Mais de 500 anos de azulejaria em Portugal

Uma história fascinante que dura até hoje


Cultura

José Venâncio de Resende0

Azulejo com motivo islâmico

Mais de 500 anos de azulejo, sem interrupção, em Portugal. Uma dimensão artística para além do elemento simplesmente decorativo. O Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, é estratégico, faz a diferença em relação ao resto do mundo “porque o azulejo é uma arte identitária da cultura portuguesa”, resume Maria Antônia Pinto de Matos, diretora do museu.

Azulejo é uma palavra árabe (“azzelij” ou “alzuleycha”) que significa “pequena pedra polida” (peça de cerâmica geralmente quadrada em que uma das faces é vidrada). Os portugueses utilizam o azulejo de maneira diferente dos outros povos, diz Maria Matos. Daí porque usam sempre a palavra azulejo no sentido de modificar espaços, decorar, criar cenografias e efeitos de luz.

A exposição permanente do museu mostra a azulejaria do final do século XVI até hoje. A visita pode ser feita em dois percursos: o da azulejaria e o “conventual” (está instalado no antigo Convento da Madre de Deus, fundado  em 1509 pela rainha D. Leonor, mulher   do rei D. João II e irmã do rei D. Manuel I). Do antigo convento, restam claustro, igreja, coros baixo e alto e capelas da rainha D. Leonor e de Santo Antônio.

No início do século XVI, começou a difundir-se em Portugal o azulejo para decoração e revestimento de paredes, com “padronagens” nas técnicas hispano-mouriscas ou islâmicas (corda-seca e aresta). Os primeiros azulejos foram importados de Sevilha, por encomenda do rei D. Manuel, do duque de Bragança e do arcebispo de Coimbra, os dois primeiros para os seus palácios; o religioso, para paço do bispo na Sé Velha. “A cultura islâmica é deste modo o primeiro grande referente do uso do azulejo em Portugal...”. Também fizeram encomendas especiais na Espanha, o arcebispo e o duque, seus brazões; o rei D. Manuel, uma esfera armilar (instrumento de astronomia utilizado na navegação no formato do globo).

Em 1558, o duque de Bragança introduziu em Portugal o azulejo de Antuérpia, marcando assim a chegada do gosto maneirista ítalo-flamengo, concebido na nova técnica de faiança (que permitia alargar as possibilidades decorativas). O uso de técnicas hispano-mouriscas permaneceu, mas, ao longo do século, os motivos islâmicos de laçarias e encadeados geométricos foram substítuídos por “motivos europeus, com elementos vegetais e animalistas de cariz gótico e renascentista”.

Mas os portugueses desenvolveram o gosto por grandes revestimentos cerâmicos, não se adequando ao tipo de produção (pequenos paineis e grande preciosismo técnico) do azulejo importado de Antuérpia. Tanto que, na segunda metade do século XVI, iniciaram a produção própria em Lisboa. “A exemplo da importação de Sevilha, também as primeiras encomendas saídas das olarias portuguesas foram efetuadas pela nobreza e pela igreja, com uma natural continuidade temática.”

Padrões ao infinito

O século XVII foi caracterizado pela padronagem (padrões que se repetem até o infinito). Por exemplo, o padrão 12 x 12 precisa de 144 azulejos para se formar um módulo. “Nesta época, os azulejos eram policromos, nas cores azul, verde e amarelo, mas também se produziram de pintura azul sobre fundo branco. A multiplicidade de soluções e propostas de azulejaria portuguesa de padrão no século XVII não tem paralelo noutras produções europeias.”

A Igreja foi a principal responsável por encomendas de azulejos de repetição (opção de grande eficácia para a decoração das paredes dos templos). Exemplos são os painéis com representação de santos, cenas religiosas e simbólicas (inspiradas em gravuras europeias).

Também começaram a produzir-se em Lisboa frontais de altar (aves e ramagens), inspirados em têxteis asiáticos (sentido simbólico associado à Ressurreição). Este foi um período de encontro de culturas, assinala Maria Matos. Os frontais de altar foram influenciados por motivos assimilados pelos portugueses, em contato com China e Goa (Índia).

Outro destaque é a Capela de D. Leonor, cujos medalhões foram encomendados pela rainha à oficina dos della Robbia (escultores e ceramistas da Renascença italiana), em Florença. Ela também adquiriu uma série de obras (peças de pintura, iluminura, cerâmica, têxteis e escultura), tanto em Portugal quanto em Itália, Flandres e Alemanha.

A sala de D. Manuel, na nave da igreja primitiva do Convento da Madre de Deus, tem nas suas paredes painéis de temática franciscana, de autoria de Manuel dos Santos, um dos pintores mais importantes do “Ciclo dos Mestres” (1690-1725). Estes mestres eram pintores de formação que passaram a produzir paineis de azulejo e a assinar suas peças como artesãos.

O couro baixo da igreja caracteriza-se por azulejaria dos séculos XVI e XVII e aquela produzida por artistas do século XVIII. O interior da igreja representa o encontro do azulejo com a talha dourada. Atribui-se a azulejaria ao pintor holandês Willem Van der Kloet (1666-1747).

O clero e a nobreza encomendavam azulejos com, respectivamente, cenas religiosas e cenas profanas (caça, pesca etc.). Uma sala, no segundo piso do museu, retrata temas de caça, ao reunir azulejos do século XVII. No centro da sala, encontra-se uma mesa grande fabricada com madeira do Brasil e, no corredor ao lado, pode ser visto um lance de escada de 1650, oriundo do Convento de São Bento, feito com azulejos cortados em forma de losango.

A sala Santos Simões caracteriza-se pela azulejaria barroca, da primeira metade do século XVIII. Na segunda metade do mesmo século, surgem a azulejaria rococó (paineis com molduras assimétricas de recortes complexos, com concheados e folhagens inspiradas na talha) e pombalina (decoração rápida e econômica utilizada na época do Marquês de Pombal para a reconstrução de Lisboa depois do terremoto). Na parte inferior das paredes, aplicavam-se azulejos de padrão (as “padronagens pombalinas”, compostas por uma flor amarela dentro de moldura azul). Os centros formam uma flor castanha que é o elemento de ligação. O painel é rematado por cercadura que contém uma fita com folhas enroladas de acanto (arbusto espinhoso do litoral do mediterrâneo).

Outro destaque é a “Vista panorâmica de Lisboa anterior ao terremoto de 1755”, do início do século XVIII. Ao centro do painel está o casario espalhado pelos montes. Encontram-se ainda pormenores do cotidiano (comércio, movimento dos chafarizes, viagens em coches ou liteiras etc.). Na parte baixa, está a beira-rio com embarcações diversas, estaleiros navais e fortificações. Na parte de cima, o céu cheio de nuvens é recortado pelo telhado dos edifícios. Entre os destaques, a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerônimos, Palácio de Belém, igrejas e o Castelo de São Jorge, muito procurados por turistas. 

No século XIX, surgiram as fábricas de azulejo ao sul e ao norte do país (azulejos em relevo), e a azulejaria passou a cobrir a fachada dos edifícios. Também apareceu a “azulejaria de autores”, mostrando o surgimento de novas técnicas e a renovação do azulejo.

No acervo do século XX, vale a pena observar o painel “A ceifa” (em “faiança policroma sobre pó de pedra”), 1920, da Fábrica da Bempostinha, doado pela Padaria Independente de Lisboa.

 

 

 

   

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