Afonsinhos de Resende: sintonia perfeita entre futsal e escola

Tanto no futebol quanto no futsal, existe “uma nova maneira de trabalhar o desporto em Portugal"


Esporte

José Venâncio de Resende, especial de Resende0

Marcos Antunes e o "avô de todos".

Eles vão chegando de mansinho. Em fila informal, cumprimentam um a um, o coordenador Marcos Antunes, o adjunto Tiago César, o “avô de todos” Manuel Azevedo e eventualmente algum estranho que estiver na companhia deles… Ouvem as primeiras instruções: peguem os seus coletes, agora alguns minutos de alongamento etc. Em campo, agigantam-se.

Percebe-se um esforço adicional para formar times completos, afinal ainda é época de férias escolares (as aulas começam na segunda quinzena de setembro). A primeira turma (18h), a dos pequenos – e mais uma miúda, Cristiana - começa o treinamento sob os olhares atentos e eventuais gritos de Marcos, boa parte do tempo sentado num banco à beira do campo. A segunda turma (19h), a dos maiores, foi enxertada com o adjunto Tiago no gol e dois ou três jovens filhos de imigrantes (na Suíça), em férias em Portugal.

Sem perder um lance do que acontece em campo, Marcos conversa com o repórter. “Somos os únicos em Portugal que não paramos nas férias.” Nos últimos seis anos, todas as terças e quintas tem sido assim.

E por que Escola de Futsal "Os Afonsinhos"? “Em homenagem a D. Afonso Henriques (primeiro rei de Portugal) por tudo o que ele representa para Resende e para o país”, responde Marcos.

E por que funciona no Pavilhão Municipal Desportivo São Martinho de Mouros (freguesia do concelho de Resende)? Aqui começa uma longa história.

A escola foi fundada em 4 de junho de 2010 por Marcos Antunes, 40 anos, ex-jogador de futebol e futsal, treinador e monitor de desporto da Escola Superior de Educação de Viseu. “Senti que faltava um espaço para meu filho e os demais miúdos praticarem uma modalidade de esporte fora do centro de Resende, já que nós moramos aqui na freguesia.”

Local estratégico

O Pavilhão estava subaproveitado e ficava ao lado do Centro Escolar, o que permitiria viabilizar o principal objetivo de Marcos: fazer a ligação entre o futsal e a escola. “Nós tínhamos de marcar pela diferença, e esta diferença seria a excelência escolar. Eu entendo que eles (os miúdos) precisam ter uma formação escolar boa para conseguir vencer.”

Marcos queria passar uma mensagem forte aos pais, a de que o desporto é uma ajuda positiva. “Tirar o miúdo do desporto por causa de uma nota baixa na escola não vai ajudar nada, principalmente se os outros hábitos forem mantidos, como o uso do telemóvel, do tablet etc.”

Marcos então propôs uma parceria dos Afonsinhos com a Câmara Municipal de Resende, a Federação Portuguesa de Futebol e o Sport Lisboa Benfica. Por meio de um protocolo firmado com os dois primeiros parceiros surgiu o projeto pioneiro de introdução do futsal no primeiro ciclo escolar (primeiro ao quarto anos) – alunos com idades entre 6 e 10 anos.

“Começamos com cerca de 20 crianças. Ficamos um ano a treinar e recebemos (para palestras) os melhores profissionais do país, como o selecionador nacional de futsal, treinadores do Benfica e do Sporting, os melhores jogadores profissionais.”

Desafios

O primeiro ano foi de preparação para o desafio à frente, que era participar das competições distritais (equivalentes a estaduais no Brasil) do ano seguinte. Para além dos trabalhos técnico-táticos, porém,era preciso enfrentar problemas pessoais e familiares, recorda Marcos. “Na escola e na bola, alguns miúdos eram bem complicados, a relação com eles era complicada.”

O início é sempre mais difícil, mas os resultados do primeiro ano foram animadores, avalia Marcos. “De maneira geral, as coisas melhoraram muito tanto na escola quanto na bola.” É comum, por exemplo, ver alunos sentados num banco ao lado do campo a fazer tarefas escolares, uma condição imposta a eles, conta o coordenador.

O segundo ano começou com cerca de 35 crianças, com a incorporação de 15 novos alunos atendendo a apelo dos pais. “Já tivemos a necessidade de dividir em dois escalões – infantis e iniciados – para competir nos distritais”, diz Marcos. Participam das competições distritais de Viseu 16 equipes por escalão, com jogos aos sábados e domingos.

O reconhecimento do trabalho e a maior visibilidade fizeram com que novos parceiros se juntassem ao projeto, como a Joma (marca esportiva espanhola), Rubis Gás (empresa de gás em Portugal), A. Trindade (imobiliária do Grupo Remax Invicta) e o supermercado Pingo Doce (loja de Resende).

Evolução

De ano para ano, a escola está sempre a evoluir tanto no aspecto desportivo quanto no desempenho escolar, avalia Marcos.

No ultimo ano letivo (2015/16), o grupo já reunia 55 atletas (dos 6 aos 16 anos), distribuídos em cinco escalões: traquinas (4 e 5 anos), benjamins (6 a 8 anos), infantis (8 a 12 anos), iniciados (12 a 14 anos) e juvenis (14 a 16 anos). Na escola, estes escalões correspondem ao pré-escolar até o ensino secundário.

Os Afonsinhos competiram nos escalões infantil e juvenil do campeonato distrital, mesclados com atletas de outros escalões. A equipe de juvenis tinha atletas dos iniciados, enquanto que os infantis incluíam atletas dos benjamins, explica Marcos.

Em termos de desempenho ao nível esportivo, o resultado foi muito bom, comemora Marcos. “Conseguimos colocar oito atletas nas seleções distritais sub 15 e sub 17. No campeonato distrital juvenil, conseguimos ficar em sexto lugar entre 16 equipes. No infantil, ficamos em terceiro lugar pelo segundo ano consecutivo.”

Quanto ao desempenho escolar, o resultado foi “excelente”, garante o coordenador do projeto. “Para além daqueles que passaram com excelência, não houve nenhum que ficasse reprovado.”

Uma das coisas mais importantes deste projeto é o trabalho social, assinala Marcos. “Há problemas sociais entre os miúdos – carências tanto materiais quanto psicológicas – que buscamos suprimir.”

Tanto que outro resultado destacado por Marcos é a melhoria nas relações humanas, na convivência social. “O treinamento já começa no autocarro (ônibus da Câmara Municipal que leva as crianças para o Pavilhão nos dias de treino). É uma convivência sadia, é quase uma segunda família”.

“Foi a melhor coisa que podia ter acontecido a esses miúdos”, concorda Manuel Azevedo, 76 anos, aposentado, que acompanha o projeto desde o início. É uma espécie de braço direito de Marcos, “o avô de todos” como ele gosta de dizer.

Novas gerações

Há cerca de um ano, os Afonsinhos foram objeto de estudo por parte de uma universidade brasileira em parceria com Universidade da Beira Interior (UBI), da Covilhã. Neste estudo, relata Marcos, o professor Bruno Travassos analisou a forma como nós trabalhamos, tanto no sentido do projeto em si (desporto e excelência) quanto da abordagem do jogo em 3 x 3 (três a defender e três a atacar).”

O sistema 3 x 3 é “mais agressivo, quem tem a posse da bola sempre ataca”, explica Marcos. Diferente do brasileiro que é “mais passivo, não pressiona tanto”.

Aliás, para Marcos não é surpresa as recentes conquistas do futebol português no sub-17, sub-19 e Euro 2016. Tanto no futebol quanto no futsal, existe “uma nova maneira de trabalhar o desporto em Portugal, na qual se reconhece a qualidade das pessoas, o que abre espaço para novas experiências, novos métodos de trabalho, nova geração de profissionais”.

Os Afonsinhos estão inseridos neste contexto, comemora Marcos. “Fico contente que, para além do nosso sucesso, que é pequenino, temos o sucesso nacional. O que prova que estamos no caminho certo.”

 

 

        

 

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