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A Cor do Congado

19 de Novembro de 2015, por Larissa Resende Moreira

Padre Raimundo foi uma das grande lideranças e entusiasta da cultura afro.

O mês de Novembro foi inaugurado em Resende Costa pelo toque ancestral dos tambores de Congos, Moçambiques, entre outras bandas do congado que estiveram presentes na festividade anual em honra a N.S. do Rosário. Das intensas e vivas cores que cobriram as ruas da cidade, a cor predominante foi a cor negra da pele de seus congadeiros e congadeiras.

O congado é uma manifestação cultural e religiosa de matriz africana, mais especificamente oriunda da África Central, onde predomina o complexo etnolinguístico Bantu. O Catolicismo chegou ao Reino do Kongo no final do século XIV, junto às missões mercantis e catequéticas de Portugal que estabeleceram relações políticas e econômicas com o Manicongo, senhor daquela terra. A cruz e vários elementos do catolicismo foram incorporados no Congo às práticas religiosas que já existiam naquele espaço.

A explicação para essa incorporação está em um conceito antropológico cunhado pelo estudioso de África Paulo Farias, chamado “extroversão”, ou capacidade de assimilar aspectos culturais exógenos, de acordo com um interesse em receber coisas de fora e em retrabalhá-la com tudo que considera trazer ganhos para si. A cruz, por exemplo, foi incorporada como insígnia de poder nas mãos do Manicongo. Isso porque, na cosmovisão Bantu, a cruz já existia com outro significado, em um sentido metafísico e filosófico. No cosmograma bakongo, que consiste numa visão filosófica da existência do homem naquele complexo cultural, a cruz divide o mundo dos vivos e dos mortos, simboliza um portal entre as coisas físicas e as metafísicas, os ciclos do tempo. Como também, para o povo bakongo, a cor branca simboliza a morte, espíritos que se tornaram sagrados e que pertencem ao âmbito do divino, do elevado. Portanto, a pele branca dos santos levados pelos portugueses correspondia ao que alguns desses povos entendiam como divindades sagradas.

No Brasil, a maior parte de africanos escravizados tem origem no complexo etnolinguístico Bantu, (Congo, Angola e Moçambique). Aqui constituíram sociabilidades e reconfiguraram identidades, o que resultou no congado que hoje conhecemos.

A coroação de Reis e Rainhas que acontece todos os anos é uma rememoração dos antigos reinados do Congo e suas embaixadas. Os adereços não são apenas aspectos ornamentais, mas têm sentido sagrado. A forma de celebrar os santos que herdamos dessa matriz africana é com a força da palavra entoada e da dança junto ao som do tambor. A fé é praticada com alegria e festa. O mito que dá significado a essa prática no Brasil é de que N.S. do Rosário teria aparecido sobre uma pedra, em um rio, para um grupo de negros escravizados que, tocando os tambores, onseguiram levá-la para a senzala para protegê-los.

No período da escravidão, negros escravizados e libertos se reuniam em torno de irmandades do Rosário como forma de conseguirem recursos para alforrias, para enterros e para a construção de capelas. Infelizmente, hoje muitos párocos mergulhados em preconceitos, que ainda impedem congadeiros de celebrarem dentro das igrejas. É importante lembrar que muitas igrejas do Rosário em Minas Gerais foram construídas com labor e até dinheiro de negros associados em suas irmandades. Bem como, na verdade, toda a riqueza de Minas Gerais. Nossas ladeiras histórias e igrejas barrocas têm muito sangue negro.

O racismo se manifesta de diversas formas. Precisamos nos lembrar de que a Igreja Cristã, por muito tempo, condenou as práticas religiosas de matriz africana como pagãs. Esse quadro, com muita luta, vem se alterando, com a aceitação das Missas Afro como manifestações de um catolicismo que também é negro e de matriz africana. Hoje é preciso que todo resende-costense que deposita sua fé em N.S. do Rosário cobre o apoio governamental para a manutenção das bandas de congado da cidade.

Ao escrever sobre a congada de Resende Costa, não posso deixar de lembrar a figura do padre Raimundo, que lutou pelo respeito ao negro, ao congado e à sua forma ancestral de celebrar. Lembro-me de me emocionar ao ver padre Raimundo tocar um tambor de congado no altar da igreja de Santa Efigênia em Conselheiro Lafaiete, onde todos cantavam juntos: “Ê mamãe, abraça eu mamãe! Embala eu, mamãe! Cuida de mim...

 

Viva o congado! Viva o padre Raimundo! Viva a memória desta negra Minas!

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