Laurentino Gomes: História contada em linguagem simples atrai os brasileiros


Entrevistas

José Venâncio de Resende0

fotoLaurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889. Foto Divulgação

Laurentino Gomes. Filho de pequenos cafeicultores do interior do Paraná, nascido em 1956 na cidade de Maringá (PR). Seu pai era mineiro de Brasópolis e sua mãe, paulista de Santo Anastácio. Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, com pós-graduação em Administração na Universidade de São Paulo. Tem quase 40 anos de carreira profissional. Trabalhou em alguns veículos importantes, como o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja. Como escritor, ganhou seis vezes o Prêmio Jabuti de Literatura com os livros "1808", sobre a fuga da familia real portuguesa para o Rio de Janeiro; "1822", sobre a Independência do Brasil; e "1889", sobre a Proclamação da República. "1808" também foi eleito o Melhor Ensaio de 2008 pela Academia Brasileira de Letras e acaba de ser publicado em inglês nos Estados Unidos. É membro titular da Academia Paranaense de Letras e mora em Itu, no interior de São Paulo, com a sua mulher Carmen. Tem quatro filhos e uma labradora preta, a Lua.

Nesta entrevista, Laurentino Gomes fala de sua obra (mais de dois milhões de livros vendidos) e da aceitação entre os leitores, inclusive estudantes, e revela duas novidades: acompanhar 20 estudantes, autores dos melhores textos sobre o 1808, em viagem a Portugal no próximo ano, e publicar daqui a quatro anos o primeiro livro da trilogia sobre a escravidão no Brasil.

 

Qual é o balanço que você faz do lançamento em Portugal do livro 1889? A repercussão foi a melhor possível. Já tinha lançado em Portugal os dois livros anteriores, mas nunca a acolhida tinha sido tão calorosa quanto agora. Observei muito entusiasmo e muita torcida pelo novo livro entre os leitores portugueses. Dei dezenas de entrevistas e participei de eventos em quatro cidades importantes – Lisboa, Porto, Vila Real e Belmonte. Também fiz uma sessão de autógrafos na Feira do Livro de Lisboa, que é muito importante e recebe milhares de pessoas. Acredito que não poderia ser melhor.

 

Como estão as vendas no Brasil do 1889? O livro foi lançado na Bienal de São Paulo de 2013. Até agora, em dois anos, já vendeu mais de 300 mil exemplares. Acredito que, nesse ritmo, logo conseguirá alcançar os dois irmãos mais velhos, 1808 e 1822, que já venderam bem mais do que isso.

Quantos exemplares já foram vendidos (em Brasil, Portugal e eventualmente outros países) da trilogia? O 1808 é o mais vendido? A trilogia vendeu ao todo mais de dois milhões de exemplares no Brasil, em Portugal e nos Estados Unidos. Só o 1808 vendeu mais de um milhão de exemplares e permanece há 240 semanas, não consecutivas, na lista dos livros mais vendidos no Brasil. É um recorde no mercado editorial brasileiro. O recordista anterior era “Estação Carandiru”, do Dr. Drauzio Varella, com 160 semanas na lista. Esse é também o livro que mais interesse tem despertado até agora, talvez porque seja o mais antigo, mas os outros dois tiveram também muito boa acolhida.

A que você atribui este sucesso? Acredito que o sucesso se deve a uma soma de fatores. Esses são livros-reportagens que tornam a história um tema mais acessível aos leitores graças a uma linguagem simples e fácil de entender. O tema História é um fenômeno importante no mundo todo, mas no Brasil, em particular, vivemos um período riquíssimo, de democracia e reconstrução das instituições nacionais. Acredito que, nesse ambiente, os brasileiros estão em busca de explicações para o país de hoje. E a história serve para isso mesmo, porque é um instrumento de construção de identidade. Uma sociedade que não estuda o passado não consegue entender a si mesma, porque desconhece as suas raízes. Só pelo estudo da história é possível compreender o presente e preparar as pessoas para a construção do futuro.

O que há de novidade na edição revisada e atualizada do 1808? A principal novidade é um capítulo sobre a criação do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves, que este ano, no mês de dezembro, completa duzentos anos. Essa foi a mais importante transformação ocorrida no Brasil nos treze anos de permanência da corte de Dom João no Rio de Janeiro. A rigor, pode-se dizer que em 1815, ano da criação do Reino Unido, o Brasil deixou de fato de ser colônia de Portugal porque assumiu um status semelhante ao de sua antiga colônia. Daí para a independência, em 1822, seria um caminho muito rápido. Além disso, atualizei e corrigi algumas informações. Os leitores terão, portanto, com esta versão revista e ampliada, um livro mais completo do que o da primeira edição lançada em 2007.

Como tem sido o trabalho com as escolas? E a aceitação dos alunos? Felizmente, os meus três livros já foram adotados como leitura de apoio por escolas públicas e privadas de várias regiões do Brasil. Observo que há um enorme interesse dos educadores por uma linguagem mais acessível, que ajude na difícil tarefa de atrair a atenção da garotada para o tema História do Brasil em sala de aula. Os estudantes reagem muito bem a minha linguagem. Por isso, fiz questão de publicar também edições juvenis dos três livros, para ajudar ainda mais esses estudantes. Há um público jovem que, aparentemente, não está lendo muito no papel, mas passa boa parte do tempo surfando na internet e é muito seduzido pela linguagem audiovisual. Para atingir esses novos leitores é preciso desenvolver novos formatos. Estamos em um novo século que pede uma nova linguagem e novos formatos capazes de atingir diferentes públicos. Eu uso intensamente as novas tecnologias em uma tentativa de chegar a novos leitores.

Os professores de história utilizam seus livros normalmente? A reação inicial de alguns historiadores já está superada? A reação entre os professores de História ao meu trabalho tem sido a melhor possível. Entre os historiadores acadêmicos enfrentei alguma resistência no começo, mas agora já passou. Acredito que historiadores e jornalistas têm muito a aprender uns com os outros. Historiadores podem ensinar aos jornalistas método e disciplina na pesquisa. Os jornalistas, por sua vez, tem contribuição de linguagem e estilo a dar no ensino e na divulgação do conhecimento da história. Há novos leitores no Brasil, o que impõe novas responsabilidades para nós, escritores, editores e distribuidores de livros. Temos de ser generosos com esse novo leitor, de modo a atrai-lo definitivamente para o fascinante mundo dos livros. O grande desafio é ampliar o interesse do público pela História sem banalizar o conteúdo. Essa é uma linha tênue e perigosa. Se o autor ficar só na superfície e na banalidade, o livro não oferecerá contribuição alguma, será irrelevante. Se, ao contrário, der um mergulho muito profundo, não conseguirá prender a atenção desse leitor menos especializado. Mas entendo também que esse é o desafio permanente do bom jornalista.

Parece que tem novidade para 2016? Um projeto que vai escolher 20 alunos com melhores redações para uma viagem a Portugal? O que você adianta? Este é um projeto ainda em andamento, mas espero que dê certo porque a ideia é muito boa. Centenas de estudantes de diversas cidades brasileiras vão ler e estudar o livro 1808 durante alguns meses. Depois, todos eles serão convidados a escrever uma redação sobre o tema. Os autores dos vinte melhores textos farão uma viagem em minha companhia a Portugal no segundo semestre de 2016. Serei, portanto, o cicerone deles por alguns dos lugares mais importantes relacionados à corte de Dom João, como o Palácio de Queluz e o cais de Belém, de onde os navios partiram para o Rio de Janeiro em 1807. Provavelmente iremos também a Belmonte, uma belíssima vila histórica situada na região de Beiras, quase na fronteira com a Espanha, onde nasceu Pedro Álvares Cabral. Estou muito entusiasmado com esse projeto.

Sobre o novo projeto, por que a escolha da trilogia sobre a escravidão no Brasil? Esse, infelizmente, é um tema ainda muito mal tratado na historiografia brasileira, repleto de preconceitos e distorções. Eu acredito que esse seja o tema mais importante de toda a História do Brasil. Tudo o que nós já fomos, somos hoje e seremos no futuro gira em torno das nossas raízes africanas e do uso da mão de obra cativa. Sem a escravidão o Brasil de hoje simplesmente não existiria. Foi a maneira encontrada por Portugal para ocupar e explorar uma colônia 91 vezes maior, em extensão geográfica, do que a pequenina metrópole. As consequências são profundas. Joaquim Nabuco dizia que não bastava abolir a escravidão, era preciso também educar, dar terras e oportunidades para os ex-escravos, de modo a incorporá-los na sociedade brasileira como cidadãos de plenos direitos. Isso jamais aconteceu. Basta ver as estatísticas atuais sobre as diferenças de tratamento e oportunidade entre negros e brancos em todos os níveis e aspectos da sociedade brasileira, e também a polêmica que envolve políticas públicas como as cotas para estudantes negros nas escolas e universidades. A escravidão é, portanto, um fantasma que nos assombra até hoje porque nos recusamos a estudá-lo e encará-lo mais a fundo.

Qual é o cronograma? Já começou as pesquisas? Além do Brasil, qual é o roteiro de pesquisas? Já comecei a pesquisar logo que lancei o meu último livro, 1889, mas só agora decidi anunciar isso publicamente. Nesses próximo anos, pretendo morar algum tempo no exterior, muito provavelmente em Portugal e nos Estados Unidos. Também farei viagens a África para conhecer os locais de onde partiam os navios negreiros e a outras regiões brasileiras para conhecer quilombos, museus e outros locais relacionados ao tema.

 

Quando será o lançamento do primeiro livro da nova trilogia? O primeiro livro deve sair em 2019. Ou seja, daqui a quatro anos. Infelizmente, não dá para publicar antes. Essa é uma pesquisa que não pode ser feita na correria. O método de trabalho será muito semelhante ao dos três livros anteriores. Começarei pela vasta bibliografia sobre o assunto. São centenas de livros já publicados, no Brasil e no exterior, o que me obriga a ser muito seletivo para não correr o risco de passar o resto da vida só na pesquisa sem nunca escrever nada. Depois vem a fase da reportagem, com visitas aos locais relacionados à história da escravidão, o que inclui os portos negreiros na África e os pontos de desembarque, comercialização e trabalho dos escravos no Brasil. Também pretendo entrevistar historiadores e outros estudiosos em museus e centros de pesquisas sobre o tema.

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