Café com História: uma deliciosa mesa de café e a história de Resende Costa


Cultura

Paula Chaves Teixeira Pinto*2

Participantes do Cafe? com Histo?ria - os 110 anos de emancipação política de Resende Costa (foto Luana Chaves)

No último dia 04 de junho, em torno de uma bela mesa de café, montada na Biblioteca Municipal de Resende Costa, reuniram-se historiadores, professores de História, jornalistas, músico e escritores para uma rodada de “Café com História”. Nosso café com história teve um formato híbrido, informal e acadêmico, bem ao estilo do que Marc Bloch, um dos nomes que mais me inspira no campo da teoria da História, afirmou certa vez: “pois não imagino, para um escritor [no nosso caso, para professores], elogio mais belo do que saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos escolares” (Bloch, 2001, p.41).  E é isso. Nosso Café com História foi uma oportunidade de sairmos do jargão acadêmico e falar à população sobre a história e a memória de Resende Costa. E com um grupo eclético, com diferentes visões e interpretações da história e seus personagens, temos um objeto em comum: Resende Costa.

Compondo as festividades dos 110 anos de emancipação do município, os convidados abordaram a história de Resende Costa, destacaram algumas personalidades que levaram para fora dos limites estaduais a memória e a cultura da cidade e discutiram a respeito do patrimônio histórico material e imaterial. O evento foi organizado pelas secretarias municipais de Turismo, Artesanato e Cultura e da Educação, Esporte e Lazer por ocasião do aniversário da cidade e contou com a presença de Adriano Magalhães, professor de História e mestre em História pela UFSJ,  Amanda Cardoso Reis, historiadora e mestre em História pela UFSJ, Ana Paula Mendonça de Resende, professora de História e mestre em História pela UFMG, André Eustáquio Melo de Oliveira, jornalista e secretário da Cultura, Edésio de Lara Melo, professor de Música e doutor em História pela UFMG, Flávia Cristina da Silva, professora de História, Francisco Eduardo Pinto, professor de História e doutor em História pela UFF, Guilherme Rezende, professor de Comunicação Social e doutor em Comunicação pela UMESP, Maria Lúcia Resende Chaves Teixeira, professora de História e doutora em História pela USP e eu, Paula Chaves Teixeira Pinto, professora de História, secretária da Educação e doutora em História pela UFF. Além de uma plateia pequena, mas nem por isso menos importante. Tudo isso engrandeceu a nossa iniciativa.

A palavra foi dada a todos os participantes, sendo eles comunicantes e ouvintes. O tema de abertura foi a emancipação política e o contexto político da República. Após uma bela exposição fundamentada em grandes nomes da historiografia brasileira e nos relatos de memorialistas locais, Adriano apresentou o cenário político da emancipação. Refletindo sobre o reordenamento da crise instaurada pela morte de Afonso Pena na dinâmica do pacto oligárquico na Primeira República, algumas interpretações foram lançadas. E a partir então, resgatamos o momento da ocupação do território há, mais ou menos, 270 anos.

A discussão foi iniciada pela comunicação de Maria Lúcia, que abordou sobre a ocupação do território, as fazendas, a demografia escrava e a riqueza no distrito da Lage. O ponto alto foi a demografia escrava local, a qual se destaca pelo elevado percentual de escravos, que superava o número de homens livres, e a economia, voltada para a produção de alimentos, abastecedora do mercado interno colonial e do Império do Brasil. A parte colonial foi encerrada com uma comunicação minha a respeito dos inconfidentes José de Resende Costa pai e filho e a reestruturação familiar após a sentença de degredo em África do patriarca e seu filho homônimo. Como foi destacado, a família do capitão José de Resende Costa se viu fragilizada com a punição pela participação e as estratégias para permanência enquanto elite regional demandaram arranjos matrimoniais e a transferência de patrimônio. Tais estratégias não deixaram de preocupar o patriarca e seu filho, mas mantiveram a família como um dos “principais da terra”. A família continuou a acumular riqueza e seus descendentes participaram de importante ramo de negócio na época: o tráfico de escravos.

Avançando no século XIX, Francisco Eduardo abriu sua comunicação destacando as verossimilhanças entre a Revolução Industrial e a produção têxtil em Resende Costa. Uma provocação que rendeu belas observações dos ouvintes sobre a cultura do tear e da produção artesanal em Resende Costa nos dias de hoje. Em seguida, Ana Paula trouxe uma análise sobre a produção têxtil nos oitocentos. Baseada nas listas nominativas das décadas de 1830, a historiadora destacou a grande difusão da atividade no distrito da Lage, tanto entre mulheres livres quanto escravizadas.

Para encerrar o século, Amanda apresentou alguns dados sobre o mercado de terras e escravos no distrito. A partir de quatro troncos familiares, estratégias de manutenção e reprodução da riqueza foram destacadas pela historiadora. O monopólio da terra e de pessoas escravizadas ainda na segunda metade do século XIX eram as bases em que se sustentavam a riqueza dessas famílias.

Avançando pelo século XX e mudando de ares, Guilherme Rezende nos apresentou a obra de Otto Lara Resende e a memória do lagedo presente em seus livros. Como grande estudioso da imprensa e da vida e obra de Otto Lara Resende, o professor destacou a importância das memórias de Antônio Lara Resende, pai de Otto, para a história da passagem da monarquia para a república e realçou alguns fatos históricos narrados nos contos de Otto Lara Resende. Edésio Lara deu destaque à cultura musical no município e às trocas de partituras entre maestros nas épocas festivas na região em meados do século XX. Com desejo de expor as partituras e o arquivo que pertenceu a seu avô, o maestro e compositor Joaquim Pinto Lara (Sr. Quinzinho), Edésio apresentou as dificuldades inerentes à tarefa de pesquisador, músico e também de historiador.

Para encerrar, Flávia Silva abordou as dificuldades de manutenção do patrimônio histórico no município e os desafios para a preservação da memória local. Com ênfase na importância da história pública e da identidade coletiva, foi aberto o debate a respeito história como projeto social de transformação.

Enfim, um evento que deveria acontecer em pouco mais de uma hora foi iniciado às 9 h e teve fim após a hora do almoço. Foram quase quatro horas de contação de histórias que, ao lado do ciclismo, é minha paixão. Foi um evento muito gostoso, tanto pelas apresentações e intervenções dos participantes quanto pelo café organizado por Claudinha e Lucas!

Ficaram curiosos? Uma nova edição será lançada. Em breve, discutiremos Resende Costa no contexto da Independência do Brasil, em comemoração aos 200 anos do grito do Ipiranga. Estejam convidados para esta nova rodada de Café com História.

 

* Professora de História, doutora em História, secretária municipal de Educação, Esporte e Lazer

Comentários

  • Author

    Com tanta gente especializada e de grande gabarito acadêmico reunida num só lugar, caberia, a meu, a publicação de uma revista ou uma divulgação em jornal com artigos de cada um de vocês. O que acham? Nesse caso, eu faria o meu café aqui em casa mesmo e leria as boas e belas histórias das Lajes contadas por especialistas nos diversos assuntos.


  • Author

    Mário Márcio, esta ideia foi colocada e decidimos trabalhar nesse sentido. Abraços


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