Com quase 40 anos, Escola da Ponte continua sendo exemplo para o mundo


Educação

José Venâncio de Resende/Lisboa0

fotoAlunos fazendo pesquisa (fonte: Facebook)

Uma hora de visita ajuda a compreender o sentido das postagens no facebook* da famosa Escola da Ponte, localizada na vila de São Tomé de Negrelos (Concelho de Santo Tirso) a cerca de 30 km da cidade do Porto, Portugal. Uma escola pública de educação básica (do pré-escolar ao 9º ano) que valoriza a responsabilidade, a autonomia, a prática democrática e a solidariedade entre os alunos. Uma escola que está além do seu tempo.

Rubem Alves, em seu livro "A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir" (2001), referiu-se assim à Escola da Ponte: “Contei sobre a escola com que sempre sonhei, sem imaginar que pudesse existir. Mas existia, em Portugal… Quando a vi, fiquei alegre e repeti, para ela, o que Fernando Pessoa havia dito para uma mulher amada: ´Quando te vi, amei-te já muito antes´…”

Mas, apesar da longa caminhada (cerca de 40 anos), a Ponte ainda tem de enquadrar nas exigências da burocracia nacional, como currículo e exames nacionais. A nossa avaliação é sistemática e contínua, e não fazemos provas de testes, resume a professora Ana Moreira, coordenadora do projeto Escola da Ponte. Na preparação para os exames nacionais, são feitas simulações com correções coletivas. O ideal seria que as escolas tivessem plena autonomia, acrescenta.   

A Escola da Ponte não segue uma única linha metodológica de ensino, mas busca uma convergência de princípios (de organização, gestão e aprendizagem) fundamentados em vários pensadores, explica Ana Moreira. A ideia é formar “cidadãos responsáveis, ativos, solidários, cooperativos”.         

A visita

A nossa visita aconteceu no dia 14 de Maio, às 11 horas – do pequeno grupo faziam parte brasileiros e portugueses. Fomos conduzidos por Bruna Catarina Ribeiro Miranda, aluna mais antiga, e por Vasco André Machado Pinheiro, aluno mais novo. Aliás, esta é uma norma na recepção de visitantes.

Não encontramos salas de aula, mas sim grandes espaços onde as crianças (miúdos, para os portugueses) desenvolviam suas atividades distribuídas informalmente em mesas ou em círculos. Nas paredes, muitos desenhos, pinturas e textos criados pelos alunos, além de murais de informações. Nas mesas, alunos pintavam, desenhavam ou faziam pesquisas.   

Visitamos primeiro o núcleo “pré-escolar”. As crianças estavam em reunião – já aprendem desde cedo a levantar a mão e pedir a palavra. E assim, sucessivamente, passamos pelos núcleos da “primeiva vez”, “iniciação”, “consolidação” e “aprofundamento”. Sempre com a recomendação de falar baixo e não fazer barulho para não atrapalhar as atividades dos alunos.

Ao longo da visita, nossos cicerones contaram que a criança só muda de um núcleo para o seguinte quando tiver os conhecimentos indispensáveis ao estágio mais avançado. Também soubemos que os livros são comuns (não existe livro individual), que atividades artísticas e tecnológicas são estimuladas e que cada aluno tem um tutor (escolhido numa lista tríplice indicada por ele) que monitora o seu trabalho – cerca de 10 alunos para cada professor-tutor. 

Embora não haja a divisão por disciplinas formais, fomos informados que, no núcleo de consolidação, os alunos trabalham com matemática, ciências, história e português/inglês. E, no núcleo de aprofundamento – o último -, acrescentam-se francês, geografia e físico-química.

Bruna e Vasco revelaram, ainda, que a cada quinze dias grupos de alunos com interesse comum, auxiliados por um professor, reúnem-se para fazer seus planos de pesquisas e avaliar o que aprenderam na quinzena anterior – a criança aprende a gerir o seu tempo. E, semanalmente, é convocada assembleia geral onde alunos e professores discutem assuntos em pauta, como balanço de responsabilidades (por exemplo, responsabilidade pelas visitas na Ponte) - tudo registrado em ata**.

Outro expediente comum é o dos comunicados via murais, como os de alunos que pedem apoio - “Tenho necessidade de ajuda em…” – e de colegas que oferecem suporte – “Posso ajudar em…”. “Estamos a formar cidadãos”, resume Bruna.

Bruna e Vasco também comentaram que os alunos participam de várias atividades externas (esportivas e culturais), nacionais e internacionais. Recentemente, um grupo de alunos participou do projeto “Comenius Go Europe”, coordenado pela Alemanha, que estimula a cooperação intercultural entre países europeus.  

Estrangeiros

No final da visita, Bruna contou que a Ponte recebe muita gente de países que não falam português. Para recepcionar estes visitantes, são destacados alunos que falam inglês ou francês, e eventualmente outra língua como o alemão. Em Maio, por exemplo, a Ponte estava aguardando um grupo de professores de Itália, Alemanha, Polônia e Letônia, que desenvolve um projeto comum com a escola, acrescentou Ana Moreira, a coordenadora. Seriam recebidos pelos alunos.    

A Escola da Ponte também é muito procurada por brasileiros, acrescenta Ana Moreira. São professores (pós-graduação e pós-doutorado) de universidades, estudantes Eramus (programa voltado para conhecer novas culturas e abrir portas para oportunidades profissionais no estrangeiro), diretores de escolas, pessoas enviadas por prefeituras municipais, entre outros. Muitos chegam a ficar dois ou três dias, uma semana ou até mais para conhecer melhor a escola. “Procuram levar a nossa experiência para suas escolas.”

Histórico      

O começo da “viragem” foi em 1976 quando a Ponte deixou de ser uma escola pública convencional e adotou o novo projeto, assinala a coordenadora Ana Moreira. A Escola funcionava num prédio em Vila das Aves (também do Concelho de Santo Tirso). Há cerca de três anos mudou para o novo prédio que atualmente abriga 235 alunos.

O primeiro dirigente da Ponte foi o professor José Pacheco. A Escola defrontava-se com um complexo conjunto de problemas: isolamento ante a comunidade; isolamento dos professores dentro da escola; manifestações de exclusão escolar e social; indisciplina; ausência de um verdadeiro projeto e de reflexão crítica sobre as práticas. Adotava metodologias centradas no professor e as instalações eram decrépitas e insalubres.***

Assim, o projeto nasceu alicerçado na solidariedade, para garantir um mínimo de conforto a essas crianças, de acordo com o educador. “Quando ficou garantido o conforto dos corpos, o reconforto das almas veio por acréscimo. O projeto cresceu, prosperou, sofreu ataques que visavam destruí-lo, resistiu e consolidou-se”. Paredes de classes foram eliminadas e houve uma ruptura quase total com a tradicional organização do trabalho escolar.

Para enfrentar os desafios, o professor Pacheco contou com a adesão completa do corpo docente e dos pais de alunos. Acabaram-se as séries, ciclos, turmas, anos, manuais, testes e aulas. “Os alunos se agrupam de acordo com os interesses comuns para desenvolver projetos de pesquisa. Há também os estudos individuais, depois compartilhados com os colegas. (…) Não há salas de aula, e sim lugares onde cada aluno procura pessoas, ferramentas e soluções, testa seus conhecimentos e convive com os outros. São os espaços educativos (humanística, ciências, educação artística e tecnológica).”****

A marcante presença das famílias na vida da Escola é um dos segredos do seu sucesso. Aparece em diferentes momentos, como em reuniões com a equipe da escola e com o professor-tutor dos respectivos filhos e na reunião da Associação de Pais e Encarregados de Educação. As famílias também são livres para participar nas assembleias da escola, nos eventos e através das representações nos colegiados e reuniões da equipe. O próprio regimento interno da Escola, no seu artigo 10, deixa claro que “o Conselho de Pais/Encarregados de Educação é a fonte principal de legitimação do projecto…”*****.

Levou tempo para a Escola da Ponte ser reconhecida pelo Ministério da Educação de Portugal. Até que passou a ser considerada por todas as instituições públicas nacionais como uma "referência" para um novo sistema de ensino que privilegie a cidadania. É inclusive reconhecida mundialmente pelo seu projeto inovador. ******

José Pacheco dirigiu a Escola da Ponte durante 30 anos, tempo necessário para consolidar uma pequena revolução na educação. Aposentado, dá consultoria para escolas inclusive brasileiras.

* Escola da Ponte no facebook:  https://www.facebook.com/escolabasicadaponte?fref=ts

**Exemplo de ata de assembleia geral da Escola da Ponte: https://www.facebook.com/escolabasicadaponte/posts/829191647165738

***Marina S. Rodrigues Almeida. Escola da Ponte – História e Trajetória. Instituto Inclusão Brasil, 04 de Julho de 2009. Disponível em:  http://inclusaobrasil.blogspot.pt/2009/07/marina-s.html

*** *Entrevista do professor José Pacheco. Guia de Educação. Disponível em: http://www.obratecnologia.com.br/obra/portfolio/guia_educacao/entrevista.shtml

**** *Cláudia Santa Rosa. “Primeiro a educação da minha filha e depois o resto”. Blog do Marcelo Abdon. Disponível em: http://www.marceloabdon.com.br/default.asp?view=plink&id=47925

****** Histórico da Escola da Ponte. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_da_Ponte

Link relacionado:

http://www.portaldoeducador.org/educadores/detalhe/jose-pacheco/cidadania

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