A difícil vida em isolamento social: depoimentos


Saúde

José Venâncio de Resende0

Vanderlei com o violão em isolamento

O distanciamento (isolamento) social é um dos fatores de grande impacto na diminuição do número de infectados pelo novo coronavírus, disseminado por gotícolas, diz o médico-residente em São Paulo, João Roberto Resende Fernandes, em entrevista ao JL. Associado à higienização e ao uso de máscaras, é uma medida de prevenção essencial contra a doença para evitar o colapso dos serviços de saúde público e privado, alerta João Roberto: “O sistema de saúde brasileiro, mesmo antes da pandemia de Covid-19, já não conseguia atender a toda demanda, com poucas vagas de terapia intensiva disponíveis.”

Nesta edição, o JL ouviu algumas pessoas sobre a experiência de viver em isolamento social. A psicóloga Kátia Valéria Gomes, de Resende Costa, observa que ficar em casa, sem estar em férias, exige “que tenhamos uma rotina, senão nos perdemos no tempo”: fazer atividades físicas, assistir a filmes e séries, ler, jogar e conversar. “Nosso equilíbrio emocional depende muito, principalmente neste momento, desses fatores”, diz a psicóloga.

A psicóloga Jane Resende, sócia-fundadora do Centro de Terapias Integradas (Cetin), em São João del-Rei, diz que, “de uma forma ou de outra, estou sempre trabalhando”. “Em minha profissão, cuido das pessoas; agora estou tendo tempo para mim. Acredito que tudo isso tenha um propósito espiritual. Aguardemos.”

O professor Jonathan Nathan Alves, da Escola Chave do Saber, em São João del-Rei, não interrompeu suas atividades, mesmo em casa. Além de “pensar em muita coisa ao mesmo tempo” e ajudar as pessoas “na medida do possível”, trabalha a distância com seus alunos, “cada um na sua casa. Fizemos várias cartinhas de amor, esperança, fé e agradecimento para as áreas da saúde, supermercado e serviços essenciais.” 

Vanderlei Cardoso, da Biscoitos São Tiaguense, e seus funcionários estão trabalhando três dias na semana na fábrica para garantir a entrega em varejões e supermercados. “Fico angustiado ao chegar a lugares onde faço vendas e ver as lojas, bares, restaurantes, hotéis fechados, ruas vazias. Por exemplo, Resende Costa.” Antes, nos fins de semana, ele “adorava ver as pessoas dançando e curtindo (nos shows com a sua Banda de Forró); agora, para passar o tempo, toco o violão e canto sozinho em casa.”

Além da ansiedade, muita reflexão e união em casa, a psicopedagoga Ângela Santos, de Resende Costa, tem realizado “algumas atividades de que gosto muito para aproveitar o tempo, como fazer crochê e biscoitos no forno a lenha”. E retomou suas atividades laborais em plataformas on-line, “o que ajuda a aliviar as angústias desse tempo de tantas incertezas.”

Esta situação de “isolamento mexe muito com o nosso emocional”, acrescenta a supervisora financeira Patrícia Inês dos Santos, de São João del-Rei. “Tem dias angustiantes, depressivos e muita ansiedade para que isso tudo passe logo. Mas temos que acreditar, confiar e ter fé que logo vai passar.”

A prioridade da turismóloga são-joanense Betânia Nascimento Resende, neste período de quarentena, “tem sido meu processo de autocura. Tenho buscado ler, meditar, orar e cada vez mais me entender. O tempo maior com meu esposo, mãe e filhos tem nos ensinado a nos respeitar mais.”

Depois de três anos, a vendedora e compositora de samba-enredo Jussara Marcelino foi obrigada a umas “férias forçadas” que culminaram com a demissão porque a loja vai encerrar as atividades. “A gente fica preocupada com tudo… Por outro lado, estamos mais próximos dos nossos familiares, o que antes era mais difícil. A pandemia impôs uma aproximação forçada... apesar de não conseguir relaxar totalmente. Afinal, o lado financeiro vai pesar muito nos próximos dias e meses. Vamos com fé e esperança que dias melhores virão.”

A escritora Maria Claret Resende destaca o medo de ter o dinheiro e não ter onde comprar o alimento, de ter o alimento e não ter o dinheiro; de faltar o remédio necessário para aqueles que fazem uso contínuo; de faltar o dinheiro público frente a cada movimento das estatísticas da pandemia. “O povo se desorienta e clama pela liberdade de continuar sendo o homem do ontem. Aquele que não tinha medo do inimigo invisível e selvagem.”

Também Maria Aparecida de Resende (Cida), que não tece há dois meses, refere-se ao medo das pessoas. Muita gente de máscara na rua, exigência de máscara no banco, fila de entrada no mercado e o temor de não superar a crise. “As coisas estão todas paradas, a gente não está vendo muita luz no fim do túnel. Só Deus na vida da gente! E temos que nos cuidar muito.”

Diante dessa situação, o ativista social Air Souza Resende vai tocando a vida como pode, com idas ao sítio, exercícios de pilates, leituras, internet e acompanhamento de noticiários de TV. Só não escreve seus artigos porque o jornal também se encontra em “quarentena”. “Como membro da AMMASDELREI, estou acompanhando os acontecimentos relativos aos trabalhos preventivos à Covid-19 e à aplicação dos recursos liberados.”

A gerente administrativa do Café Soberano, Patrícia de Oliveira Baccarini, diz que tem saído de casa só para trabalhar. A fábrica está funcionando de porta fechada e o pessoal da produção usa apenas moto própria e carro da firma para se deslocar. Já os vendedores ficam menos na rua, tentando vender por telefone.

Veja a íntegra dos depoimentos:

Kátia Valéria Gomes, psicóloga em Resende Costa

“Vivencio esta crise causada pela pandemia de Covid-19 com apreensão, pessoal, social e profissional. Ao nível pessoal, é difícil ficar em isolamento social por conta própria; afinal, ninguém nos está obrigando. É para segurança de todos. Ficarmos em casa, sem estarmos em férias, não é um processo usual para muitos de nós que trabalhamos fora. Faz-se necessário que tenhamos uma rotina, senão nos perdemos no tempo. Fazermos atividades físicas dentro do possível, é muito importante. Nos divertirmos, assistindo a filmes, séries, lendo, jogando, conversando, interagindo com nossos familiares que estão próximos ou através dos meios de comunicação, seja o que melhor nos agradar. Nosso equilíbrio emocional depende muito, principalmente neste momento, destes fatores.

É preciso enxergarmos a pandemia com seriedade. Este vírus não é brincadeira, mas, precisamos continuar vivendo. Pois, quando este momento passar, retomaremos nossos trabalhos e vida social. Sabemos que muitos profissionais estão na linha de frente com pacientes infectados em hospitais, Samu, farmácias, limpeza, transporte, funcionários de supermercados e tantos outros. Estes precisam sair do isolamento para uma causa maior. Temos outros tantos sem empregos e passando por necessidades. Não temos como não nos sensibilizarmos com tantos acontecimentos. Vivemos uma mudança de valores que não tínhamos vivido antes. Uma nova ordem. Saúde emocional é fundamental para que consigamos reagir a este momento. O Conselho Federal de Psicologia autorizou atendimentos virtuais, já há algum tempo. E hoje, mais do que nunca, enxergamos a necessidade deste procedimento.”

Jane Resende, psicóloga, sócio-fundadora do Cetin (Centro de Terapias Integradas), São João del-Rei

“Sou uma pessoa que, de uma forma ou de outra, estou sempre trabalhando. Saio cedo de casa e só volto a noite; então ter sido ´parada´ de repente foi estranho. Tenho o privilégio de morar em um lugar amplo e ensolarado e isso facilita estar em casa. No inicio foi descanso físico mesmo, depois reflexão, oração e busca pelo entendimento. Em minha profissão, cuido das pessoas; agora estou tendo tempo para mim. Acredito que tudo isso tenha um propósito espiritual: aguardemos.”

Jonathan Nathan Alves, diretor da Escola Chave do Saber, São João del-Rei

“Neste período de isolamento social, estou pensando muita coisa ao mesmo tempo. De início pensei muito na minha vida, nos meus projetos, refleti sobre os meus trabalhos no dia a dia. Agora, já estou preocupado como anda a atual situação da saúde, preocupações com as pessoas que estão passando por ´apertos´ financeiros, aqueles que precisam de ajuda. Na medida do possível, me propus a ajudar e fazer o melhor. Com meus alunos, estamos trabalhando a distância, com atividades cada um na sua casa. Fizemos várias cartinhas de amor, esperança, fé e agradecimento para as áreas da saúde, supermercado e serviços essenciais. O trabalho continua cada um na sua casa, mas não perde o amor envolvido pela educação.”

Vanderlei Cardoso, microempresário, proprietário da Biscoitos São Tiaguense

“Eu acabei ficando uns dias direto em casa, do dia 21 de Março até 2 de Abril, e dei férias coletivas para os servidores que trabalham comigo. Mas, como faço entregas em vários varejões e supermercados, voltamos a trabalhar três dias na semana, porque produtos de alimentação não podem faltar na mesa de nossos amigos e clientes. Fico triste e desolado, preocupado com contas à pagar, com minha saúde e de meus familiares, amigos, funcionários. No dia em que dei férias coletiva, vi a tristeza e preocupação dos funcionários, medo de perder o emprego, tem pessoas que trabalham comigo há mais de 20 anos. Fico angustiado de chegar em lugares onde faço vendas e ver as lojas, bares, restaurantes, hoteis fechados, ruas vazias. Por exemplo, Resende Costa, que é uma das cidades mais movimentadas de nossa região e maioria das pessoas vivem do artesanato. Eu sempre fazia vendas nas ruas a varejo, agora tenho feito maior parte nos comércios. Mesmo assim, tem clientes que não estão trabalhando, estão com medo, estão seguindo a quarentena.

Nos finais de semana, costumava fazer uns shows com nossa Banda de Forró, adorava ver as pessoas dançando e curtindo; agora, para passar o tempo, toco o violão e canto sozinho em casa. Eu peço a Deus que dê inteligência aos cientistas para descobrir a vacina, remédio que possa evitar a covid-19. Peço a Deus que dê inteligência aos nossos governantes, para manter a segurança de nossa gente. Peço a Deus que proteja à nós, aos enfermeiros, médicos e todo pessoal da linha de frente.”

Ângela Santos, psicopedagoga, funcionária de secretaria de escola no Estado de Minas Gerais, Resende Costa

“Então, este tem sido um período de muita ansiedade, mas também de muita reflexão e união em casa. Tenho realizado algumas atividades que gosto muito para aproveitar o tempo, como fazer crochê e biscoitos no forno a lenha. Minhas filhas e eu também estamos assistindo a vários filmes de comédia. Além disso, desde ontem estou retomando minhas atividades laborais em plataformas online, o que ajuda a aliviar as angústias desse tempo de tantas incertezas. Tenho esperança de que tudo melhore em breve e que todos possam retomar suas atividades em breve.”

Patrícia Inês dos Santos, economista, supervisora financeira, São João del-Rei

“Estou em isolamento social em casa. Estou de férias desde o dia 02 de abril. A princípio seriam 15 dias. No entanto, foram prorrogadas por mais 15; aliás, para a maioria dos funcionários. Minhas férias seriam em Maio. Já estava planejando viagem. Mas fazer o quê, né. São as adversidades da vida. Estou evitando ao máximo a saída, mesmo por que meus pais são idosos e meu pai é do grupo de risco. Saio mais para ir ao supermercado, buscar água ou outra coisa que precisa. Como sou doadora de sangue e vi que o estoque está baixo essa semana, fiz a doação. Acho que não só comigo, mas esse isolamento mexe muito com o nosso emocional. Têm dias angustiantes, depressivos e muita ansiedade para que isso tudo passe logo. Mas temos que acreditar, confiar e ter fé que logo vai passar. Deus está sempre no comando de todas as coisas.”

Betânia Nascimento Resende, Turismóloga, especialista em Gestão Estratégica de Políticas Públicas, Instrutora de formação profissional no SENAC/MG, São João del-Rei

“Acredito que esta pandemia veio para aprimorar nosso olhar, ensinar-nos a viver cada instante da vida com a verdadeira plenitude que lhe cabe. No meu entendimento não é uma situação qualquer, pautada apenas no plano físico. Ela é muito mais que isso. É uma grande oportunidade que a humanidade está tendo para se curar. Quando não conseguimos aprender pelo amor, o caminho da dor vem para nos ensinar as lições que precisamos assimilar. Então, minha prioridade neste período de quarentena tem sido meu processo de autocura. Tenho buscado ler, meditar, orar e cada vez mais me entender. O tempo maior com meu esposo, mãe e filhos tem nos ensinado a nos respeitar mais. O tempo que estou tendo para observar cada um deles está me ajudando a enxergar o que precisamos trabalhar para evoluir ainda mais. A convivência familiar tem sido bem harmônica. Lógico, que em determinados momentos há um pequeno conflito e outro, mas são etapas que nos mostram justamente onde precisamos melhorar. Estou aproveitando também para fazer alguns cursos e produzir alguns projetos pessoais que estavam parados.”

Patrícia de Oliveira Baccarini, gerente administrativa do Café Soberano, São João del-Rei

“No Café Soberano, estamos trabalhando de porta fechada. O pessoal da produção ficou uma semana afastado, mas depois que retornou ao trabalho nenhum deles pega ônibus ou moto-táxi para chegar até a fábrica; eles estão usando moto própria ou carro da firma. Os vendedores têm procurado vender uma quantidade maior aos clientes para não precisarem trabalhar todos os dias; estão ficando menos na rua, tentando vender por telefone. E o supervisor de vendas ajuda nas entregas. Quanto a mim, tenho saído de casa só para trabalhar.”

Jussara Marcelino, vendedora, compositora de samba-enredo da escola de samba Bate Paus, São João del-Rei

“Esse confinamento está bravo! A gente fica em casa, faz umas coisinhas, faz outras. Eu já tinha três anos que não tirava férias. Então, aproveitei para colocar umas coisas em ordem em casa. Mas chega num ponto em que a gente não tem mais o que fazer. Você já fica doido para voltar pra trabalhar. Mas é complicado, vamos ver o que vai dar esse fechamento. A gente fica preocupada com tudo, com a situação, com dinheiro etc.; acabo de saber que eu e todos os meus colegas de trabalho fomos demitidos porque vão fechar as duas lojas. Por outro lado, estamos mais próximos dos nossos familiares, o que antes era mais difícil, afinal cada um tem as férias em períodos diferentes... A pandemia impôs uma aproximação forçada, porém está sendo muito bom. Apesar de não conseguir relaxar totalmente, afinal o lado financeiro vai pesar muito nos próximos dias e meses, vamos com fé e esperança que dias melhores virão!”

Maria Claret Resende, escritora, Resende Costa

“O que me entristece é o medo, porque já tivemos o exemplo no exterior e, ao mesmo tempo, somos espreitados pelo capitalismo. Fomos educados a juntar capital, por tradição. A sociedade nos cobra a ganância. Possuindo um grande capital, seremos vistos dentre sociedade, feito homens que pensam no futuro. Hoje, o futuro precisa ser avaliado com cautela e necessitamos esquecer a tradição da riqueza. - Tenho medo de ter o dinheiro e não ter onde comprar o alimento. - Tenho medo de ter o alimento e não ter o dinheiro. - Tenho medo de faltar o remédio necessário, para aqueles, que fazem uso contínuo. - Tenho medo que nos falte o dinheiro público, por viés político e guerras partidárias, que se acrescentam a cada movimento nas estatísticas da pandemia. O povo desorienta e clama pela liberdade de continuar sendo o homem do ontem. Aquele que não tinha medo do inimigo invisível e selvagem. A ciência veio nos mostrar a verdade! Somos culpados? Talvez sim, talvez não. A extinção da raça pode acontecer. Talvez serei culpada, se omissa for ao isolamento. Se os líderes mundiais não se reorganizarem numa política de consciência, o meu futuro estará improvável, para que renasça em mim o novo homem. Que este novo homem seja capaz de ser o progenitor de uma consciência, baseada que a vida aqui na terra valha mais que ouro ou guerra. Só assim seremos humanizados e perderemos o medo de sermos extintos.”

Air Souza Resende, agricultor e ativista social, São João del-Rei

“O meu confinamento consta de ida ao sítio pela manhã ou a tarde, exceto nas terças e quintas que eu reservo para exercícios de pilates. Os demais horários disponíveis dedico a leituras, internet e acompanhamento de noticiários de TV. Escrevo para o jornal Tribuna Sanjoanense que se encontra tambem em ´quarentena´. Como membro da AMMASDELREI (Associação dos Movimentos Sociais, Moradores e Amigos de São João del Rei), estou acompanhando os acontecimentos relativos aos trabalhos preventivos à Covid-19 e à aplicação dos recursos liberados. Outra preocupação é quanto à posse do novo Conselho Municipal de Saúde, em São João del-Rei, que até agora não ocorreu apesar de ter sido eleito no dia 6 de dezembro de 2019.”

Maria Aparecida de Resende (Cida), tecedeira, Resende Costa

“Estou há dois meses sem tecer porque a Dora (compradora) parou de encomendar. Ainda tenho uns 200 tapetes em casa para entregar. Eu e o Tião (Sebastião) temos ficado a maior parte do tempo na roça (sítio e venda na Restinga de Baixo). A gente vem à cidade, resolve algumas coisas e volta. Temos galinhas e porcos para tratar. Esse tempo, não tenho feito nem tira-gosto porque não está vendendo nada. As pessoas estão com muito medo. Na rua, tem muita gente de máscara; nos bancos tem que ter máscara; nos mercados, deixam entrar pouca gente de cada vez. Eu não sei o que vai ser no futuro. As coisas estão todas paradas, a gente não está vendo muita luz no fim do túnel, não. Muita gente, como donos de artesanato, não sei se vai superar essa crise. Só Deus na vida da gente e temos que nos cuidar muito.”

 

 

 

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