Quem vive na divisa entre Resende Costa e Oliveira?


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André Eustáquio0

Propriedade de João Reis localiza-se na divisa de Resende Costa com Oliveira, Passa Tempo e São Tiago.

O município de Resende Costa possui extenso território de 618,312 Km2 , segundo dados do IBGE, e faz divisa com Lagoa Dourada, Entre Rios de Minas, Desterro de Entre Rios, São Tiago, Passa Tempo, Coronel Xavier Chaves e Oliveira. Um detalhe curioso: pouca gente talvez saiba que Resende Costa e Oliveira são municípios vizinhos. A divisa está localizada a pouco mais de cinco quilômetros do distrito de Jacarandira, na localidade de Ouro Fino, zona rural de Oliveira.

Percorrer um município tão vasto revela surpresas interessantes, como paisagens diversas, histórias de lugares e de pessoas. Na divisa dos municípios de Resende Costa, Oliveira, Passa Tempo e São Tiago, o JL conheceu o agricultor João Rios de Sousa, conhecido por João Reis. João tem 51 anos, mora com a esposa Marta Rezende Andrade e os dois filhos Cleiton Leandro Sousa, 20, e Wesley Henrique Sousa, 11, no Sítio Nascente do Rio Jacaré. O sítio da família de João Reis está localizado a aproximadamente 100 metros da divisa de Resende Costa com Oliveira, a 1 km da divisa com Passa Tempo e 3 da divisa com São Tiago. Mas, precisamente, a propriedade está situada no município de Oliveira, na região de Ouro Fino.

A inusitada localização da propriedade faz com que a família se divida entre quatro municípios. João Reis é eleitor em Oliveira, já a esposa Marta e o filho Cleiton votam em Passa Tempo, terra natal de Marta e onde moram quase todos os familiares do casal. “Em época de eleição vêm candidatos aqui de São Tiago, Passa Tempo, Resende Costa e Oliveira”, conta João. O agricultor nasceu próximo ao sítio onde construiu sua casa: “Nunca saí daqui”. Os dois filhos do casal nasceram em Resende Costa, mas foram registrados e batizados em Passa Tempo.

 

Agricultura familiar

O Sítio Nascente do Rio Jacaré é um exemplo de propriedade onde a agricultura é 100% familiar, seguindo o perfil dos agricultores, sobretudo os pequenos, do município de Resende Costa. Tudo que é cultivado na propriedade vai para o sustento da família e para a produção de biscoitos, principal atividade econômica da família Sousa. “Plantamos mandioca para fazer o polvilho, eucalipto para fazer a lenha e ainda colhemos ovos”, diz João. O que falta para a produção dos biscoitos, João compra em São Tiago e Passa Tempo. “A gente planta quase de tudo aqui, abobrinha, moranga, batata para o nosso gasto”. O que sobra, a família vende em Passa Tempo: “O povo gosta muito das coisas que vêm da roça, porque não tem agrotóxico”, observa João Reis.

Marta passa grande parte do dia na cozinha nos fundos da casa, preparando as massas e assando biscoitos. Torradinho (simples, de queijo e de fubá de canjica), rosquinha, biscoito de amendoim são algumas das delícias feitas no forno à lenha da dona Marta. O trabalho envolve todos os integrantes da casa, até a namorada do filho mais velho Cleiton, Luana, põe a mão na massa nos finais de semana. “Na sexta-feira busco ela em São Tiago e levo no domingo. Ela é quem vende os biscoitos em Passa Tempo, nos sábados”, conta Cleiton, que mora no município de Oliveira, foi registrado em Passa Tempo, namora há um ano com Luana, que mora em São Tiago. “Já tive uma namorada de Desterro de Entre Rios”, revela o rapaz, que já está adaptado a viver na fronteira de quatro municípios vizinhos. Detalhe: Luana trabalha durante a semana numa padaria em São Tiago, famosa cidade dos biscoitos.

Com a expansão da produção e a comercialização dos biscoitos em supermercados e padarias, João Reis teve que legalizar a produção. “Abrimos a firma ‘Biscoitos Santo Antônio’, que está registrada no nome do meu filho Cleiton”, diz João. Atualmente, toda a produção segue as normas exigidas, como selo nas embalagens etc.

Na cozinha de dona Marta existem dois fornos, um antigo de tijolos e outro moderno, movido a energia elétrica e lenha. João pretende desmanchar o forno antigo e adquirir outro moderno. “O mais antigo está praticamente desativado. Ele consome muita lenha. Com o outro, a produção é quase a mesma, mas o custo é menor”, explica o agricultor.

Duas vezes por semana, a família leva os biscoitos até Passa Tempo. Nas quartas-feiras, a entrega é feita em supermercados, bares e padarias da cidade; nos sábados os biscoitos são vendidos em domicílios. Além de Passa Tempo, somente Jacarandira e Belo Horizonte (a cada 15 dias) têm o privilégio de saborear os deliciosos biscoitos - como diz o povo, ‘com gosto da roça’ -, feitos pelas mãos talentosas da dona Marta. Vale ressaltar que grande parte dos biscoitos é feita com polvilho azedado no próprio sítio. “O povo sente a diferença e o sabor é outro, bem melhor”, destaca João Reis.

 

Viver na fronteira

A proximidade do casal João e Marta com Resende Costa se deu a partir do nascimento do filho mais velho. Após Marta iniciar o pré-natal em Passa Tempo, aconteceram alguns imprevistos que levaram o casal a se deslocar até Resende Costa. Uma pessoa amiga os incentivou a procurar o Hospital Nossa Senhora do Rosário. “Ficamos 15 dias em Resende Costa, na casa do senhor David, e fomos muito bem atendidos pelo doutor Paulo, que é nosso médico até hoje”, diz João, que vai a Resende Costa com a família apenas para consultas médicas e “às vezes comprar algum artesanato”.

Além da propriedade rural de aproximadamente três hectares, João mantém uma casa em Passa Tempo: “A minha família está toda lá”, diz o agricultor, que brinca ao se lembrar das duplas despesas e da geladeira nova que comprou em Passa Tempo: “Tenho que pagar duas contas de luz”. Em São Tiago, a família faz as compras do mês para a casa e para a produção dos biscoitos: “Lá o preço costuma ser melhor. A gente compra banha, óleo, polvilho e outras coisas quando falta aqui”. Indagado sobre o quê ele compra em Oliveira, João Reis é enfático: “De Oliveira só vem a fiscalização”, responde sorrindo.

Não conhecemos o filho mais novo do casal, Wesley, que estava estudando em Morro do Ferro, distrito de Oliveira. Apesar de estarem mais próximos de Resende Costa e Passa Tempo, a residência em território de Oliveira obrigou os meninos a se matricularem em escola do município. Os estudos são realizados em Ouro Fino (até o 5º ano) e depois em Morro do Ferro. A rotina não é fácil. Wesley acorda todos os dias às 04h40min da manhã para ir à escola: “É bem custoso, pois tem que acordar muito cedo. Chega no fim de semana ele está muito cansado”, diz João. Cleiton concluiu o 9º ano e não continuou os estudos.

A rotina da família Sousa não é diferente da dos inúmeros agricultores espalhados pelo vasto município de Resende Costa. Lida diária com o gado e com a terra, o incansável trabalho na casa e, especialmente, a produção de biscoitos. Segundo João Reis, todos os integrantes da família dividem o trabalho cotidiano: “Aqui todo mundo colabora um com o outro, não tem tarefa marcada não; porque se ficar tudo por conta dela (da Marta), ela não da conta”.

Não há muito tempo para diversão e para outras atividades além do trabalho no sítio. João conta que já foi convidado para participar dos conselhos comunitários em Jacarandira e Ouro Fino, mas recusou: “Não aceitei participar porque me falta tempo disponível para frequentar as reuniões”. O trabalho não da trégua nem durante os feriados: “Natal e dia de ano é quando a gente trabalha mais”, diz. A família, católica, frequenta as missas em Jacarandira e Ouro Fino. “Depende muito do dia em que a gente vai, mas a frequência é maior em Jacarandira”, disse João Reis.

A única atividade que tira João Reis do trabalho e lhe permite descansar é o baralho nas casas dos amigos e nas festividades de Santo Antônio, padroeiro de Ouro Fino. Ele exibe orgulhoso dois troféus conquistados no tradicional torneio de baralho de Ouro Fino, realizado em junho. O futebol é outro divertimento de João. Atleticano fanático, ele não perde nenhum jogo do seu time e ainda torce pelas derrotas do rival. “Aqui todo mundo é atleticano. Hoje está muito fácil torcer para o Cruzeiro perder e para o Galo ganhar”, brinca.

 

Planos futuros

 

João se sente feliz com a vida na roça: “Hoje em dia, a gente tem muita tranquilidade aqui na roça: colhemos quase tudo que precisamos e ainda conseguimos vender o que sobra do plantio”. A crise econômica afetou os negócios da família Sousa, especialmente entre maio e novembro de 2015. Antes da crise, a produção de biscoitos chegou a atingir 100 quilos de polvilho por semana, atualmente está em torno de 40 quilos por semana. “Com a crise, aumentaram os custos da produção e a gente não conseguiu acompanhar; não tivemos como aumentar o preço dos biscoitos. Antes estava bom de mexer, mas teve um momento que a gente quase desanimou”, revela João Reis, que planeja comprar mais um forno para aumentar a produção de biscoitos. “Isto se a crise deixar”, completa ele.

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