"Reino desunido" deixa a União Europeia e gera incertezas*

Não se pode estar sempre a dizer mal da UE e depois defender o sim. Não é credível


Entrevistas

José Venâncio de Resende0

fotoProfessor Antônio da Costa Pinto (Foto José Venâncio de Resende).

Um Reino desunido e fraturado – movido por uma campanha de medo e desinformação – decidiu, em 23 de Junho, votar pela independência ou saída da União Europeia (UE) – o chamado “brexit” (fusão dos termos “britain” e “exit”). A campanha pela saída centrou nas questões de imigração e soberania nacional.

Porém o resultado do plebiscito (52% contra 48%) esconde uma realidade. Quem votou pela saída foi o eleitor mais velho, mais pobre e da classe trabalhadora menos qualificada, lembra o professor Antônio Costa Pinto, investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) / Universidade de Lisboa.

No mapa global, a Inglaterra optou por deixar a UE; Escócia (62%) e Irlanda do Norte (56%) preferiram ficar. Já no mapa regional, zonas urbanas como a grande Londres votaram pela permanência; zonas desindustrializadas do norte da Inglaterra – que perderam indústrias tradicionais – e zonas mais rurais, pela saída. “Curioso é que muitas zonas anti-imigração têm pouquíssima imigração”, observa Costa Pinto. Votaram, na crença de que vão ter mais segurança social, mais liberdade...

O Reino Unido não pode ficar “com um pé dentro e outro fora” (da UE), advertiu a chanceler alemã Angela Merkel. À saída das reuniões do Conselho e da Comissão europeus dia 29, os principais líderes europeus pediram pressa ao Reino Unido para dar início ao processo de saída. Mas garantiram que não haverá exceção (caso da Escócia, por exemplo, que quer continuar na UE) nem concessões em relação às exigências para participar do mercado único (respeitar a liberdade de circulação de mercadorias, de serviços, de capitais e de pessoas).

O Reino Unido não está na zona Schengen (tratado de livre circulação de pessoas em 26 países europeus sem passar por controle de passaporte) nem na zona do euro. Costa Pinto enfatiza que o Reino Unido está no mercado único e na política de defesa (Nato-Organização do Tratado do Atlântico Norte). É na circulação de capitais que os britânicos poderão sofrer a maior baixa, pois 70% do mercado de euros passam pela City de Londres. “Se mudar para Frankfurt, será uma perda brutal para o Reino Unido.”

O professor do ICS acredita que as discussões serão difíceis, porque devem envolver tratados e acordos comerciais de todos os tipos, nos quais cada Estado-membro terá uma palavra a dizer. As negociações podem durar cerca de dois anos e, no final, o acordo terá de ser ratificado pelo Parlamento e Conselho europeus.

Ele acha provável que, no final, esta relação dúbia continue e os britânicos mantenham um pé dentro e outro fora da UE. Os políticos ingleses vão tentar o modelo do Espaço Econômico Europeu (área geográfica alargada) adotado pela Noruega, onde ficariam com as vantagens. “O Reino Unido sempre teve uma atitude muito singular, pedindo exceções, não aderindo ao euro... Muitos federalistas podem concluir que o De Gaulle (presidente francês) tinha razão quando vetou a Grã-Bretanha na década de 1960. Tudo vai depender do impacto econômico imediato. Se for grande, a UE vai tentar acelerar a saída do Reino Unido. Se não, a tendência será esperar.”

Nesta entrevista ao JL, Costa Pinto fala sobre as causas e consequências do Brexit. Ele é doutor pelo Instituto Universitário Europeu (1992, Florença), foi professor convidado na Universidade de Stanford (1993) e Georgetown (2004) e investigador visitante na Universidade de Princeton (1996) e na Universidade da California- Berkeley (2000 e 2010). Entre 1999 e 2003 foi regularmente Professor Convidado no Institut DÉtudes Politiques de Paris. Mais recentemente, dedicou-se ao estudo do impacto da União Europeia na Europa do Sul. É autor de mais de 50 artigos em revistas acadêmicas portuguesas e internacionais.

A crescente intolerância com a imigração (principalmente do Leste europeu) e a crise dos refugiados - que estariam tirando empregos e aumentando os gastos públicos - podem ser consideradas as principais causas do Brexit?  

Foi uma delas, a percepção mais do que a realidade, pois o voto pró-europeu venceu nas áreas com mais emigração como Londres, por exemplo. Mas foi apenas um entre vários fatores.

Entre as consequências do brexit, o sr. considera que possa haver um endurecimento, tanto no Reino Unido quanto na União Europeia, contra a imigração e mesmo contra a entrada de refugiados? Tende a aumentar a xenofobia, o racismo, a rejeição etc., inclusive contra imigrantes de países como o Brasil?

Esse endurecimento já é um fato, mesmo antes do brexit e é um dos fatores de sucesso dos partidos populistas na Europa. A emigração é percepcionada por muitos setores das sociedades europeias como uma ameaça ao emprego, aos seus direitos sociais, e também aos seus valores. Entre a emigração intra-europeia e a extra-europeia, a ideia de segurança das fronteiras nacionais voltou e é um tema de mobilização soberanista, mas muda bastante de País para País.

O sr. vê uma tendência ao recrudescimento dos movimentos nacionalistas, do isolacionismo tanto na UE quanto no Reino Unido? Um retrocesso na globalização?

Uma reação à globalização, sem dúvida. A liberalização tem sido naturalmente associada à diminuição salarial, ao aumento do desemprego e à diminuição dos direitos sociais e portanto o regresso ao soberanismo é mobilizador.

Outra consequência seria o impacto do brexit na recuperação econômica - que já ocorria de maneira muito lenta -, tanto no âmbito da UE quanto dos Estados Unidos, do Japão e de países emergentes? Os investimentos e a volta do crescimento econômico não podem ser prejudicados pelo aumento da incerteza e da instabilidade?

Sem dúvida, mas depende sobretudo do acordo que se irá estabelecer com a Grã Bretanha e da estabilização da UE.

E as consequências para outras regiões e países? O Mercosul e a União Europeia, por exemplo, estão há anos negociando um acordo de livre comércio... Este processo tende a ser prejudicado, tanto nos prazos quanto a sua abrangência?

Os acordos com países terceiros serão talvez adiados, mas ao mesmo tempo estas crises podem provocar saltos em frente na unificação de alguns... Ou seja, a uma Europa a "várias velocidades".

O sr. considera que este plebiscito do brexit foi um erro de avaliação política do David Cameron?

Sem dúvida. Aliás, a sua própria campanha foi muito duvidosa. Como disse um antigo presidente da União Europeia, não se pode estar sempre a dizer mal da UE e depois defender o sim. Não é credível.

Entrevista feita antes da indicação e posse de Theresa May para o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido

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