Jogo aberto com o professor e jornalista Guilherme Jorge de Rezende

“Quanto mais determinado veículo explicite sua linha editorial, sua visão de mundo, maior é a contribuição que presta para a constituição de uma imprensa efetivamente plural” (Guilherme Jorge de Rezende)


Entrevistas

Por André Eustáquio e José Venâncio de Resende0

fotoProfessor e jornalista Guilherme Jorge de Rezende. Foto arquivo pessoal.

O que está acontecendo no país? Esta é a pergunta que a maioria das pessoas está fazendo, diante da interminável (e grave) crise política que se estabeleceu no Brasil. A Operação Lava-Jato, coordenada pela Justiça Federal do Paraná, está expondo as vísceras de um sofisticado sistema de corrupção instalado na maior empresa estatal do Brasil, a Petrobrás. A cada dia surgem novas revelações que apontam envolvimento de eminentes políticos e empresários em esquemas de corrupção. As ruas se tornaram palco de grandes manifestações pró e anti-governo Dilma. Nesse contexto, qual o papel das instituições? Nesta entrevista, o professor aposentado da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Guilherme Jorge de Rezende, 65, fala sobre o papel e o comportamento da imprensa diante da crise política. Guilherme é natural de São Vicente de Minas (MG), casado e pai de três filhos. Graduado em Comunicação Social pela UFMG, com mestrado em Ciências da Comunicação na ECA/USP e doutorado em Telejornalismo na UMESP, Guilherme iniciou sua carreira profissional em 1974 como repórter do jornal Estado de Minas. Foi professor de jornalismo e diretor de programação da Rádio Universitária, na Universidade Federal do Maranhão. Em São João del-Rei, onde mora, foi professor da graduação e do mestrado em Letras, Pró-reitor de Extensão na FUNREI, Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação na FUNREI/UFSJ. Coordenou a elaboração de projeto e implantação do curso de Jornalismo na UFSJ. Entre 2014 e 2015 foi editor do jornal virtual Monitor das Gerais.

Diante da crise política e econômica que assola o Brasil, a imprensa está cumprindo o seu papel? Eu considero que sim, à medida que ela cumpre sua função de caixa de ressonância de fatos e opiniões. Obviamente, há manifestações de parcialidade na cobertura em defesa de interesses de agentes envolvidos nos embates ideológico-partidários. Mas isso é uma característica da imprensa em todos os países democráticos. Espera-se do jornalismo o relato e análise de acontecimentos cotidianos, com o máximo de isenção e compromisso com a verdade e o interesse público. Alguns órgãos da imprensa se aproximam mais desse ideal, apesar da impossibilidade de uma neutralidade absoluta. E quanto mais determinado veículo explicite sua linha editorial, sua visão de mundo, maior é a contribuição que presta para a constituição de uma imprensa efetivamente plural.

Militantes de partidos políticos cujas lideranças estão sendo investigadas pela Operação Lava-Jato acusam a grande mídia de manipular informações e contribuir para o que consideram “golpe”. Existe uma tentativa de golpe sendo orquestrada pela oposição e pela grande mídia para derrubar o governo da presidente Dilma? Não se pode jamais ser ingênuo a ponto de admitir que a imprensa de um modo geral, em maior ou menor grau, não assume posturas críticas ou mais condescendentes em relação a certas questões de ordem econômica, social e política. E se o fizer de modo transparente e menos notavelmente tendenciosa, menos mal. Daí tachar a grande mídia de golpista, há uma distância enorme. Os noticiários têm divulgado opiniões e apreciações de diversos matizes partidários, mas o que se ressalta mesmo é a multiplicidade de fatos a cada dia gerados pela investigação da Lava-Jato. E esse é o diferencial da atual crise política que atormenta não só o governo, mas também a oposição. Se o impeachment resultar dessa torrente de fatos, devidamente apurados e esclarecidos, não há por que se falar em golpe orquestrado pela oposição e a grande mídia. Ou então que a imprensa e os jornalistas alinhados com o governo apresentem suas versões, também devidamente apuradas e esclarecidas.

A imprensa se precipitou ao divulgar o conteúdo dos áudios, gravados pela Polícia Federal, que revelam conversas entre o ex-presidente Lula e integrantes do PT, ministros e a presidente Dilma? Os conteúdos dos áudios das gravações de conversas telefônicas entre o ex-presidente Lula e interlocutores do PT e de outros partidos não foram forjados pela imprensa e nem obtidos de forma ilegal. Todo o material foi previamente liberado pela justiça. A imprensa, portanto, não deve ser acusada de excesso no caso. Agora, não se nega que alguns órgãos da imprensa repetiram à exaustão a exibição desses áudios. Outra questão, mais delicada, foi a divulgação de uma conversa envolvendo a presidente da República. Isso gerou uma grande controvérsia até entre juristas e já foi particularmente tratada pelo ministro do STF Teori Zavascshi.

Como o senhor avalia o papel das redes sociais nesse contexto de crise? As redes sociais têm um papel relativo nesse contexto de crise. São relevantes e necessárias as postagens que repercutem informações apuradas com zelo e convenientemente elaboradas como material jornalístico. O mesmo se pode dizer quando manifestam a posição fundamentada de pessoas e grupos acerca de fatos e questões. O que é inadmissível é a enxurrada de postagens de origem duvidosa, questionável e, muitas vezes, com forte teor ofensivo à integridade moral de pessoas. Algumas delas são vinculadas a sites clandestinos, criados justamente para caluniar e difamar. Deve-se ainda atentar para uma situação polêmica. Uma das grandes conquistas promovidas pelas redes sociais é o que se chama de "quebra do monopólio do emissor", transferindo para o público uma condição que era exclusiva dos detentores do poder dos aparelhos de comunicação. Se essa conquista representou um saudável protagonismo dos receptores no processo de comunicação, ensejou, por outro lado, a crença de que o fazer jornalismo independe de técnicas e qualificações específicas, indispensáveis para a produção de um noticiário consistente.

Enquanto professor universitário, como o senhor avalia a posição das universidades diante desse momento político? O que me incomoda, e aqui falo como quem dedicou décadas ao ensino, pesquisa e extensão no campo da comunicação e do jornalismo, é a percepção de que a formação de profissionais está contaminada por orientações ideológicas e partidárias sectárias. Parece que predomina hoje no meio acadêmico, uma visão maniqueísta responsável por uma configuração polarizada entre o bem e o mal, ou, conforme expressões cunhadas recentemente, entre eles e nós. Ou será que o jornalismo empresarial, profissional se divide em duas alas, uma grande imprensa golpista e veículos e blogs porta-vozes do pensamento governista? Um confronto radical, por exemplo, entre as revistas Veja e Carta Capital. Não acredito nisso. Continuo a pensar que dentro de qualquer sistema há espaço para contradições e luta. Isso acontece dentro dos grandes jornais, das emissoras de rádio e de televisão. É o que no meu tempo de estudante denominávamos de brechas. Outro aspecto a ser ressaltado é que nas redações dessa grande imprensa, profissionais competentes, briosos, honestos zelam pela prática de um jornalismo íntegro. Ou quem trabalha na Globo, na Editora Abril ou na Folha de S. Paulo é uma mera marionete manipulável? Sou do tempo também em que o sonho de um estudante de jornalismo era conseguir uma chance nessas grandes empresas. Hoje parece que é vergonhoso sequer elogiar algum programa ou reportagem da grande imprensa. Ou, transpondo o raciocínio para domínios distintos, médicos não deveriam se filiar a planos de saúde e grandes hospitais, engenheiros deveriam recusar empregos em empreiteiras? Não, é preciso encarar a realidade e aproveitar as brechas oferecidas pelas contradições.

Qual sua opinião sobre as últimas manifestações anti e pró-governo? Foram acontecimentos muito relevantes e significativos, que mostram um avanço do sistema democrático no Brasil. A não ser alguns raros incidentes, as manifestações gigantescas foram pacíficas. Fico esperançoso em ver a sociedade sair às ruas para expressar pensamentos e preferências. É um sinal de que começamos um aprendizado essencial para a prática política, impedido por anos e anos de ditadura e só retomado esporadicamente em ocasiões especiais, como na campanha das Diretas-Já, durante o impeachment de Collor e nos protestos de junho de 2013.

Qual a melhor saída para o futuro político do país? O senhor acredita que o impeachment da presidente Dilma é a solução quando a operação Lava-Jato aponta que a maioria da classe política parece estar envolvida nesta promiscuidade entre empreiteiras, governo e partidos? O ideal para mim seria um período de transição até a realização, o mais breve possível, de novas eleições para a presidência da República. Não vejo um partido e nem lideranças políticas com credibilidade suficiente para simplesmente substituir a atual gestão. Na própria linha sucessória da presidente Dilma e mesmo entre oposicionistas, a maioria dos nomes está também sob suspeição declarada de envolvimento com esquemas de corrupção.

O senhor acha que a operação Lava-Jato vai chegar até o final, independentemente do estrago que possa fazer? Ou a classe política vai se encarregar de acabar com ela antes disso? Gostaria muito que chegasse até o final. Nunca se viu uma ação tão diligente e sólida com efeitos rápidos e transparentes. Para que prossiga, alcançando indistintamente empresas e políticos de diferentes partidos, precisa do apoio permanente da opinião pública para fazer frente aos movimentos que querem desconstruí-la. Bom mesmo seria que se tornasse um mecanismo permanente, tirando proveito da metodologia que se criou para apurar fatos relativos à corrupção. Essa, aliás, foi uma idéia que ouvi de um dos delegados da Polícia Federal integrantes da equipe.

Alguns especialistas têm defendido que a saída é a convocação de uma constituinte autônoma para fazer as reformas que o Brasil precisa, principalmente a reforma política. O senhor concorda? Concordo e penso que esse deverá ser o principal acontecimento em período de transição. Se não passarmos por reformas estruturais, sintonizadas com os interesses da sociedade, outras crises advirão. Não podemos ficar na dependência de um sistema centrado em um presidencialismo tão forte e, ao mesmo tempo, à mercê de conchavos inter-partidários que garantam apoio parlamentar. Temos também de nos livrar do culto a personalidades de perfil messiânico. Não devemos no deixar seduzir por "salvadores da pátria".

Uma pergunta difícil de responder, mas que não pode deixar de ser feita: Qual será o desfecho da atual crise? Dado o transcorrer tumultuado e imprevisto de todo o processo, creio ser impossível prever como se dará o desfecho. Não creio em solução definitiva. Seja qual for o desfecho, tudo aponta para uma fase de transição, na qual, mais do que nunca, a participação popular será decisiva à definição de rumos.

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