Peregrino português lança livro com suas vivências no Caminho de Santiago de Compostela


Religião

José Venâncio de Resende0

fotoO peregrino e autor Agostinho Leal...

O livro “O Caminho sob o silêncio das estrelas” foi apresentado, no dia 12 de outubro,  no Posto de Turismo de Barcelos, pelo peregrino Agostinho Leal.  O autor do livro - que nasceu em Penafiel, é paraquedista e vive em Ovar - fez uma palestra sobre suas vivências no Caminho de Santiago de Compostela que resultaram num romance misto de ficção e realidade.

O livro é a “arte de rasgar a canivete com simplicidade literária o caminho rude da peregrinação pelas agruras da Língua e da vida interior mesmo nas circunstâncias difíceis do ´peregrino´ dos Caminhos de Santiago ou de Finisterra”, resume Luís Américo Fernandes no prefácio.

Agostinho foi para o caminho em 27 de junho de 2011. “Acabei por descobrir que o caminho que está aí pelo chão afora marcado com setas amarelas se mistura com o nosso próprio caminho.”

Mochila às costas desde a cidade do Porto, a primeira vivência de Agostinho foi no Rio Ave. No Albergue São Pedro de Rates, ele ouviu “Com esse peso todo, vais para Santiago”? “Carregado que nem uma besta – trazia uns 12 ou 13 quilos na mochila – parei para descansar e acabei por perceber que por vezes trazemos coisas a mais, trazemos coisas que não precisamos. E isso dá para transportar para a nossa própria vida. Geralmente carregamos mais do que aquilo que necessitamos, quer nas preocupações quer nas coisas que julgamos ser necessário todos os dias. Sei que há muitos peregrinos que não tem consciência disso.”

As experiências do caminho foram se sucedendo. A segunda lição é que Agostinho nunca tinha reparado que as pedras “antigas” do caminho, principalmente nas calçadas, tem histórias. “Nós somos capazes de ver que carroças e pessoas já passaram ali durante séculos; somos capazes de ver como essas pessoas viviam há 100, há 500 anos. E depois de entrar em igrejas, como as de Barcelos e São Pedro de Rates, aprendi a ver que há histórias inseridas nas pedras. Nós só temos de estar caladinhos e no nosso silêncio para ver as histórias nas pedras do caminho.”

Outra lição de vida tem a ver com a humildade. Ao chegar ao Albergue de Porriño, Agostinho encontrou um alemão, que já tinha feito peregrinação a Auschwitz (Polônia), de lá para Lourdes (França), de Lourdes para Santiago e ainda pensava em ir a Fátima. “Andava a peregrinar pela paz. Ele tinha um círio, uma vela enorme que, quando tinha alguém que lhe prestava atenção, ele acendia e pedia para orar pela paz. Aí eu verifiquei que nós pensamos que já somos alguém, mas somos muito pequeninos à beira de obras enormes que vemos outros fazerem.”

A chegada a Santiago de Compostela foi uma emoção vivenciada por Agostinho. “Uma coisa é ir a Santiago nas excursões, como se fazia antigamente; outra coisa é chegar lá com o sentido de peregrino e ver Santiago de uma forma diferente. Ver a catedral, ver as tais pedras e a história que nelas está inserida.”

Agostinho ainda constatou que, na pressa ao chegar a Santiago, não se vive o caminho como se deve viver. Tanto assim que, passado uma semana, o peregrino retornou ao caminho.

Novas vivências

Outra lição do caminho é que não se pode julgar as pessoas pela primeira imagem, pelo aspecto, pela aparência. No Albergue de Redondela, ao ser indagado se tinha passado por uma determinada pessoa no caminho, Agostinho respondeu: “Passei, sim!” “Aquele indivíduo já vinha de muito longe , acho que da Suiça, e tinha uma história fenomenal. Então, eu aprendi que passei ao lado de uma pessoa valiosa e, apenas pela aparência, perdi a oportunidade de ter conhecido esta pessoa. E aprendi que aquela primeira imagem que nos chega às vezes não é a mais correta… Ou seja, não podemos julgar as pessoas pelo aspecto.”

Depois do segundo caminho, Agostinho gostou tanto que decidiu fazer todos os caminhos. “Mas comecei a pesquisar e descobri 40 caminhos. Era impossível fazê-los. Então, decidi fazer os mais importantes.”

O peregrino começou pelo Caminho Inglês que era o mais curto e dava para fazer em cinco dias. “Foi fácil. Enquanto isso, preparava o Caminho Francês, que é aquela cereja em cima do bolo que todo peregrino adora fazer… É o caminho de todos os caminhos.”

Depois de fazer algumas pesquisas, Agostinho colocou a mochila nas costas e os pés no Caminho Francês. Ao descer o Monte del Perdón, ele passou por uma senhora “bastantes idosa, que tinha aspecto oriental”. “Eu disse ´bueno camiño´ e segui em frente. Cheguei ao Albergue de Obaños lá embaixo e soube que a senhora vinha a rasto. Ela deveria ter ficado em algum albergue mais para trás, mas estava tudo lotado. Era feriado e não havia transporte, não havia nada.”

Agostinho bem poderia ter ajudado a idosa a carregar a mochila. “Podia ter ajudado a senhora e eu, simplesmente com pressa de chegar, não liguei. Eu na época era um atleta de primeira, uma máquina mesmo. A partir daí, sempre que eu vejo alguém, tenha o aspecto que tiver, tenha a idade que tiver, eu paro para perguntar: ´Está tudo bem?´.” E ainda há pessoas que caminham durante todo o dia sem que tenham uma única palavra amiga. “É aquele momento que tem para dizer qualquer coisa ou pelo menos para ouvir alguém que lhe preste atenção.”

No albergue da Virgem del Camiño, logo depois da cidade de León, Agostinho vivenciou a lição da partilha. “Fui comprar meu jantar, esqueci do pão. Preparei a comida e dois peregrinos que estavam ao meu lado me perguntaram se eu queria pão. Não era grande, mas cortaram e me deram um pedaço de pão. Depois eu descobri que eram indivíduos que viviam no caminho, iam pedindo aqui e ali; um tocava harmônio, o outro recebia as moedas. Só tinham o que transportavam na mochila, me ofereceram tudo o que tinham. Se há coisa que eu gosto no caminho é partilhar.”

Em outra passagem, Agostinho cita o caso dos sete peregrinos que passaram por uma aldeia em adiantada hora, e não encontraram nada para comer. Ele se adiantou e preparou a “mesa” numa pedra que havia na beira do caminho. “Fizemos uma refeição com um pedaço de pão que já tinha dois dias, e chegou para todos. Portanto, o espírito de partilha sempre presente.”

Turismo religioso

Na subida do Monte Irago, Agostinho percebeu que o caminho não é só dos peregrinos. “Descobri um grupo de 20 a 30 turistas, bem vestidos, com umas mochilas pequenitas, todos com uma vieira nova, a subir o monte. Quando cheguei junto à mítica Cruz de Ferro, vi que tinha um autocarro à espera deles para levá-los para o hotel.”

Foi quando Agostinho constatou a invasão do caminho pelo comércio. “O caminho, infelizmente, está virado para o turismo, que é chamado religioso. Começou na Espanha e está a passar para o nosso país… As pessoas só vêem cifrões na frente.” Aparece alguém e muda a direção das setas. “Aí vem as Associações e põem as setas no lugar correto. Passados alguns dias, outra vez as setas são mudadas para o outro lado.” Muitas vezes, os peregrinos caminham quilômetros em linha reta, debaixo de forte calor… “Como não conhecem (o caminho), lá vão eles para a zona comercial.”

Na povoação de Alcete, logo depois do Monte Irago onde se situa a mítica Cruz de Ferro, Agostinho participou da “tal de ceia comunitária”, na qual geralmente se come “as lentilhas, (que) é o que ficou do dia anterior. As lentilhas que enchem e você fica com a sensação de que está bem jantado”.
Outra experiência de Agostinho foi com os “bicigrinos”, popularmente conhecidos por BTT (bicicleta adaptada para montanha), que nem sempre são apreciados pelos peregrinos. “Muitos peregrinos não gostam do pessoal das bicicletas porque pedalam com muita força.” Fez algumas aventuras na bicicleta. “Há uma passagem no livro em que os bicigrinos passam e alegram aquilo que é uma monotonia. Passam e põem aquilo tudo a mexer, põem o albergue de perna para o ar… dão alguma alegria. É o que acontece algumas vezes no caminho: aparecem os bicigrinos, lá se vai a introspecção; chega a alegria e reina alguma disposição.”

No Caminho Sanabrês, Agostinho andou vários dias sozinho, “sem ver outros peregrinos e por vezes sem ver ninguém nas pequenas povoações quase abandonadas. O isolamento fez-me sentir mais integrado na natureza”. Muitas vezes, o seu pequeno almoço (café da manhã) eram frutos silvestres de pomares abandonados, como maçãs e uvas. “Comia muitas amoras, que eram sempre frescas, grandes e muito saborosas, e pão velho do dia anterior.”

Caminhos próximos

Como não conseguia fazer todos os caminhos, Agostinho escolheu um mais próximo. “Fiz uma peregrinação por vários caminhos, não indo diretamente a Santiago, mas contornando e dando uma volta pelo norte de Espanha.” Foi de autocarro (ônibus) até Chaves onde enveredou pelo Caminho Português do Interior até Verin. “Em Verin, apanhei o Caminho Sanabrês em sentido contrário até à Via de la Plata em Benavente”, que seguiu até Astorga “onde apanhei o Caminho Francês que fiz em sentido inverso até León”. Nesta cidade, apanhou a Ruta del Salvador (Camiñno del Salvador) até Oviedo, de onde seguiu pelo Caminho Primitivo até Santiago de Compostela. “Foram cerca de 800 Km em 25 dias.”

Na Ruta del Salvador, Agostinho conheceu um grupo de peregrinos da Associação Espaço Jacobeus (AEJ), da qual passou a fazer parte. “A partir daí, nunca mais caminhei sozinho. Já tinha à volta de 3.500 km (percorridos)… Sempre vou para o caminho inserido num grupo.”

“No Caminho Primitivo, Agostinho encontrou novos amigos. Conheci vários peregrinos vindos uns de cada lado. Os meus amigos de Peniche foram embora, eu continuei o caminho e fiz novos amigos. O grupo cresceu… Juntamos dois grupos: o grupo “Caminhos da Alma”, da delegação de Barcelos e o grupo “Rumo a Santiago”, da delegação de Guimarães no qual eu fui. Os grupos juntaram-se e caminhamos juntos de Padrón a Santiago.”

Agostinho passou a caminhar a serviço da AEJ, quando então escreveu um relato de suas vivências. “O pessoal gostou muito do relato e surgiu a ideia de partir para o livro. O título tem apenas a ver com o fato de que, desde miúdo, gosto muito das estrelas, gosto de observar as estrelas. Ainda não pensava em escrever e já tinha o título.”

Personagens fictícias

No prefácio do livro, Luís Américo Fernandes destaca a exteriorização do autor “na suas personagens fictícias, passando das suas notas de viagem e memórias para o plano da criação romanesca… (Assim), deixo de falar do Agostinho que todos conhecemos como pessoa singular, estimada aliás, para a ficção e a narrativa literária que construiu e que para todos é uma revelação”.

Entre estas personagens, Luís Américo cita Mayte e Antón, na Via de la Plata. “A imagem mais pura que me fica desta leitura (que o autor quis que fosse de ´revisor atento e crítico´) é aquela em que Mayte, exausta e quase sem água no seu cantil, vê Antón descobrir ´por entre uma sebe de mato e silvas estorricadas´, pequenas melancias que apanha e metendo-lhes um pequeno canivete e cortando-as em pequenos pedaços lhos oferece dizendo: - toma, tal como a fome e a sede não têm dono, estes alimentos são uma dádiva da natureza.

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