Dia do Trabalho: Como é a rotina de um profissional do setor funerário?


Vanuza Resende


Eu tenho orgulho de ser coveiro, porque foi o que abriu as portas para mim, diz Jaime Gener (Foto Vanuza Resende)

Primeiro de Maio é internacionalmente conhecido como o Dia do Trabalho. Essa data tornou-se feriado em diversas nações do mundo. Nesse dia são realizadas, em todos os cantos do planeta, homenagens à classe trabalhadora.  Para falar sobre o Dia do Trabalho, o JL conversou com um profissional que realiza um trabalho com o qual ninguém deseja contar, mas é um dos poucos que tem certeza de que vai prestar serviços para toda a cidade: o coveiro.

O coveiro é o profissional que zela pela organização dos cemitérios, cuida da limpeza dos jazigos, abre e fecha as sepulturas, carrega caixões, além de realizar sepultamentos e exumações. No entanto, segundo relatos dos trabalhadores da área, a profissão sofre muito preconceito, além de ser pouco admirada.

Jaime Gener, desde 2005, é responsável por desempenhar todas essas atividades nos dois cemitérios de Resende Costa. Ele conta que resolveu começar na profissão quando estava insatisfeito em seu antigo serviço. Um amigo o questionou, indagando se o que ele queria era sossego, uma vez que desejava trabalhar no cemitério. Desde então, ele garante que está no paraíso.

Jaime deixa claro que gosta muito do seu trabalho e que o contato com a profissão começou ainda quando garoto. “Eu tenho orgulho de ser coveiro porque foi o que abriu as portas para mim. Já trabalhei em outros cemitérios e mexo com cemitério desde os 12 anos de idade. Se hoje eu sou coveiro em Resende Costa, agradeço a esse período que eu fiquei em Belo Horizonte, que tirou todo aquele medo que um garoto de 12 anos teria. A morte é uma coisa que impressiona, só quem trabalha com ela é que sabe. Quem está preparado para ela? O coveiro tem que ‘tá’”, relata Jaime.  

Nos dois primeiros anos, Jaime trabalhou para a Paróquia de Nossa Senhora da Penha de França e, em 2010, foi aprovado em concurso público realizado pela Prefeitura Municipal de Resende Costa. “Eu trabalhei para a paróquia dois anos e ganhava por enterro, depois fiz o concurso (da prefeitura) e passei.” Questionado sobre a relação entre salário e sepultamento, ele brinca com a antiga situação de receber pela quantidade de sepultamentos que fazia: “Já gorei muita gente, mas agora recebo um salário fixo e não preciso torcer para a morte de mais ninguém”, brinca Jaime Gener.  

 Ao longo dos anos, o número de sepultamentos aumentou consideravelmente em Resende Costa. A cidade vem crescendo e, consequentemente, aumenta o número de mortes. Mas o curioso é que, de acordo com o coveiro Jaime, há meses que têm mais sepultamentos do que outros. Jaime diz que durante os meses de janeiro e fevereiro o número de sepultamentos é muito menor do que nos outros meses do ano.

De acordo com o coveiro, 80% dos sepultamentos em Resende Costa ainda acontecem em sepulturas de terra, mas as gavetas facilitaram muito os serviços.  “O que salvou a nossa cidade de uns anos para cá foram as gavetas. Cada gaveta que eu faço sepulta até cinco pessoas e dá menos trabalho e menos sujeira do que um túmulo de terra. Sem falar da rapidez. Hoje eu gasto em torno de 10 minutos para um sepultamento (em gaveta) e na terra chego a gastar 3horas e meia só para furar um buraco,” explica Jaime.

 

Discriminação na profissão

Por mais que muitas coisas tenham evoluído na profissão ao longo dos tempos, como o sistema de jazigos, por exemplo, uma coisa permanece: o preconceito em relação à profissão. “Coveiro em cidade pequena é como se fosse um amuleto do azar. Você vai a um lugar cheio de gente: o coveiro chegou e o ambiente já era. Você vai ao hospital visitar um doente: você chega lá e todo mundo fala: ‘o coveiro chegou’, todo mundo fica com medo”, conta Jaime Gener.

Jaime acredita que existe um “lance cultural” sobre crenças que associam o cemitério a um local assombrado, o que acaba intensificando esse preconceito: “Desde quando a gente nasce, a mãe da gente já fala que no cemitério vai aparecer alma penada e aquela coisa toda. Mas na verdade mesmo, a alma penada e o medo que você tem que ter estão na rua. Que garantia você tem de sair desse portão aí agora e não vai te acontecer alguma coisa? Lá fora é muito mais cruel, aqui dentro, não; aqui dentro você está no paraíso.”

A profissão exige cuidados e responsabilidades como qualquer outra. Para o coveiro Jaime, lidar com o luto das pessoas é uma situação que exige sangue frio e muito respeito. “A responsabilidade que está em nossas mãos é muita, você não pode fazer nada de errado. Eu costumo dizer o seguinte: uma pazada que você joga (na sepultura), dependendo do som que ela faz, já faz uma diferença muito grande. Já aconteceu da gente errar e na hora do velório o pessoal brigar com a gente aqui”, conta Jaime.

 

O cotidiano de quem vive do outro lado do luto

Apesar da experiência de longos anos trabalhando com sepultamentos de pessoas, Jaime afirma que não perdeu a sensibilidade e conta que se emociona em enterros de crianças. “Um dos piores enterros que tem para se fazer é o de crianças. Na verdade, todos marcam, mas enterros de crianças marcam mais. No fundo, no fundo, ninguém quer nem aceita isso. Você olhar para os olhos de um pai e de uma mãe que perderam... é difícil”, diz o coveiro.

De inúmeras situações, Jaime se recorda de um dos momentos mais difíceis que passou na profissão: “Uma situação que marcou de verdade foi a morte do filho de um amigão meu. As palavras que ele me disse me marcaram muito. Ele pediu para que eu sepultasse o filho dele como se fosse meu.”  

Jaime acredita que ser coveiro é uma vocação. Para ele não significa apenas decidir trabalhar nesse ramo, é preciso dedicação e empenho para conseguir cumprir todas as funções. “A minha profissão, o que eu faço, tenho que fazer de coração. O que adianta ser frio com o sepultamento dos outros e na hora que chegar o meu (de familiares), eu não vou fazer. A gente tem que ser forte, né? Afinal de contas, está no sangue, né?!”, conclui Jaime Gener.

No final da nossa conversa, ao despedir-me do coveiro Jaime, disse que torcia para ele já estar aposentado quando chegasse a minha hora. Disse a ele que, assim como qualquer outra pessoa, eu não gostaria de ter que contar com seus serviços tão cedo.  Convicto do que dizia, Jaime me olhou e respondeu: “Se não for na minha, vai ser na mão de outro.”

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