Deisinho, "posseiro" na terra onde nasceu e viveu a maior parte da vida*

O terreno, na valorizada Av. Alfredo Penido, é parte de uma ação judicial movida pelo Governo de Minas e deverá ir a leilão a qualquer momento para quitar dívida.


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José Venâncio de Resende 0

Terreno onde vivia Deisinho, aguardando leilão (foto: André Eustáquio).

Nas últimas décadas, Daniel Fernandes dos Reis Resende, o Deizinho, filho de Orestes (seleiro) e Luiza Rezende, viveu como “posseiro” no terreno onde nasceu e cresceu. Refiro-me ao imóvel de 530,62m2, na Rua Gervásio Pereira (atual Avenida Alfredo Penido), no 436/440, em Resende Costa, que, em 12 de abril de 1985, foi adquirido pelo comerciante José Raimundo da Costa, de Lagoa Dourada (escritura lavrada no Cartório do 1º Ofício de Resende Costa).

O imóvel pertencia a Orestes seleiro, que o comprou no início dos anos 1950. No terreno, havia uma casa várias vezes reformada (misto de pau-a-pique, adoble e tijolos, com sete cômodos e dois cômodos comerciais anexos onde funcionava a selaria, mais tarde um bar), e que foi derrubada. Este mesmo imóvel foi repassado por José Raimundo, em 12 de fevereiro de 1987, ao técnico químico Mário Luiz El Corab, de São João del-Rei (escritura lavrada no Cartório de Paz de Rio das Mortes, comarca de São João del-Rei).

Em 14 de setembro de 1987, a Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais (Minas Caixa) – hoje extinta – moveu uma ação pauliana, iniciada na Comarca de Entre Rios de Minas, contra José Raimundo; seu irmão Jader José da Costa, mecânico; Mário El-Corab; e a Imobiliária Irmãos Vianini Ltda., de São João del-Rei. Ação pauliana é definida, grosso modo, como ação movida por credor com intenção de anular um negócio fraudulento, feito por devedores insolventes com bens que seriam usados para pagamento de dívida numa ação de execução.

Nesta ação, a Minas Caixa alegava que José Raimundo pleiteou a abertura de crédito junto à agência de Lagoa Dourada, em 24 de julho de 1986, e apresentou “extenso cadastro onde demonstrava ser proprietário de 10 imóveis, cerca de 35 veículos – entre caminhões, camionetes, carros de passeio, etc. – além de vasto estoque comercial, avaliado, à época, em Cz$ 4.750.000,00 e segurado no Grupo Segurador Bamerindus conforme apólice que apresentou”.

Alegações

Baseado no cadastro apresentado por José Raimundo, a Minas Caixa aprovou sua proposta de crédito. O contrato de abertura de crédito, “denominado CAIXA ALTA”, foi assinado em 25 de novembro de 1986, garantindo “o pagamento de cheques de sua emissão, ainda que sem provisão de fundos, até o limite de Cz$ 9.000,00, devendo os valores sacados a descoberto e debitados em sua conta de empréstimo serem reembolsados, ao final de cada mês, acrescidos da taxa de juro de 6,8% a.m., facultada, porém, sua elevação até o percentual máximo que o Banco Central viesse a permitir (cláusula 5ª.) além do pagamento do imposto sobre operações financeiras – IOF – (cláusula 6ª.)”.

Além disso, José Raimundo estava obrigado, na data de vencimento do contrato (25 de março de 1987), “ao pagamento imediato do saldo devedor existente na respectiva conta de empréstimo (cláusula 13ª.), reconhecendo como valor do seu débito o acusado pelos extratos e demonstrativos apresentados pela suplicante (cláusula 15ª.)”.

Porém em 26 de fevereiro de 1987, portanto antes do vencimento do contrato, José Raimundo procurou a Minas Caixa, por meio de seu advogado, e reconheceu a dívida – “já que esta se deveu em grande parte ao pagamento de um ´cheque sem fundos´ por ele depositado em sua conta de empréstimo no dia 05.02.87 - ...”. Para liquidar a dívida, “ele apresentou uma proposta de pagamento, oferecendo, para tanto, caminhões de sua propriedade (...)”. A tal proposta, bem como outras que se seguiram, serviu “tão-somente para distrair a atenção da suplicante e retardar a propositura da execução da dívida, já que nenhuma medida efetiva de pagamento ou cumprimento dos acordos por ele mesmo propostos dignou-se o devedor a tomar”.

Em 31 de março, José Raimundo devia à Minas Caixa “a importância de Cz$ 3.467.997,80, conforme demonstram os extratos juntos (...), quantia esta que, obviamente, evoluiu de lá para cá, atingindo hoje a casa dos Cz$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzados)”.

Execução da dívida

“Assim, frustradas todas as tentativas de recebimento amigável da dívida, e percebendo que o devedor visava apenas ganhar tempo com as propostas que apresentava enquanto se desfazia de todo o seu patrimônio”, a Minas Caixa ajuizou a ação de execução da dívida em 21 de maio de 1987. O oficial de Justiça, cumprindo mandado do juiz, citou José Raimundo, que não cumpriu o prazo, para o pagamento da dívida ou para que nomeasse bens à penhora. E José Raimundo disse que “não possui bens em seu nome e está com processo de insolvência tramitando na Comarca de Entre Rios de Minas. E o único bem que estava em seu nome já foi penhorado para satifazer a execução que o Banco Bamerindus lhe move”.

De acordo com a Minas Caixa, “salta aos olhos a má-fé do sr. José Raimundo da Costa em sua intenção manifesta de lesar os (seus) direitos, frustrando-lhe o recebimento da dívida legítima e por ele confessada e assumida”. Os advogados da Minas Caixa questionaram o destino dos bens declarados por José Raimundo em seu cadastro um ano antes, quando “possuía sólida situação patrimonial” e, de repente, declara simplesmente “que não possui bens em seu nome”.

Os advogados da Minas Caixa concluíram que, no espaço de tempo entre assinatura do contrato de crédito e a propositura da execução, José Raimundo se desfez de todo o seu patrimônio imobiliário a parentes e amigos “que, evidentemente, conheciam sua situação econômico-financeira e com ele se mancomunaram a fim de lesar os direitos creditórios” da empresa.

De fato, além do imóvel da Rua Gérvásio Pereira, no 436/449, Mário Luiz El-Corab, amigo pessoal de José Raimundo, recebera três terrenos em bairros de São João Del-Rei e um lote em Juiz de Fora. Já o irmão Jader foi contemplado com quatro imóveis e dois lotes em Lagoa Dourada pertencentes a José Raimundo. Por fim, a Imobiliária Irmãos Vianini Ltda. adquiriu uma casa residencial e terreno em São João Del-Rei, bem como um terreno rural.

“Conluio”

Os advogados da Minas Caixa consideraram que estavam “presentes todos os requisitos de ação pauliana, uma vez que evidenciada está a intenção inequívoca do devedor de desfazer-se de seu patrimônio, através do conluio com parentes e amigos a fim de lesar os direitos da suplicante, impossibilitando-a de receber o seu crédito”. Por isso, em 16 de setembro de 1987, a Minas Caixa decidiu requerer a anulação das transações imobiliárias, com o argumento de que estariam viciadas e tinham tão-somente a intenção de fraudar os credores.

Em detalhes, os advogados do banco estatal pediam ao juiz:

“a) Oficiar, ´ad cautelam´, os Cartórios de Registro de Imóveis de Lagoa Dourada, São João del-Rei, Resende Costa e do 1º. Ofício de Juiz de Fora, para que averbem, às margens dos referidos registros, a existência desta ação, a fim de se evitar a venda sucessiva dos imóveis e garantir a eficácia do processo.

b) Mandar citar o Sr. José Raimundo da Costa e seu irmão Jader José da Costa no distrito de Lagoa Dourada e, por precatória à comarca de São João Del-Rei, o Sr. Mário Luiz El-Corab e o representante legal da Imobiliária Irmãos Vianini Ltda., nos endereços constantes no preâmbulo desta para, querendo, contestarem a presente ação e a acompanharem até final decisão, pena de revelia e confesso.

c) Anular as ´vendas´ enumeradas (...), bem como os respectivos registros, para que referidos bens retornem ao acervo patrimonial do Sr. José Raimundo da Costa e possa a suplicante prosseguir na execução do seu crédito, fazendo sobre eles recair a penhora.

d) Condenar os réus no pagamento das custas, despesas cartorárias, honorários advocatícios na base usual de 20% sobre o valor da causa, e demais cominações de direito”.

Em relação ao item “c”, a Justiça anulou as vendas de seis imóveis de José Raimundo para o irmão Jader, bem como duas vendas que este fizera a uma terceira pessoa de nome Domingos. Também anulou as vendas de cinco imóveis para Mário El-Corab.

A venda do imóvel de Resende Costa, feita por José Raimundo a Mário El Corab, foi anulada, em 30 de agosto de 1994, pela juíza de direito Joalisa Souto Lúcio de Oliveira, da Comarca de Entre Rios de Minas. Assim, o imóvel voltava para o nome de José Raimundo da Costa. (O mandado da averbação foi expedido em 04/06/1997 pelo juiz de direito Ernane Barbosa Neves.) No entanto, até hoje, o imóvel continua em nome de Mário El Corab no departamento de cadastro imobiliário da Prefeitura de Resende Costa.

Os três apelaram da decisão, mas a sentença foi confirmada, com base num parecer do relator, o desembargador Rubens Xavier Ferreira.

Extinção da Minas Caixa

Em 24 de agosto de 1998, a Minas Caixa foi extinta por meio do Decreto no 39.835, conforme autorização contida na Lei Estadual no 12.422, de 27 de dezembro de 1997. Por conta disso, o Procurador Geral, César Raimundo da Cunha, solicitou, em 28 de abril de 1999, que a autarquia extinta fosse substituída pelo Estado de Minas Gerais que assim ficaria habilitado a dar continuidade à ação pauliana contra José Raimundo, Jader e Mário El-Corab. Também requereu “que das publicações e intimações efetuadas doravante constem o nome do Estado, de seu Procurador, assim como o número de inscrição deste na Ordem dos Advogados do Brasil”.

Em novembro de 2005, a Advocacia-Geral do Estado requereu junto ao Juiz de Direito da 2ª. Vara Cível da Comarca de São João Del-Rei a definição de data para leilão de bens penhorados de propriedade do espólio de José Raimundo da Costa e outros. O procurador do Estado, José dos Passos T. Andrade, argumentou que na sentença de 1º grau, confirmada pelo Tribunal de Justiça, o magistrado dispôs o seguinte:

“Julgo parcialmente procedente os pedidos contidos na inicial, para anular todas as vendas efetuadas pelo primeiro réu ao segundo e terceiro réus descritas na inicial, inclusive aquelas relativas aos imóveis posteriormente vendidos ao Sr. Domingos da Costa Martins, referentes às matrículas 2.756 e 2.757. Julgo improcedente o pedido de anulação das vendas feitas à Imobiliária Irmãos Vianini Ltda. Condeno os três primeiros réus e Domingos da Costa Martins a pagarem 90% das custas processuais e os honorários advocatícios do patrono da autora, que fixo em 20% do valor da causa”.

Leilões

O procurador José Trindade lembra que a Justiça iniciara, em abril de 1997, a execução de honorários contra os executados. Um bem de propriedade de José Raimundo da Costa foi penhorado e “levado a leilão, no entanto, sem licitantes...”. Também foi penhorado um bem de propriedade do executado Domingos da Costa Martins.

Os dois leilões foram realizados em 2008. Não houve licitante no leilão de 20 de outubro; já o leilão de 3 de novembro teve licitante.

Em 19 de novembro, o Estado decidiu centralizar todos os processos de seu interesse, inclusive este, numa única Vara especializada. Até então, esses processos tramitavam na Justiça comum.

Até a data de fechamento deste texto, não havia informação sobre a realização de leilão do imóvel da Avenida Alfredo Penido (antiga Rua Gérvásio Pereira, no 436/449), em Resende Costa.

*Colaboração: advogado Geraldo Pinto

 

 

 

 

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