Mala de Leitura de Munique aproxima filhos de brasileiros de língua e cultura


Cultura

José Venâncio de Resende0

Andréa com camisetas da Mala de Leitura e de Mães e Mulheres Brasileiras de Munique.

A “Mala de Leitura” de mães e pais brasileiros de Munique já está ganhando pernas. O projeto foi apresentado por Andréa Menescal Heath no II Simpósio Europeu do Ensino de Português como Língua de Herança (SEPOLH), entre 16 e 18 de outubro naquela cidade alemã, e fez o maior sucesso.

Tudo começou em 1998 quando Andréa matriculou seus filhos Frederick e Lydia Myrthes na Estrelinha - escola de ensino bilíngue (português e alemão) voltada a estimular o contato das crianças (em sua maioria, binacionais), fora de seu círculo familiar, com a língua portuguesa e a cultura brasileira. “Percebi que as mães e as professoras estavam falando português e alemão misturados.”

Andréa então decidiu procurar a coordenação da escola, sugerindo a introdução de sessões de leitura. As professoras liam para as crianças na hora do descanso, sem muita consciência do conceito pedagógico - de que a leitura era essencial para a aquisição e melhoria de vocabulário e para não falar as línguas misturadas.

Além disso, não havia o comprometimento dos pais, que continuavam misturando as duas línguas em casa, lembra Andréa. Mas não se tratava apenas de aquisição de vocabulário. Entra aí também a noção de conceitos. Por exemplo, “estação central” e simplesmente “estação” ou “centro” e “subúrbio”. Ou a questão da fala errada de palavras em alemão. Por exemplo, correio (Post) e salsicha (Wurst).

E Andréa concluiu: “As sessões de leitura e este processo de reconhecimento de que as professoras e os pais estavam misturando as línguas não eram suficientes”.

Da “Hora” à “Mala”. Para suprir estas deficiências, em 2010 Andréa começou com a “Hora da Leitura” uma vez por semana na Estrelinha. A ideia era que novos e diferentes livros em português fossem lidos para as crianças “de forma divertida, interativa e concentrada”. Temas variados seriam abordados, buscando, “sobretudo, passar para as crianças informações relacionadas à cultura brasileira e ao Brasil”.

Dois anos depois, em 2012, o projeto da Mala de Leitura de Munique surgiu, na mesma Estrelinha, a partir da busca pelo maior envolvimento dos pais. “Se a criança falava em alemão, é porque não tinha o correspondente em português”, constata Andréa.

A meta da Mala de Leitura seria viabilizar a aquisição e o aperfeiçoamento do vocabulário de pais e filhos. Ou seja, “possibilitar a expansão do vocabulário de cada criança na língua portuguesa para que ela possa dominar o nosso idioma de maneira abrangente”.

Além disso, buscava “estimular o prazer de ouvir histórias e a leitura entre as crianças”, por meio da “interação das crianças com o pai ou a mãe brasileira e/ou outra pessoa de referência na língua portuguesa, estimulando o diálogo em português dentro e fora de casa”. De “maneira prazerosa”, envolver a família no processo de aprendizagem da criança.

Empréstimo semanal. A Mala de Leitura passou a permitir o empréstimo semanal de livros em português para as crianças. “Elas escolhem da ´Mala´ os livros que querem levar para casa, realizam a leitura junto com os pais (ou pessoa de referência na língua portuguesa) e depois socializam o que leram com os colegas e professores.”

Andréa acredita que a Mala de Leitura veio para transformar, no sentido de não apenas ajudar as crianças como também conscientizar pais e professores da sua importância como fonte de vocabulário em português. De maneira que a criança possa “adquirir” o português da maneira certa e aprender o alemão da forma correta.

A língua materna é a língua-base, que impulsiona o aprendizado de maneira mais fácil, resume Andréa. “A alfabetização não acontece duas vezes.”

Quando a criança começou a levar o livro para casa, o vocabulário português começou a melhorar porque o pai se envolveu mais e se aproximou do filho. Recentemente, um pai brasileiro, casado com mãe russa e morando na Alemanha, procurou Andréa para saber o que poderia fazer – este é o caso típico de multilinguismo. Foi orientado a ler e se inscrever o mais rápido possível na Estrelinha.

Depois de um ano de Mala de Leitura, “houve melhoria impressionante no vocabulário das crianças”, observa Andréa. As crianças começaram a se expressar em português e passou a haver uma certa mudança de comportamento de professores e pais.

Grupo de Mães. Em 2013, essa experiência foi transmitida para um grupo de mães que surgia em Munique. Andréa ofereceu-se para fazer leituras para os filhos destas mulheres e acabou por sugerir que criassem um grupo de mães brasileiras, a exemplo do que já existia nos Estados Unidos. Uma delas, Andrea Barros, aceitou o desafio e as duas criaram o grupo que se propõe a ser mais real do que virtual.

Juntas conseguiram um espaço na Casa do Brasil de Munique, onde aconteceu, em Fevereiro de 2014, o primeiro evento da "Mala de Leitura de Munique de Leitura Infantil para a comunidade brasileira na cidade", do qual já participaram várias mães do recém-criado MBM – Mães Brasileiras em Munique. Este nome não durou muito, pela necessidade de acrescentar “Mulheres” no nome para dar conta das grávidas e das jovens futuras grávidas. A ideia do MBM seria agregar as mulheres imigrantes, ajudando-as a se sentirem bem no novo país e ajudá-las na educação bilingue das crianças.

Foi natural acontecer a parceria entre a Mala de Leitura e a MBM, que promove leituras mensais aos sábados e encontros de bebê às segundas-feiras.

“Mala” internacional. E a Mala de Leitura de Munique começou a ser “cobiçada” por outras partes da Europa e do mundo - passou a ser conhecida até nos Estados Unidos e no Japão. O projeto tem ajudado a impulsionar iniciativas brasileiras semelhantes de leituras e encontros com o objetivo de manter o português como Língua de Herança.

São exemplos as experiências da Casa do Brasil em Florença (Itália) e de Innsbruck (Áustria), este último país com a Mala de Leitura em Tirol. Além disso, o projeto apoiou a “Hora do Conto” em Dubai (Emirados Árabes Unidos), contribuindo para fortalecer o grupo local de mães brasileiras.

No II SEPOLH em Munique, surgiram novas associações interessadas em levar o projeto Mala de Leitura para seus países, como Irlanda, Holanda e Dinamarca.

Fonte inesgotável. A agenda de Andréa inclui, ainda, eventos de leitura, seminários sobre educação bilingue e oficinas de contação e leitura de histórias, que vão ganhando espaço inclusive fora de Munique. No começo de 2016, ela estará em Augsburg, vizinha de Munique, para ministrar uma oficina de contação bilíngue de histórias para mães de outras nacionalidades na biblioteca central daquela cidade. 

O próximo passo é impulsionar a criação de um grupo de mães brasileiras em Stuttgart (Alemanha) para leituras e brincadeiras. Mala de Leitura de Munique e MBM estão unidas nesse trabalho que acontece no dia 22 de novembro.

Andréa Menescal é formada em Relações Internacionais na UnB (Universidade de Brasília) e trabalhou mais de 15 anos na área de cooperação internacional em C&T no Brasil, antes de mudar para a Alemanha. 

Link: Mala de Leitura de Munique - Facebook: https://www.facebook.com/maladeleiturademunique

Tudo sobre o II SEPOLH Munique: http://www.jornaldaslajes.com.br/integra/cresce-na-europa-movimento-de-maes-imigrantes-pelo-portugues-e-a-cultura-brasileira-/1745/

 

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