A guerra e o indestrutível instinto pré-histórico do homo sapiens


Editorial

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Em seu livro Homo Deus – Uma breve história do amanhã, Companhia das Letras, 2015, o historiador israelense Yuval Noah Harari revela-se incrédulo em relação à possibilidade de uma guerra em pleno século XXI. “A palavra ‘paz’ adquiriu um novo significado. As gerações anteriores pensavam na paz como ausência temporária de guerra. Hoje a vislumbramos como a implausibilidade da guerra. Em 1913, quando se falava que havia paz entre a França e a Alemanha, o que se queria dizer era que, ‘no presente, não há uma guerra entre esses países, mas ninguém sabe o que nos aguarda no próximo ano’. Quando hoje se afirma que há paz entre a França e a Alemanha, sabe-se que é inconcebível, em quaisquer circunstâncias previsíveis, eclodir uma guerra entre essas duas nações. Uma paz assim prevalece não apenas entre a França e a Alemanha, mas entre a maioria (conquanto não todos) dos países. Não existe um cenário para que uma guerra séria ecloda no ano que vem entre a Alemanha e a Polônia, entre a Indonésia e as Filipinas, ou entre o Brasil e o Uruguai”. Para ser assertivo em seu prognóstico, Harari se esqueceu, porém, de combinar (ou de consultar) com os russos, especificamente com Vladimir Putin.

Contrariando o vaticínio do historiador israelense, autor do best-seller “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, Putin invadiu a Ucrânia no dia 24 de fevereiro de 2022! A população de um dos maiores países da Europa e que faz fronteira com a Rússia – compartilhando, ambos os países, história, cultura, mas também ódio, conflito e hostilidades – acordou incrédula com o estrondo de bombas e mísseis que já abalavam os arredores da capital Kiev, deixando rastros de morte e destruição.

As cenas dos comboios de tanques russos invadindo e bombardeando grandes cidades ucranianas deixa apavorada e, ao mesmo tempo, incrédula a população mundial e incita-nos ao inevitável questionamento: afinal, o homo sapiens, após longa caminhada pelo planeta, marcada pela evolução, conquistas e invenções, voltou às sombras das cavernas? A racionalidade retrocedeu ao estágio de puro e destrutivo instinto? Como é possível, em plena era dos grandes avanços tecnológicos, da exploração espacial, da nanotecnologia, dos veículos autônomos operados por algoritmos computacionais, nações desenvolvidas agredirem umas às outras, jogarem bombas, matarem crianças e pessoas inocentes?

O conflito entre Rússia e Ucrânia, no alvorecer de 2022 do século XXI, nos dá a resposta. Sim, é possível!

Tanques nas ruas de grandes metrópoles e mísseis apontados para arranha-céus populosos não são cenas de ficção científica. São espelhos da vida real de um ser humano que se revela sedento por sangue, mata para alcançar o poder e vende a alma para manter seus privilégios e prestígios.

O avanço vertiginoso da ciência infelizmente não nos fez sair da escuridão das cavernas. Sim, ainda somos capazes de nos agredir mutuamente, de destruir com frieza o nosso habitat, condenando as gerações futuras – se é que haverá!

Escrevemos livros, compomos sinfonias, deciframos algoritmos complexos. Mas também matamos, escravizamos, torturamos e destruímos. Esse é o homo sapiens que saiu da caverna, mas a caverna e as sombras da irracionalidade nunca o deixaram e sempre o atraíram. Esse mesmo homo sapiens continua espalhando conflitos pelo mundo, como na Síria, no Iraque, no Afeganistão e agora na Ucrânia.

Não sabemos quais serão os próximos capítulos do terrível e assustador conflito Rússia X Ucrânia. Porém, uma lição já nos foi deixada: “a guerra ainda não se tornou obsoleta e inconcebível”, conforme previu o historiador e escritor israelense Yuval Harari. A humanidade não vislumbra um futuro de paz e ainda não encontrou o caminho para a concórdia e união de todos. Ao contrário, prefere as armas, flerta incessantemente com a morte e com a autodestruição, caminha com presteza rumo ao reencontro com seus indestrutíveis instintos pré-históricos.

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