Antiga capela de S. Miguel do Cajuru está ameaçada pela ação dos cupins


Cultura

José Venâncio de Resende0

Cupins estão destruindo os altares de madeira.

É urgente uma parceria entre Igreja, poder público e setor privado para impedir a destruição por ação de cupins da capela da igreja do distrito de São Miguel do Cajuru, a cerca de 36 quilômetros da cidade de São João del-Rei por uma das variantes da Estrada Real (Caminho Velho). “Os altares estão infestados por cupins, um problema gravíssimo... Enquanto estamos aqui conversando, os bichinhos estão roendo a madeira lá”, ironizou José Antônio Ávila Sacramento, durante nossa visita ao local.

Trata-se da igreja matriz de uma das mais antigas paróquias do município (criada por provisão episcopal de 7 de agosto de 1833). A tradição oral diz que a primitiva capela dispunha de torre única, lateral, e certamente teria sua planta organizada no tradicional esquema de capela-mor, nave e coro, de acordo com estudo elaborado por Ávila*, que é membro do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural. Esta planta é perceptível até hoje, “apesar das ampliações e modificações introduzidas posteriormente, iniciadas em torno de 1925”.

Segundo Ávila, “aquela primitiva Capela devia ser muito simples e pequena”, mas, com o crescimento da população e o natural desgaste, teria sido substituída por outra de maiores proporções por volta do início do século 19. Esta segunda Capela também sofreria interferências e descaracterizações, no início do século 20.

Apesar das alterações na parte exterior, a antiga Capela encontra-se intacta no interior, “caracterizando-se pelos altares do arco-cruzeiro e pela Capela-mor que mantém seus elementos básicos de organização e acabamento, inclusive na pintura de fundo que apresenta motivos florais de cuidada feitura e colorido exuberante”.

Destacam-se ainda “as pinturas da nave e da Capela-mor (que) “constituem singular exemplo de arte religiosa barroca de Minas Gerais, por sua excelente composição, cuidadoso acabamento e rigoroso, porém harmônico colorido (…)” – segundo Suzy de Melo, citada por Ávila -, “executado talvez à base de têmpera, que resiste mais do que óleo à oxidação causada pela atmosfera”.

Acredita-se que o autor da primitiva capela teria sido Joaquim José da Natividade, que “terá desejado fixar o aspecto antigo, antes da ampliação da igreja, terminada provavelmente em 1925”, explica Ávila, com base num prato de 1891, com a capela antiga pintada a óleo, que pertencera a sua avó materna.

 

Pinturas. As principais características do forro da nave da Capela do Cajuru seguem o esquema tradicional de pinturas de forros de igrejas introduzido no Brasil pelos portugueses. A composição do forro da nave da capela “é uma simplificação e adaptação do forro da nave do Santuário do Sr. Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas do Campo, com introdução de elementos da pintura do forro da nave de São Francisco de Assis de Ouro Preto”, diz Carlos del Negro, citado por Ávila.

Quanto à pintura do forro da Capela-mor, “na trama que sustenta o quadro com a representação de São Miguel, predominam os concheados; no modelo que se encontra no forro da capela-mor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, a trama sustentante constitui-se, principalmente, de enrolamentos e apresenta balcões nos cantos e nos eixos da abóbada. Devido às dimensões da capela-mor, nesta igreja, a trama sustentante liga-se a concheados que tem a forma de molduras de cartelas ao invés de balcões”, relata o professor del Negro.

Del Negro apresenta descrições detalhadas da pintura do forro da capela-mor, que, “infelizmente, já não conferem com a realidade”, lamenta José Antônio. É que “foram prejudicadas por uma restauração muito mal feita por um pintor de São João del-Rei, que modificou a percepção tanto do conjunto quanto dos detalhes das cores”.

Segundo Ávila, os forros da nave e da Capela-mor de São Miguel do Cajuru justificam a inclusão da igreja na exemplificação das mais importantes pinturas religiosas barrocas de Minas Gerais e do Brasil. A capela “ainda apresenta expressiva decoração no forro do coro”, onde se manifesta “fortemente” a influência do mestre Manoel da Costa Ataíde.

Completam a magnífica decoração da igreja as composições florais no arco-cruzeiro. Assim, “uma tarja de talha dourada, com dizeres, orna o fecho do antigo arco-cruzeiro, cujo intradorso é pintado, de cada lado, com flores e concheados formando cartela”, relata del Negro.

 

Igreja atual. A igreja atual é dividida em três partes, segundo o historiador Antônio Gaio Sobrinho, citado por Ávila. São elas: “as antigas Capela-mor e nave, separadas entre si pelo também antigo arco-cruzeiro; o primitivo coro foi demolido, restando apenas indícios e a pintura de sua abóboda, com motivos que lembram a divina arte da música”.

“Onde seria a antiga porta principal de entrada e frontispício, abriu-se um vão em toda a sua largura que dá para uma segunda nave, guarnecida de varandas laterais, do tipo balcões ou tribunas, que ligados ao novo coro, lhe dão interessante aspecto, incomum em igreja dessas regiões. Essa interferência, como também a descaracterização externa, são acréscimos ocorridos no presente século, a partir de 1925.”

Segundo Gaio, a talha dos altares lembra igrejas como as de São Tomé das Letras e Conceição da Barra de Minas, além de uma capela rural de São Vicente de Minas. “O modelo é idêntico, comportando um altar-mor, aqui dedicado a São Miguel Arcanjo, e dois altares laterais, situados nos cantos dianteiros da nave, junto ao transepto ou arco-cruzeiro.” Tais altares são dedicados aos arcanjos São Gabriel e São Rafael.

Do acervo de imagens da igreja constam São Miguel, São Rafael, São Gabriel, São José de Botas, Sant´Ana Mestra, São Sebastião, Santo Antônio, São João Batista, Santa Cecília, São Benedito e Nossa Senhora Auxiliadora, além de um santo, provavelmente, Santo Afonso de Ligório.

Em 1976, a igreja recebeu as imagens de Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores, esculpidas em Resende Costa por Valcides e Geraldo Mairink Arvelos, e de Nosso Senhor Jesus Cristo, obra de Benedito Eduardo Santeiro da cidade de Nazareno. Elas foram feitas de uma árvore de cedro, doada por Afonso de Andrade Leite.

Nos últimos anos, foram realizadas restauração das pinturas ilusionistas sacras e a recuperação do antigo topônimo, conta Ávila. Mas o trabalho ficou inconcluso, adverte. “Falta recuperar/restaurar as talhas dos altares colaterais e do altar mor; rever a estrutura do altar mor que apresenta trinca na alvenaria; fazer reparos no telhado e fazer revisão da rede elétrica.” Além de combater os cupins, é claro.


 

* Estudos barroquizantes (ou “estrondoso brado”) acerca do antigo Arraial de São Miguel do Cajuru, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, Volume IX, ano 2000  

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