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Bem-vindo, mal-vindo!

13 de Dezembro de 2009, por Rafael Chaves

Benevenuto não tinha esse nome à toa (e também porque, no momento, não me ocorre outro). Mas antes de saber o porquê do seu nome, preciso lhes dizer algumas coisas que ajudarão a elucidar, clarear, esclarecer.

Três coisas preocupavam e ocupavam Benevenuto: a sua botica, o seu corpo e sua mulher.

A botica era o que lhe dava o sustento e o reconhecimento. Benevenuto havia aprendido a macerar, misturar, encapsular e tudo o mais das ciências farmacotécnicas e farmacopéicas desde há muito quando, ainda adolescente, iniciou assessorando o seu pai, que, por sua vez, fora aprendiz de seu pai e assim sucessivamente, desde tempos imemoriais. E por não ter conhecido outro negócio, Benevenuto exalava aquele cheiro característico de remédio: misto de essências e extratos, de xaropes e álcoois, de pós e líquidos, de pomadas e supositórios. A imagem de Benevenuto se confundia com a da sua própria botica.

Exceto por uma coisa: o seu corpo. Benevenuto não era franzino e recurvado como convém a um boticário. Quando estava “atacado” despia-se do jaleco branco e comprido, deixando à mostra os peitorais volumosos detrás de uma camisa colada ao corpo e desabotoada até a ponta do externo, e os bíceps avantajados, ressaltados pelas mangas da camisa arregaçadas. Dizem que era possível, quando não havia clientes na botica, perceber Benevenuto fazendo gestos de auto-admiração, exibindo-se os músculos a si mesmo nos reflexos dos vidros das prateleiras de remédios, almofarizes, balanças de precisão, vidrarias etc. Benevenuto gostava de si mesmo, do seu corpo atlético.

A terceira paixão de Benevenuto era sua mulher. E que mulher! Linda, inteligente, fogosa, rebolante e possuidora de todos os melhores predicados que um homem pudesse desejar (Brad Pitt que o diga!). E por ser assim, tão perfeita, Benevenuto satisfazia-lhe todas suas vontades. Era ela quem andava em carro do ano, em roupas de marca e pendurada em jóias. Ninguém ouvira dizer um senão dela, de tão perfeita. Por onde passava causava suspiros, deixando no ar odores de seu perfume importado, infundindo pensamentos inconfessáveis.

Dito isso, das três paixões de Benevenuto e voltando à razão de seu nome, cabe contar que ele costumava chamar à sua casa alguns amigos, um de cada vez, para uma visita. Dizem que Benevenuto era um anfitrião de primeira. Oferecia aos convivas os melhores vinhos e as mais requintadas comidas, estas feitas por sua mulher, também cozinheira, ou melhor, gastrônoma de mão cheia. Mas depois que Dionísio assumia o controle da cena, para descontrole de todos, Benevenuto pedia licença aos dois – ao conviva e à sua mulher – e ia dar uma volta pela praça em frente a sua casa. Benevenuto retornava à sua casa somente depois que sua mulher, providencialmente, apagava a luz do corredor.

O que acontecia naquela casa, na ausência de Benevenuto, só Deus sabe, embora nossa mente humana possa calcular. Nenhum dos convivas jamais meteu as línguas nos dentes, não se sabe o porquê. Ou melhor, talvez porque alimentassem a esperança de serem chamados novamente ao banquete, quem sabe?

Certo dia a pequena cidade acordou em polvorosa. A notícia era a de que se dera, na casa de Benevenuto, um crime horribilíssimo, crudelíssimo e põe íssimo nisso! Benevenuto já fora, inclusive, recolhido ao grilhão para depoimentos. Diz-se que Benevenuto, ao chegar em casa, abatera um sujeito que lá encontrara, primeiro aos murros, depois a facadas e, por último, em misericórdia, a tiros. E de tal modo deixara o corpo do indivíduo que ainda não pudera ser reconhecido por ninguém. “Mas logo o Benevenuto, sempre tão cortês?!” era o balbucio que se podia reconhecer nas bocas das pessoas que, invariavelmente, levavam suas mãos ao rosto, em assombro.

Mais tarde, naquele mesmo dia, elucidou-se o crime. Benevenuto, sentado em frente ao Delegado, mãos algemadas postas sobre a coxa, músculos à mostra, roupa ensanguentada e, sem a menor demonstração de remorso, olhando fixamente um ponto em sua frente, repetia incessantemente:

- Mas eu não o convidei! Mas eu não o convidei! Mas eu não o convidei!...

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