Rua Assis Resende: importante centro comercial de Resende Costa do início do século 20


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André Eustáquio e Alair Coêlho de Resende*0

Rua Assis Resende em fotografia do início do século 20

Uma foto de Resende Costa do início do século 20 mostra uma rua sinuosa, calçada precariamente com pedras irregulares, uma pequena casa onde funcionava uma padaria e um imponente casarão que abrigava o Hotel Mauro. A fotografia, datada do dia 7 de março de 1914, é da Rua Assis Resende, um dos poucos logradouros públicos de Resende Costa que ainda preserva seu nome original.

Quando o Povoado da Lage ensaiava seus primeiros passos só existiam moradores no Largo da Capela de Nossa Senhora da Penha.  Após longo tempo, começaram a surgir algumas casas atrás da capela e o povo passou então a se referir a esta nova via pública como Largo de Trás. Nesta época, alguns casebres começaram a ser construídos às margens da Estrada Real que passava pelos fundos das casas localizadas no Largo da Capela - atualmente rua Gonçalves Pinto, conhecida no passado por rua de Baixo. Em certo ponto da rua de Baixo, surgiu uma vereda, ladeira acima, que ligaria a rua de baixo ao Largo de Trás. Esta ladeira passou a ser chamada de O Beco, mesmo porque era o único beco que havia na Lage. Este beco é hoje a travessa Matilde Rios.

Na confluência do Beco com o Largo de Trás, na direção norte, começava um caminho rústico que ia em direção à Terra Caída, hoje rua Entre Rios de Minas. Às margens deste caminho começaram, no transcurso de anos e anos, muito morosamente, a surgir algumas pequenas casas, que abrigavam pobres indigentes. Este caminho foi então alargado e o povo, como contraponto à rua de Baixo, chamou-o de rua de Cima.

Nesta época, o povoado já era conhecido por Arraial da Lage que se desenvolvia “no cimo da pedra”, como diziam, e se canta hoje no Hino a Nossa Senhora da Penha, padroeira de Resende Costa.

A rua de Cima começou a se desenvolver descendo a ladeira e cruzando a Estrada Real, que se dirigia ao Beramuro; continuou rumo à Terra Caída e assim foi se alongando. O cruzamento da rua de Cima com a Estrada Real deu origem ao nosso famoso Quatro Cantos – cruzamento das atuais avenidas Monsenhor Nélson, Ocacyr Alves de Andrade e Rua Assis Resende – uma das mais célebres vias públicas de Resende Costa.

Com o correr do tempo, a rua de Cima recebeu o nome de Rua Assis Resende, numa homenagem a um dos mais ilustres cidadãos de Resende Costa: coronel Francisco Pinto de Assis Resende, um apaixonado pela Lage, próspero fazendeiro, proprietário da histórica Fazenda da Lage e um dos maiores benfeitores de Resende Costa. Era pai do primeiro administrador público de Resende Costa, recém-emancipada, e chefe do Executivo Municipal, cel. Francisco Mendes de Resende.

No dia 28 de julho de 1892, foi instalado o Conselho Distrital da Lage. A solene sessão de inauguração, presidida pelo coronel Francisco Gonçalves Pinto, aconteceu no Sobrado do Pinto, atual paço da Câmara Municipal. Das realizações do Conselho Distrital, destacam-se o reparo e calçamento de algumas ruas do Arraial da Lage, a abertura e iluminação à luz de lampião de outras, além de dar nomes às que já existiam, entre elas a Rua Assis Resende e a Gonçalves Pinto. Ambas as ruas ainda conservam os mesmos nomes.

 

Importante centro comercial

A Rua Assis Resende, no que tange à principal celebração religiosa de Resende Costa, representa, para nós, a verdadeira via sacra, já que por ela passam as principais procissões da Semana Santa. Até a década de quarenta, durante a Quaresma, todas as quartas-feiras havia a “via sacra de rua”, uma procissão que ia da Matriz à igreja do Rosário, descendo a Assis Resende, com as estações celebradas nos “passinhos”.

Já no início do século 20, a Rua Assis Resende tornou-se a principal via pública da vila, onde se situavam vários estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, destacando-se a primeira padaria, a primeira pensão (Hotel Mauro)e uma casa comercial de propriedade de Pedro Rodrigues de Resende Chaves, atualmente Supermercado e Padaria Sobrado. Este estabelecimento posteriormente foi adquirido por Ozório Chaves, passando a ser conhecido por seu nome de fantasia: Ao Nacional. O Ao Nacional mantinha um estoque variado: vendiam-se tecidos, calçados, armarinhos, produtos de beleza, ferragens, artigos para sapateiros, seleiros, alfaiates, costureiras, para indumentária masculina, feminina, infantil, artigos escolares, religiosos e até para confecção de urnas funerárias.

Na década de vinte, foi instalado na Rua Assis Resende pelo senhor Antônio de Assis Coelho, o Tonico do Chalé, o primeiro salão de bilhares de Resende Costa, no térreo do sobrado construído por ele, no qual, na parte superior, residia sua família. Este sobrado, que ainda existe, foi depois vendido ao senhor Joaquim Batista e hoje pertence ao seu filho Nelson Severino de Oliveira. A partir da década de trinta, o térreo do sobrado abrigou a Sapataria Santa Terezinha, de propriedade de Alberico Augusto dos Reis, o Bilico.

Ao lado da sapataria foi instalada, em cômodo especialmente preparado para este fim, uma moderna loja para venda de calçados importados, particularmente de Franca, SP. Sobre a porta de entrada desta loja foi colocada uma placa luminosa, com pisca-pisca, onde se lia: Empório dos Calçados. O proprietário também era o Bilico. Esta loja e sua placa luminosa – a primeira de Resende Costa – tornou-se uma verdadeira atração pública. À noite a rua se enchia de pessoas que queriam ver a “placa que piscava”.

Em frente ao Empório dos Calçados, aos fundos do jardim da residência do senhor João de Souza Maia, conhecido como Joãozinho de Souza, funcionava o Escritório de Administração da fábrica de manteiga da firma Souza Oliveira & Cia. Ltda. Esta firma, de propriedade do senhor José Benedito de Souza, mais conhecido como Juquinha de Souza e de seu cunhado Godofredo de Souza Oliveira, mantinha a indústria de manteiga no Curralinho do Andrade. Seu principal produto era a Manteiga Paquetá, vendida para o Rio de Janeiro.

A indústria de laticínios, que sempre foi muito forte em Resende Costa, administrativamente se concentrava na Rua Assis Resende, pois, além da firma Souza Oliveira & Cia. Ltda., outro escritório administrativo funcionava em uma rica e elegante casa no início desta rua, um dos mais belos exemplares do estilo colonial de Resende Costa, propriedade do fazendeiro Manoel Gonçalves Maia, popularmente conhecido como Sô Lilico Maia, proprietário da histórica Fazenda das Éguas. Com seu falecimento, foi sucedido na propriedade da casa por seu genro José Hilário de Resende, dono da fazenda do Rochedo. Ao lado desta casa o senhor José Hilário instalou o Escritório de Representação da Fábrica de Manteiga que mantinha em sua fazenda. Seu principal produto era a Manteiga Resendina, que era, inclusive, exportada. José Hilário mantinha representação comercial no Rio de Janeiro através do seu genro Sebastião Celso Silva, esposo de Dalva Resende Silva.

Muitas pessoas em Resende Costa ainda se lembram na Rua Assis Resenda da Alfaiataria do senhor Aquim Coelho de Resende, o Aquim do Lauro, considerado o maior empregador de Resende Costa até os anos sessenta. Ele chegou a empregar dezenove alfaiates. Na esquina da Assis Resende, com a Praça Mendes de Resende e entrada da travessa Matilde Rios, existiu um grande e confortável salão, sede da Congregação Mariana dos Homens Solteiros, da Cruzada Eucarística e da Banda de Música Santa Cecília. Posteriormente, este salão foi reformado para ser residência da família do senhor Acácio de Resende Maia. Tempos depois, com a mudança desta família para o estado do Rio de Janeiro, o primeiro Posto de Saúde de Resende Costa foi ali instalado. O primeiro médico que chefiou este Posto foi o doutor José de Alencar Teixeira. Hoje nesta casa reside a senhora Anália.

Outro famoso estabelecimento comercial que entrou para a história da Rua Assis Resende, e de Resende Costa, é a Farmácia Santa Terezinha, do farmacêutico Orozimbo José de Resende. Além de farmacêutico, Orozimbo foi talentoso músico e compositor. É de sua autoria uma das mais apreciadas valsas já compostas no Brasil: “Saudades de Ouro Preto”. Esta peça musical ele a compôs quando era acadêmico na Escola de Farmácia de Ouro Preto.

Orozimbo José de Resende, em parceria com o médico José Vilella da Costa Pinto, seu amigo e concunhado, desenvolveu e passou a produzir dois medicamentos que se tornaram muito conhecidos em todo o Brasil, já que graças às suas qualidades terapêuticas transpuseram fronteiras. Tratam-se dos medicamentos: MATERVIGOR e STRENUOL. Estes medicamentos alcançaram tanto sucesso que o doutor Orozimbo, que os produzia em laboratório anexo à sua farmácia, chegou a imprimir e distribuir, gratuitamente, para toda a região o Almanaque MATERVIGOR.

Infelizmente, esses medicamentos, que levavam o nome de Resende Costa a todos os rincões do Brasil, tiveram suas patentes vendidas a um poderoso Laboratório que passou a produzi-los e, depois, o que era a verdadeira intenção do Laboratório, mudou-lhes o nome, e assim, devem continuar no mercado.

Esta é a Rua Assis Resende, a via urbana que leva o nome de um dos mais importantes benfeitores de Resende Costa. No passado se destacou como importante centro comercial da vila. Hoje é testemunha histórica de feitos e empreendimentos que ditaram os rumos do desenvolvimento de nossa terra.

 

Fontes: Tradição oral e Memórias do Antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage – José Maria da Conceição Chaves (Juca Chaves), AmiRCo, 2014.

*André Eustáquio Melo de Oliveira e Alair Coêlho de Resende são membros da Academia de Letras de São João del-Rei.

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