A aventura do pianista Anderson Daher para fazer mestrado em Portugal


Perfil

José Venâncio de Resende0

O pianista Anderson da Mata Daher...

O resende-costense Anderson da Mata Daher, 28 anos, pianista correpetidor (aquele que acompanha instrumentistas solistas em recitais e concertos) e professor credenciado do Departamento de Música da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), está há pouco mais de um ano estudando em Portugal. Ele tem prazo de pouco menos de um ano (Setembro de 2016) para concluir o mestrado, que cursa na Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB).

O curso foi uma indicação do professor mineiro Paulo Álvares, que atualmente ministra aulas de música em Colônia (Alemanha) onde mora e no próprio IPCB. O curso atendia ao perfil procurado por Anderson, que queria um mestrado que proporcionasse equilíbrio entre pesquisa e performance (prática). “Além disso, eu queria um lugar quieto para focar bastante no instrumento”.

A matrícula no curso foi uma luta, lembra Anderson, que é filho de José Máximo e Maria da Conceição e neto de João Daher e Alzira Reis Daher. “Eu fiquei sabendo de última hora que o edital estava aberto. Eu peguei as músicas todas para fazer a prova num período muito curto. A prova constava do envio de um vídeo gravado das músicas pedidas e de uma entrevista via Skype”.

Anderson teve apenas três meses entre a tomada da decisão e o início do ano letivo. “Eu apostei que viria. Vendi meu carro, vendi o piano…”. Além da prova, tinha de providenciar os documentos formais e conseguir a licença na UFOP antes de pedir o visto de estudante no consulado. “Só que a UFOP estava em férias. Então, foi uma confusão, muita tensão, ansiedade”.

Ele submeteu o assunto ao Departamento e houve uma reunião na qual foi aprovado pelos colegas. “Passei um aperto muito grande no consulado, era muito papel. O visto chegou na semana em que eu ia viajar. Tive de comprar a passagem em cima da hora”. Anderson conseguiu chegar a tempo do início do ano letivo que começaria em Setembro.

 

“Estudo deliberado”

O projeto inicial seria uma pesquisa acadêmica sobre uma obra específica do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos, como aliás é o padrão. Mas Anderson mudou totalmente o projeto. “O meu projeto é um estudo deliberado do piano para o desenvolvimento da expertise musical”.

E ele tem uma explicação para isso. “Uma das coisas de que mais gosto, além de tocar, é ensinar a prática de piano, principalmente para alunos de curso superior. O meu projeto trata o estudo do piano de uma forma mais cognitiva”.

Anderson refere-se a “um estudo mais consciente, mais inteligente do instrumento. Um estudo deliberado é uma gestão de qualidade do tempo. A gente fica muito ansioso para tocar logo, e aí erra. A questão é ter inteligência na hora do estudo para alcançar uma performance de alto nível”.

 

Piano centenário

O cotidiano de Anderson é estudar em casa. Por isso, optou por morar numa quinta (espécie de casa de campo) nos arredores da cidade de Castelo Branco - região centro de Portugal, na Beira Interior Sul -, “onde tenho todo o sossego para estudar. Se quiser, posso estudar até de madrugada”. Além da pouca disponibilidade de espaço no IPCB, ele percebeu o inconveniente de ter piano na cidade, em casa ou apartamento. “Por isso, comprei o meu próprio piano”.

Depois de pesquisar bastante, encontrou um piano na cidade de Braga. “Logo que toquei”, disse, “É esse aqui”. O piano, da conceituada marca C. Bechstein, tem 105 anos, “mas apesar dessa idade eu gostei, primeiro, por causa da marca e também por causa do som e do estado de conservação. Foi o melhor que eu experimentei, apesar de outros mais recentes”.

No final do curso, Anderson pretende levar o piano para o Brasil. “Deve fazer parte da minha vida por um bom tempo.”

 

Cotidiano

Para se locomover entre a quinta e o IPCB (10 km), Anderson comprou um carro opel corsa modelo A (ano 1992) por 500 euros (cerca de R$ 1700 na época). Duas vezes por semana (às segundas e sextas) vai à Escola. “Quando o professor Paulo Álvares vem da Alemanha, aí é mais intensivo”.

Recentemente, Anderson começou um trabalho como professor de piano no Conservatório de Música da Covilhã (56 km de Castelo Branco) onde vai três vezes por semana (total de 18 horas semanais). Ele foi indicado pelo diretor da Escola para substituir a professora que está em licença-maternidade, e o trabalho deve ser concluído em Dezembro.

Anderson não pretende assumir novos compromissos de trabalho até o fim do mestrado. “Agora, é focar na escrita da dissertação. Sem esquecer que aqui é diferente do Brasil. A performance também conta na dissertação”.

 

Vinho caseiro

Além dos estudos, existe o trabalho na quinta, que não é pouco. Anderson divide a quinta com o colega brasileiro Danilo Reis, que cursa o mestrado na Escola Agrária. As tarefas da quinta abrangem a conservação da casa (três quartos grandes e um pequeno) e as “atividades agrícolas” – tratar dos animais (galinhas, patos, cabra, gato etc.) e plantar (tomate, alface, manjericão etc.).

Na última vindima (fim do verão), eles colheram vários baldes de uva e produziram cerca de 40 litros de vinho caseiro.

 

Experiências

Anderson conta que tem vivenciado experiências muito interessantes. A primeira delas foi o pânico em atender telefone, logo na chegada a Portugal. “Eu não entendia nada do que os portugueses falavam”.

Outra foi a falta de calefação para proteção contra o frio, que no inverno passado chegou a três graus negativos na região que fica perto da Serra da Estrela onde costuma nevar. “Aqui, só os edifícios mais modernos têm sistema de calefação, vidros duplos etc. Na quinta, só tem uma lareira na cozinha e aquecedor portátil nos outros cômodos, o que é insuficiente e caro. Uma das piores sensações que tive foi sentir frio na minha própria casa. Aí realmente era difícil para estudar”.

A terceira experiência é o acréscimo de alguns quilos por causa da culinária portuguesa. “Eu amo.”

 

Por fim, Anderson constata um certo equilíbrio que não existe no Brasil. “Em Portugal, energia elétrica, gás e gasolina são muito caros. Em compensação, coisas que no Brasil se valoriza são baratas. Meu carro, por exemplo, que já foi a Madri (Espanha) e voltou. Alimentação também, que inclui o vinho, é relativamente barata.”  

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário