Democracia em risco


Editorial

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O termo “Democracia” vem do grego demos (povo) e kratos (poder). Etimologicamente significa: poder do povo, ou melhor, poder que emana do povo. Surgida em Atenas, no período clássico, por volta de 510 a.C., a democracia ocidental não contava em seus primórdios com eleições diretas, sufrágio (voto), parlamento, constituição etc. Todos os atenienses considerados cidadãos na sociedade da época se reuniam na ágora, uma espécie de praça pública onde eram debatidas e votadas as leis, a fim de deliberarem sobre os rumos da pólis (cidade). Na teoria, portanto, todos os cidadãos teriam direito a exercer o poder, propondo e votando leis.

Com o passar dos séculos, a democracia ateniense passou por transformações em diferentes sociedades e culturas. Surgiram a democracia representativa, a participativa e a chamada democracia moderna. São particulares e ao mesmo tempo intricados os detalhes que conceituam os diferentes sistemas democráticos que fundamentam as leis das nações em todos os continentes, considerando-se tradições políticas, sociais e religiosas. Diante disso, torna-se difícil falar de um sistema democrático que preserva autenticamente as formas de democracia alicerçadas nos valores ocidentais e suas raízes filosóficas gregas. Até nações autoritárias, onde imperam ditaduras, como China, Coreia do Norte, Cuba, Venezuela e Irã, chegam a afirmar que em seus domínios se vive democraticamente. Mesmo onde os cidadãos são privados de liberdade de imprensa e de expressão, do voto livre, do acesso transparente a informações e do direito ao exercício da oposição, fala-se em democracia.

O sistema político brasileiro é definido como representativo. Isto é, o povo vota e escolhe seus representantes, tanto nas esferas municipais e estaduais quanto na federal. Escolhemos nossos prefeitos, vereadores, deputados, governadores, senadores e presidente da República. Em 1988, o país votou a Constituição Federal que se encontra vigente, sob a tutela e vigília do Supremo Tribunal Federal.

É a Constituição de 1988 que formulou os valores democráticos e os princípios que norteiam o Estado Brasileiro e o faz ser um estado democrático de direito onde há soberania, livre iniciativa, liberdade de expressão, pluralismo político e valores sociais do trabalho. Ou seja, princípios constitucionais que nos garantem cidadania e liberdade.

Historicamente, a democracia brasileira sofreu assaltos severos que a fizeram refém de governos autoritários. Sendo o último deles o longo período da ditadura militar (1964-1985). O Ato Institucional (AI-5) de 1968, que, entre outras medidas autoritárias, resultou no fechamento do Congresso Nacional, na cassação de mandatos de parlamentares contrários ao governo militar e na suspensão de qualquer direito constitucional, abriu largo caminho para a institucionalização da perseguição política, da censura e da tortura infame.

Esse preâmbulo sobre a história da democracia ocidental e da constituição do atual sistema político brasileiro tem por objetivo rechaçar e condenar de forma veemente as constantes agressões que a democracia brasileira vem sofrendo nos últimos tempos.

Tem sido um argumento comum nas avaliações de analistas políticos a afirmação de que a democracia brasileira é jovem e frágil, portanto demanda cuidados. Não fosse a solidez de nossas instituições (Congresso, STF, imprensa livre e partidos políticos), a nossa frágil democracia já teria sucumbido nas mãos e nas ideias esquizofrênicas dos atuais mandatários da nação.

É grave quando vemos o presidente da República – que na solenidade de sua posse, diante do plenário do Congresso Nacional, jurou respeito à Constituição Federal – incitar, através de vídeo postado em suas redes sociais, seus apoiadores a protestarem contra o Congresso e o STF.  

Não se tratou de discurso isolado e insignificante de um líder partidário qualquer, de um mero dirigente de sindicato ou de um presidente de inflamada associação estudantil. Foi o próprio presidente da República, que, ignorando seu juramento e o rito impresso no alto cargo que ocupa como mandatário supremo da nação, ofendeu o Congresso e o STF, justamente as instituições que sustentam os pilares da nossa democracia participativa.

É necessário alerta total de toda a nação. As instituições (Igrejas, universidades, imprensa etc.), que têm como princípio a democracia e seus valores universais e soberanos, precisam levantar a voz e condenar com veemência os sucessivos, ardilosos e perigosos mecanismos de ataques que vêm sendo perpetrados contra a nossa frágil e jovem democracia. Se não o fizermos agora, a história nos cobrará num futuro não tão longe assim.

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