A triste República do “e daí? ”


Editorial

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Até o fechamento deste editorial, o número de mortes por Covid-19 no Brasil havia chegado à marca de 7.288 e 105 mil os casos confirmados de infecções. Estatística alarmante e que nos envergonha diante da comunidade internacional. O nosso imenso e querido Brasil pode estar caminhando a passos largos para repetir, em alguns estados, o mesmo quadro caótico que vimos acontecer na Itália, Espanha e Estados Unidos. Já ultrapassamos a China, primeiro epicentro da pandemia, em número de mortes. Diante desse cenário triste e preocupante, o presidente Jair Bolsonaro simplesmente dá de ombros: “E daí? ”

O comentário tosco e desrespeitoso do presidente da República, quando provocado por jornalistas a falar sobre os números de óbitos no Brasil, que superara a China, revela claramente seu desprezo pela gravidade de um problema que colocou de joelhos todos os países do mundo, inclusive as grandes potências. Até mesmo o seu ídolo máximo, Donald Trump, quando viu o vírus chegar com força nos EUA, especialmente no estado de Nova York, dizimando rapidamente centenas de vidas, levou a sério e reviu suas posições. Mas nada abala o capitão. Insensível, o super-homem com “histórico de atleta”, imune ao vírus que, para ele, não passa de uma “gripezinha”, é incapaz de sensibilizar-se com a quantidade de seres humanos, BRASILEIROS, sendo sepultados em valas comuns, com histórias de famílias assistindo a seus entes queridos morrerem sem direito a atendimento hospitalar e a um sepultamento digno. Para o capitão super-homem, somente pessoas fracas morrem. Ele, não.

A indiferença, a ignorância e a incapacidade de governar do presidente Bolsonaro estão cobrando preço caro à nação. Desde o início da pandemia, o Brasil não apresentou um plano de combate à Covid-19 abrangente e eficaz, que considerasse as características e complexidades das regiões, estados e municípios. Era o que se esperava que acontecesse num país de dimensões continentais. Países como Alemanha, Portugal e Nova Zelândia agiram diferente e conseguiram controlar a pandemia. Inclusive, já estão reabrindo o comércio e reativando suas economias. Seus dirigentes enxergaram cedo a gravidade do novo coronavírus e grande parte da população aderiu em massa ao isolamento social.

No Brasil, não fosse a atuação independente de governadores e prefeitos, a situação poderia estar muito pior. Em São Paulo, o governador João Doria virou as costas para o Planalto e estabeleceu sua própria política de enfrentamento à Covid-19. O mesmo vem ocorrendo no Rio de Janeiro, Goiás e em outros estados. Ao invés de dialogar com os governadores, unir a nação e acenar aos estados, apoiando-os com ações eficazes e embasadas tecnicamente na ciência, Bolsonaro continua escutando seus gurus alienados e radicais, flerta com o autoritarismo, intimida as instituições democráticas, insiste em subestimar a letalidade do vírus, critica os governadores que, responsavelmente, mantêm em seus estados o isolamento social, e incentiva as pessoas a saírem às ruas.

Poucos governadores ainda permanecem alinhados ao presidente da República. Lamentavelmente o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, é um deles. O plano divulgado por ele para flexibilizar o isolamento social no estado, batizado de “Minas Consciente”, tira do governador a responsabilidade, transferindo-a exclusivamente para os prefeitos. “O Programa de Minas é um programa jogado nas costas do prefeito. Quem resolve é o prefeito”, esbraveja Alexandre Kalil, prefeito de Belo Horizonte. Fazem coro a ele diversos prefeitos de Minas, sobretudo da região metropolitana de BH, que reclamam da falta de diálogo com o governo e da ausência de estratégias do estado no combate à pandemia e à grave crise econômica que virá.

Enquanto vidas estão em jogo, indefesas ante uma doença para a qual ainda não existe tratamento comprovadamente eficaz, a maioria das lideranças políticas do nosso país encontra-se perdida. A começar pelo presidente da República, que não perde uma oportunidade para inflamar a crise política – que ele próprio iniciou – e continua dando de ombros às milhares de famílias brasileiras que diariamente enterram seus filhos nas covas do descaso, da desigualdade e do desrespeito.

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