quase todos os seus sucessores quiseram deixar a sua marca, fosse em pequenas alterações ou em obras de vulto.

Assim, “do primitivo edifício pouco mais nos resta do que a implantação e o projecto geral, além de alguns curiosos pormenores decorativos, como as duas arquivoltas da primitiva porta principal românica, lavrados com cenas da gesta medieval da Canção da Raposa.”****

Feudo dos arcebispos

Relatam Oliveira, Moura e Mesquita: “Os primeiros soberanos de Portugal, o Conde D. Henrique de Borgonha e a Infanta ou Rainha D. Teresa, filha de Afonso VI de Leão e Castela, tiveram paços em Braga – e foram Senhores de Braga – de 1096 a 1110-12, altura em que doaram a cidade aos arcebispos, instituindo um feudo eclesiástico que durou até o séc. XVIII.”

O arcebispo S. Geraldo, por mercê do apoio que deu a D. Afonso Henriques (na fundação de Portugal), conseguiu “para si e seus sucessores a posse do senhorio de Braga…”.

Tudo leva a crer que havia o pensamento de um Estado Ocidental que reunisse Portugal e Galiza, observa Silva Pinto. “O poder temporal e o poder espiritual de Braga, o conde D. Henrique e S. Geraldo – com a formação da Igreja portuguesa, isto é, a Metrópole bracarence estendida a norte e a sul do Douro, contra o esquema provincial romano (Galiza e Lusitânia cindidas por esse rio), - preparavam a nossa independência política.”

O arcebispo D. Maurício Burdino inicia o Senhorio eclesiástico de Braga, jurisdição feudal dos arcebispos que ainda hoje se intitulam Senhores de Braga. Em 1109, D. Maurício “sustentou lutas com Santiago de Compostela e Toledo na defesa dos direitos da sua mitra metropolítica e imediata da Santa Sé”.

Foi o arcebispo D. Paio Mendes (sucessor de D. Maurício) que preparou em Braga, com o Infante D. Afonso Henriques (nascido em 1106-1109), a revolta contra o governo de D. Teresa. “Será o glorioso chefe da conjura que alçou o moço Infante ao governo pleno do Condado.”

Segundo documento de 27 de Maio de 1128, D. Paio Mendes recebeu, pelo seu auxílio a D. Afonso Henriques na fundação de Portugal, “a confirmação e ampliação do Couto de Braga, e privilégios feudais, como o de cunhar moeda”.

Senhorio de Braga

Na primeira dinastia portuguesa, D. Afonso II, D. Afonso IV e D. Pedro quiseram reapossar-se, sem êxito, do Senhorio de Braga. D. Pedro “esbulhou o arcebispo (Primaz D. João de Cardaillac) da sua jurisdição temporal. Mas D. Fernando restituiu a D. Lourenço Vicente o império livre da cidade”.

Também D. João I decidiu tirar o feudo eclesiástico aos arcebispos. Assim, durante 70 anos, os arcebispos deixaram de ser senhores de Braga, e o castelo não lhe rendiam “preito e homenagem”.

Contrato celebrado entre D. Afonso V e o arcebispo D. Luis Pires (1472) restituiu à Mitra bracarense a jurisdição temporal da cidade e do seu termo. “Daí em diante os arcebispos passam a intitular-se Senhores de Braga e Primazes das Hespanhas.”

Este título é utilizado até hoje. Exemplo é placa na entrada da Sé de Braga, com data de 20 de Outubro de 1985, diz: “ D. Eurico Dias Nogueira, Arcebispo e Senhor de Braga e Primaz das Espanhas, proclama oficialmente São Martinho, que foi bispo de Dume e de Braga, entre 556 e 579, cujas relíquias encontram-se em Braga, Padroeiro Celeste da Arquidiocese Bracarense”.

Urbanização

No início do século XVI, o arcebispo D. Diogo de Sousa (1502-1532), formado em Florença e Roma, foi a personalidade mais marcante do urbanismo bracarense, de acordo com Oliveira, Moura e Mesquita. No entanto, a reorganização urbana não impediu que a cidade continuasse a ser um entreposto administrativo e comercial.

“Braga projectar-se-á para além das muralhas, os seus abastecimentos serão reorganizados, os seus hospitais também, iniciar-se-ão os esforços para a criação de estudos superiores, construir-se-ão alguns palácios e reconstruir-se-ão, em pedra, a grande maioria das casas da cidade mas, sobretudo, abrir-se-ão novas ruas levando a cidade para fora dos muros, novas portas se rasgarão, e, em frente de todas essas brechas da cintura medieval, se abrirão outras tantas praças…”.

A capela-mór que a Sé de Braga recebeu “no seu coração – uma transformação radical” – pôs fim à Braga medieval. “D. Diogo de Sousa daria a Braga a feição que manteve até ao fim da primeira metade do século XIX.”

Nesta época, por volta de 1513, D. Diogo fundaria a Santa Casa da Misericórdia de Braga, de acordo com a historiadora Manuela Machado. O arcebispo teria mandado construir a Capela de Jesus na Sé Catedral para o funcionamento da Santa Casa. Em 1562, seria construída a Igreja da Misericórdia e a Casa do Despacho (anexa à igreja e sede da Irmandade da Misericórdia).

Depois de D. Diogo, a cidade sofreu influência do movimento religioso, com a profusão de conventos e recolhimentos, que traziam agregada uma igreja ou capela. “A cidade iria absorver novas gentes que para aqui viriam trabalhar nas indústrias ligadas à igreja, conventos e recolhimentos que se encheriam de frades e de freiras, e iriam ocupando lentamente os espaços abertos por D. Diogo de Sousa.”

Barroco tardio

Ao “arquiteto genial do tardo-barroco” André Soares devem-se “obras tão importantes e espantosas como a Casa da Câmara, o ex-Palácio do Raio, a Igreja da Falperra etc. Da protecção às confrarias surgiram assim as igrejas (e conventos) dos Congregados e da Lapa.”
“Corolário natural deste fausto seria para além da construção da nova ala do paço arcebispal, a edificação do Palácio do Município. Obra situada diante da residência dos Senhores da Cidade e mostrando bem, desta maneira, quem era que efectivamente mandava em Braga.”

As invasões francesas trouxeram muito sofrimento para Braga. “Primeiro, com a dilapidação e roubo dos seus bens pelos franceses; depois, com as contínuas pequenas (ou grandes) guerras que opuseram liberais e miguelistas. D. Miguel cá teria vivido alguns momentos e aqui teria reunido cortes.”

“Paralelamente, muitos bracarenses e minhotos começaram a emigrar para o Brasil. De lá começarão a voltar, alguns anos mais tarde, com novo dinheiro e vontade de mostrar que o possuíam em abundância.”

Nos séculos XIX e XX, surgem o Jardim Público e importantes serviços públicos (Biblioteca, Liceu e o Banco do Minho) e de distração (Teatro de S. Geraldo) e cafés, bem como “palacetes de novos ricos ´Brasileiros´”, que fizeram mudar o centro da cidade da região da Sé para a Avenida Central.

Novas alterações ocorrem como inauguração da iluminação pública a gás, remodelação das canalizações de água e nova central distribuidora, conclusão do edifício da Câmara Municipal, chegada do Caminho de Ferro, abertura do primeiro trecho da Avenida Liberdade e chegada da iluminação com energia hidroelétrica.

Abastecimento de água ao domicílio, novo sistema de transportes urbanos (linhas de elétricos e mais tarde os autocarros ou ônibus), mercado coberto, “adequada arquitectura de feição monumentalista na Avenida da Liberdade que então começava a ser traçada”, um grande teatro (o Teatro Circo) e a criação da Avenida Central eram sinal de novos tempos.

Acrescem-se o saneamento básico, o plano de urbanização e a criação de pequena zona industrial (na segunda metade do século XX), além de novos bairros, ruas e avenidas. “A Avenida da Liberdade só em 1951 atingiria a Ponte – e ainda em 1982 conserva alguns prédios do século XIX, ficando a ser definitivamente a grande via de penetração pelo Sul…”

*Ruas romanas/medievais/modernas da zona da Sé. Em Braga Top Secrets Segredos de Braga, Centro Atlântico, LDA., 2014

**Braga Evolução da Estrutura Urbana. Câmara Municipal de Braga, 1982.

***Resenha Histórica de Braga Medieval. Faculdade de Letras do Porto, 2ª Tiragem, Publicações da Câmara Municipal de Braga.

****Catedral de Santa Maria de Braga. Disponível em:  http://www.se-braga.pt/catedral.php

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