AMSC desenvolve projeto de resgate da cultura musical de Lagoa Dourada


Entrevistas

André Eustáquio0

Samuel e Luana dirigem o Coro e Orquestra de Câmara Santa Cecília

Samuel Lopes da Silva, 27, e Luana Michele Chaves Costa, 27, se conheceram durante a graduação de licenciatura em Música pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Ele é natural de Pará de Minas e ela de Lagoa Dourada. Samuel é licenciado em Música com Habilitação em Canto Lírico e Luana é licenciada em Música com Habilitação em Educação Musical. Além da formação musical, Luana possui licenciatura em Letras pela Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC - de Barbacena-MG e Pós-graduação em Literatura Brasileira e Língua Portuguesa pela Faculdade Noroeste de Minas – FINOM / Instituto PROMINAS. Samuel e Luana são noivos e juntos dirigem a Associação Musical Santa Cecília (AMSC) – Coro e Orquestra de Câmara -, em Lagoa Dourada. Ele é o regente titular e instrutor de canto-coral e ela regente assistente e instrutora do ensino de instrumentos. Nesta entrevista, Samuel fala sobre a tradição musical de Lagoa Dourada e o trabalho desenvolvido pela AMSC, cujo objetivo é o resgate da cultura musical existente na cidade.

Quando a música começou a florescer em Lagoa Dourada? Do passado musical de Lagoa Dourada temos alguns registros mais precisos no que tange à produção musical no decorrer da segunda metade do século 19 e primeiras décadas do século 20. É possível que a atividade musical daqui tenha perdurado por pelo menos um século, uma vez que, com base em registros da Paróquia da cidade, além de relatos de moradores, existiu com expressiva produtividade uma extinta orquestra de câmara e coro sacro a serviço da igreja matriz de Santo Antônio. Tal fato não se restringe a Lagoa Dourada, tendo em vista que no passado, com base em registros de manuscritos de partituras, a música que prevaleceu e mais se destacou nas Minas Gerais, foi aquela de caráter sacro, ou seja, a serviço da igreja local, de suas liturgias e paraliturgias.

Grandes compositores sacros deixaram um legado musical de rara beleza a algumas das cidades que hoje formam a região do Campo das Vertentes. Em Lagoa Dourada qual foi o compositor que exerceu mais influência durante o auge da música sacra?  Dos músicos deste referido período, o que mais se destacou foi Antônio de Pádua Alves Falcão, do qual ainda são feitos, até os dias atuais, os tradicionais Motetos de Passos e Motetos das Dores, nas celebrações externas da Semana Santa. A ampla obra do referido compositor se espalhou por outras cidades mineiras como: Prados, Tiradentes, São João del-Rei e Resende Costa. Não podemos resumir a tradição musical apenas à figura de Antônio de Pádua Falcão, mas é provável que, em tempos mais antigos, outros compositores possam ter aqui deixado sua contribuição artística. Tais suposições merecem estudo mais aprofundado, pesquisa adequada e coerente.

No decorrer da história, como a Igreja e a música vêm se relacionando em Lagoa Dourada? Penso que no passado, a música religiosa tenha sofrido as mesmas transformações e tendências daquela anterior às reformas do Concílio Vaticano II (1962-1965). Como colocado anteriormente, havia um trabalho mais relevante no que tange à prática da música sacra sinfônica, de arranjos e escritas mais elaborados para coro e orquestra, passando posteriormente pela música do Padre João Batista Lehman e Padre Jorge Braun, responsáveis pelas pérolas do canto sacro mineiro da primeira metade do século passado, até chegarmos à música litúrgica pastoral amplamente difundida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Penso que não podemos negar o fato de sempre surgirem louváveis tentativas de resgate de parte do repertório antigo, considerando-o como patrimônio de fé e identidade de um povo, seja por parte dos sacerdotes locais, seja por iniciativa das Associações e Grupos Musicais afins. Por parte da Associação Musical Santa Cecília, tem-se trabalhado sob a ótica da versatilidade estilística, ou seja, a junção coerente e adequada de músicas antigas com as novas tendências do repertório sacro pastoral brasileiro e estrangeiro, em conformidade com a Igreja de Roma. Tudo isso aplicado ao contexto das solenes liturgias locais, em que o Coro e Orquestra de Câmara Santa Cecília atuam. Vale ressaltar o deslocamento de obras sacras sinfônicas para a realidade dos concertos e apresentações anuais realizados dentro e fora do município.

Em Lagoa Dourada houve um período crítico, durante o qual a tradição musical entrara em declínio? Por que isso ocorreu? Podemos dizer que tal declínio tenha ocorrido em meados do século passado, possivelmente na década de 1950. O Concílio Vaticano II, lamentavelmente mal interpretado por muitos sacerdotes e religiosos, resultou na extinção de muitos coros e orquestras sacras no Brasil. Penso que a restrição da atividade musical a um núcleo familiar tenha igualmente colaborado neste processo de extinção, em particular, a falta de transmissão do conhecimento adquirido a gerações futuras e o bloqueio do acesso a tal prática por parte de outros membros da comunidade.

 

Quando deu-se início ao projeto de resgate da cultura musical na cidade? Não posso afirmar com exatidão, mas penso que tal processo tenha iniciado nas últimas décadas do século passado. A Lira Musical Lagoense, o Coro Paroquial e, posteriormente, a Associação Musical Santa Cecília, são exemplares desta revitalização do patrimônio musical de Lagoa Dourada.

Quando e com que objetivo foi criado o Coro e Orquestra Santa Cecília? Nos primórdios dos anos 2000, o Coro e Orquestra Santa Cecília iniciava seus trabalhos, com participações em celebrações da igreja matriz, informalmente e ainda sem espaço adequado para as atividades. Atualmente, situada na Praça Miguel do Líbano, nº 41, a Associação Musical Santa Cecília (AMSC) foi fundada oficialmente, com registro estatutário e documentação jurídica própria, aos vinte e seis dias do mês de janeiro do ano de 2006. O coro e orquestra surgiram a partir do desejo de se resgatar a cultura musical existente em Lagoa Dourada em tempos passados, com base no que fora apresentado anteriormente. De um pequeno grupo com pouco mais de 10 integrantes o Coro e Orquestra de Câmara da AMSC conta hoje com aproximadamente 40 músicos, entre cantores e instrumentistas.

Quantos músicos integram a AMSC e qual o perfil deles? O coro de câmara é composto de 19 membros, com faixa etária acima dos 30 anos, com escolaridade variada. A orquestra é composta de 20 membros, dentre crianças, adolescentes e jovens com idades entre 8 e 21 anos.

A AMSC oferece cursos de capacitação musical aos seus integrantes? Sim. A AMSC oferece aulas de Percepção Musical, Musicalização, Canto Coral, Prática em Conjunto e o ensino de instrumentos como: violino, viola e violoncelo.

Quando acontecem os ensaios? Os ensaios alternados do coro acontecem semanalmente às segundas e sextas feiras, das 19h às 21h, na sede da escola. A orquestra reúne-se quinzenalmente aos sábados, para ensaios gerais das 14 às 16h. Durante a semana, às quartas feiras, ocorrem os ensaios de naipes da orquestra das 18h às 20h. Conforme as exigências da temporada em percurso, ocorrem ensaios extraordinários em dias alternativos.

Qual o repertório básico da orquestra? Predominantemente o repertório é sacro concertista, com exemplares de obras eruditas de compositores antigos e contemporâneos.

Existe uma agenda mínima de apresentação anual da orquestra? Normalmente, o coro e orquestra atuam nas festividades religiosas ao longo do ano e realizam os Concertos Natalinos tradicionalmente em dezembro.

A orquestra participa de quais celebrações da Igreja? Normalmente, o coro e orquestra atuam nas festividades de São Sebastião em janeiro, Setenário das Dores e Semana Santa em março e abril, Padroeiro Santo Antônio em junho, Nossa Senhora Aparecida em Outubro, Missa do Natal em dezembro, dentre outras celebrações afins.

O poder público apoia o projeto? Como a orquestra sobrevive financeiramente? O poder público apoia com recursos de subvenção mensal para custeio da manutenção da sede. O coro e orquestra sobrevivem das contribuições dos membros efetivos, coralistas, pais e alunos. No ano de 2007 a orquestra foi beneficiada por um projeto na Lei Federal de Incentivo à Cultura, formalizando os seguintes cursos: Percepção Musical, Musicalização, Canto Coral, Prática em Conjunto e o ensino de instrumentos como: violino, viola e violoncelo.

A paróquia apoia a orquestra? A Paróquia é parceira da orquestra em seus eventos, como concertos sacros e atividades afins.

Quais são os maiores desafios encontrados para o desenvolvimento desse trabalho? A falta de apoio e recursos adequados às reais necessidades do coro e orquestra, como pagamento efetivo dos professores, custeio de viagens, alimentação e hospedagem dos músicos para eventuais temporadas fora do município. Custeio de xerox, pastas e uniformes, dentre outros. Mas, além disso, a formação de público para tal prática e a conscientização da comunidade, de funcionários a empresários, sobre a importância deste trabalho para as futuras gerações são nosso maior desafio.

 

Quais são os planos para o futuro? Construção de uma sede própria com espaço amplo para ensaios, aulas e apresentações diversas. Parcerias com empresas para o financiamento de projetos que visem a trabalhos itinerantes de veiculação da música sacra concertista e sinfônica em diferentes cidades.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário