Artesanato tradicional de Resende Costa precisa reinventar-se para sobreviver


Economia

José Venâncio de Resende1

fotoo professor de economia da UFSJ, Gustavo Melo Silva, defende a articulação entre poder público e setor privado para a reinvenção do artesanato
 A articulação entre poder público e setor privado e a maior integração regional é a chave para a reinvenção da tecelagem tradicional de Resende Costa, na visão do professor Gustavo Melo Silva, do Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). O grande salto do artesanato resende-costense ocorreu no período de estabilização econômica e crescimento do País e de consolidação da região das Vertentes como polo turístico puxado por Tiradentes.

O tapetinho, carro-chefe do artesanato local, era o principal produto em 1996, posição que se mantinha em 2009 (último dado disponível). A produção de tapetinhos em domícilios aumentou 240% nesse período, passando de 38,6 mil peças em 97 para cerca de 131 mil unidades em 2009.

Gustavo atribui esse desempenho a uma organização econômica no âmbito do domicílio produtor e dos estabelecimentos comerciais. Esses comerciantes fornecem os insumos, organizam burocraticamente a produção e escoam a mercadoria. Ou seja, estimularam a divisão e a especialização do trabalho. Tanto que se evoluiu de produtores especializados em 1997 para prestadores de serviços em “bater tapetinhos” em 2009.

Gustavo é autor da tese de doutorado “Mercados como construções sociais: divisão do trabalho, organização e estrutura social de um mercado em um território municipal”, apresentada em 2010 ao curso de pós-graduação em Sociologia da UFMG sob a orientação do professor Jorge Alexandre Barbosa Neves.

664 questionários domiciliares e 69 comerciais foram aplicados entre 2.655 domicílios e 76 estabelecimentos comerciais visitados no perímetro urbano. A partir dos dados coletados, Gustavo observou, nas duas últimas décadas, “que este mercado passou por uma série de transformações organizadas burocraticamente e controladas socialmente pelos proprietários dos estabelecimentos comerciais detentores das fontes de fornecimento e consumo da produção domiciliar”.

Segundo Gustavo, o comerciante fornece o tear e o insumo e o produtor domiciliar sabe apenas “bater tapetinhos”, ou seja, não sabe criar. Essa parte criativa está hoje na mão de algumas anciãs (acima de 60 anos), cujos descendentes deixaram de ser tecelães e se tornaram comerciantes. Eles passaram a ter papel também de propor inovações, além de “articular” a produção.
 

Histórico - Esse processo teve início no príncipio do século 19, explica o professor da UFSJ. Além do reaproveitamento de tecidos, havia na região plantio de algodão e criação de ovelhas para produzir lã. A considerável concentração de mão-de-obra escrava precisava ser abastecida (vestuário e roupa de cama). Com o encolhimento da mineração e o avanço da agricultura, a produção doméstica focou na subsistência da propriedade rural.

No início do século 20, prossegue Gustavo, um dos fatos importantes foi a indústria têxtil centenária de São João del-Rei. Na década de 1980, a realidade dessa indústria era outra, com o parque fabril tendo se tornado obsoleto. Nesse período, a indústria gerava muito refugo (sobra de tecido) que se constituía em espécie de “lixo” para as fábricas.

Nesse período, lembra Gustavo, o poder público construiu a infraestrutura viária, como o trecho asfaltado até a rodovia São João del-Rei – Murtinho, as redes de água e de energia elétrica e aumentou a  capacidade de atendimento da rede educacional. A ferrovia do aço gerou postos de trabalho e a tecnologia impactou a agricultura nacional, que afetou a pequena propriedade rural. Cidades como Resende Costa se estruturavam, por exemplo, para atender demandas e ofertar trabalho na construção da ferrovia do aço.
 

Fim do refugo - Importantes mudanças ocorreram na década de 1980, como a inversão da população entre campo e cidade, a consolidação de Tiradentes como receptivo turístico nacional e a oportunidade de mão-de-obra excedente com capacidade técnica. Além disso, verificou-se a demanda de produto com identidade regional, além da oferta a baixo custo de insumos da indústria. Esse material da indústria têxtil viabilizou a expansão da produção artesanal até o final da década de 90, observa Gustavo.     

Porém, assinala Gustavo, o que sobreviveu da indústria têxtil nacional começou a adequar seu parque fabril à realidade internacional. Para resolver o problema operacional, automatizou o processo de fabricação, cujo resultado foi o fim da sobra de tecidos. “Hoje, os fornecedores de insumos compram peças de tecidos – e não mais de refugos das fábricas. Isso mudou radicalmente a cadeia de suprimentos. Com isso, houve mudança radical no processo de produção”.

Assim, em 2009, dos 450 domicílios produtores entrevistados em Resende Costa, 57% utilizavam o retalho derivado do tecido comprado direto na fábrica. O consumo mensal era de 103.370 kg (cerca de 103 toneladas) de retalho. Esse número variava entre o mínimo de 1 kg de retalho por mês e o máximo de 3.000 kg/mês.

Atualmente, um dos problemas mais frequentes é a falta de retalho, porque a demanda continua crescente e os comerciantes não conseguem atender os pedidos, observa Gustavo.  Esses comerciantes controlam e organizam a produção, ou seja, remuneram por quantidade e qualidade dos serviços prestados, mas também buscam novos fornecedores de retalho e propõem novas peças para atender o perfil da demanda.
 

Trabalho - Ao longo do século 20, em Resende Costa, havia pouca divisão do trabalho na indústria doméstica. Até que, nos anos 1980, para dar conta da demanda por produção em massa, os comerciantes começaram a estimular a intensificação da divisão do trabalho pelo estímulo ao aproveitamento das habilidades e foco nos resultados. “Para atender à demanda em massa, estimulam a organização do trabalho nos moldes da indústria moderna, mas permanece a ferramenta (tear manual)”.

De negativo, Gustavo aponta a intensificação no ritmo de trabalho (8 a 10 horas fazendo o mesmo movimento). Houve a “mecanização do homem”, cujo resultado é “o adoecimento - a principal reclamação de quem trabalha é a dor”. 

Além disso, existe a “ameaça à capacidade criadora de desenvolvimento produtivo local” dessa forma de organização do trabalho. “Criatividade é o principal aspecto de desenvolvimento. E houve perda da capacidade de criação de novas peças, tanto nos domicílios quanto entre os comerciantes”.
 

Renda e consumo - De positivo, Gustavo cita a geração de renda e a maior capacidade de consumo, cujos resultados são o aumento na construção civil, maior consumo de bens duráveis (autos, motos, caminhonetes etc.) e ganho indireto (mais bares, restaurantes, supermercados etc.).

“A maior parte das pessoas tem esse trabalho como complementação de renda, embora tenham os que vivem só dessa atividade”, revela Gustavo. Cerca de 53% das 1.072 pessoas entrevistadas tem remuneração de até meio salário. “A tecelagem tradicional de Resende Costa é uma fonte alternativa de geração de riqueza e, para alguns, foi – e é – uma fonte de enriquecimento”.
 

Perspectiva - A participação de turistas na compra de artesanato resende-costense é crescente, o que mostra mudança no perfil do comércio local, observa Gustavo. Em 2009, 20% dos compradores eram turistas (80%, lojistas), resultado bem diferente de 1996 quando 98% dos compradores da produção local eram lojistas de outras cidades (apenas 2% eram turistas).

Essa mudança deve continuar, o que vai exigir do sistema de produção local mais variedades e novos designs, alerta o professor da UFSJ. O turista é mais exigente, o que exige mudança de padrão dos produtos para atender este perfil de consumidor. “Hoje, os novos consumidores querem identidade local e diversidade de produtos”.    

Gustavo defende políticas públicas que não considerem apenas as atividades produtivas da tecelagem tradicional, mas também de outras atividades relacionadas, por exemplo, com a agricultura familiar. “Existe uma rede no “Asfalto” (como é conhecida a avenida Alfredo Penido) de cerca de 100 estabelecimentos comerciais. Por outro lado, vemos desperdício imenso de frutas que poderiam ser transformadas em compotas e distribuídas em pontos de comercialização nesta rede comercial”.
 

Ação regional - Esse cenário traçado por Gustavo não se restringe a Resende Costa, daí a necessidade de ação mais regional, diz Gustavo. “A região das Vertentes não tem, no seu plano político de desenvolvimento econômico, diretriz clara para o turismo e para a economia criativa”.

Assim, uma política pública municipal deveria revitalizar a atividade explorando a identidade local, diz o professor. “Não estamos otimizando o potencial econômico dessa região tradicional nos aspectos da economia criativa (identidade caipira dos tecidos rústicos de Resende Costa, do biscoito de São Tiago, do couro de Prados etc., que estão associados à colonização). Isso não faz parte de uma política local, que ajude a iniciativa privada e organize essas atividades locais. Não temos, por exemplo, um calendário de eventos regionais”.       

Ele acredita que os empresários devem articular-se com o poder público para o desenvolvimento de um sistema produtivo que busque filões de mercado, não apenas associados à demanda que prioriza o preço baixo. “Tentar articular forças produtivas e poder público local e regional para resolver questões como o dano à saúde, a falta de mão-de-obra, a diversificação de produtos, o aumento de valor agregado e a identidade local”. 

Comentários

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    Como turista em Resende Costa fico a vontade para falar da minha impressão do artesanato local. Conheci a cidade a uns 3 anos atrás, quando visitei Tiradentes. Eu e esposa ficamos encantados com seu artesanato. E desde então vimos pouca mudança na diversidade e qualidade do que se vende no comercio local. Também vemos uma postura muito primária nas vendas pela cidade. Muitos comerciantes não aceitavam pagamentos pelos cartões de débito e crédito, dificultando a venda. Vemos uma sonegação fiscal muito grande quando ninguém emiti nota fiscal, e quando insistimos recebemos uma nota com valor de cerca de 30% do valor real. Vemos prédios e mais prédios na avenida comercial da cidade, reforçando o cometário de que não ha união entre os comerciantes para alavancar o crescimento da cidade. A cidade tem talento e merece o esforço conjunto da sociedade para reverter a estagnação que vi neste ultimo fim de semana que lá estive.


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