Diário de Minas: o jornal da minha infância


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Camilo Vale0

Ao lado do muro, o antigo imóvel onde funcionou o Bar do Zé Buquerão - ponto de distribuição do jornal. (Acervo Prefeitura Municipal de Resende Costa)

Na Resende Costa dos anos 60, circulava um jornal vindo de BH, do qual eu muito gostava. Era o Diário de Minas, que chegava no ônibus de São João del-Rei sempre às 13h15 da tarde. O jornal era entregue ali no bar do meu primo Zé Buquerão, que era uma pessoa muito querida em nossa família e de um coração de ouro. Hoje o espaço onde era o bar é ocupado pelo Supermercado Nossa Senhora da Penha.

Mas vamos à história.

Desde criança, sempre gostei de ler. Então, junto a meu pai, vi a oportunidade de termos um jornal em casa. Meu pai, Sebastião Vale, fazendeiro aposentado, dedicava o seu tempo para tratar pessoas pobres e carentes com remédios de homeopatia. Por isso, ele era muito procurado e sobrava pouco tempo para ler. Combinamos, então, que ele poderia comprar o jornal três vezes por semana. Escolhemos os dias: terças, quintas e sábados.

O jornal não circulava às segundas-feiras, devia ser folga da turma da redação. Assim, nas terças-feiras, eu ficava superinteressado por causa dos jogos de futebol do final de semana. Apaixonei-me pelo Cruzeiro desde a minha infância e acompanhava os jogos do meu time no Campeonato Mineiro e no Brasileiro junto com meu pai, lendo o caderno de esportes.

Não consigo esquecer aquele Cruzeiro dos anos 60 e 70, cuja escalação vinha nas páginas do jornal: Raul, Neco, Procópio, Darci Menezes e Wanderlei, Piazza, Dirceu Lopes e Evaldo, Natal, Tostão e Rodrigues. Nos anos 70, teríamos um outro time tão forte quanto esse: Raul, Nelinho, Morais, Zé Carlos, Eduardo, Roberto Batata, Jairzinho, Palhinha e Joãozinho.

Mas o Atlético também tinha um time muito bom e, em cada clássico, reunindo as duas equipes, havia fortes emoções.

O Diário de Minas registrava tudo e, dessa forma, ficávamos por dentro dos resultados e da classificação de nossos times. Meu pai não ligava muito para futebol, porém tinha um certo interesse pelo Galo, pois gostava de ver o Dario (Dadá Maravilha) fazer os seus gols junto a outros craques, como Lola, Laci, Reinaldo etc.

O sucesso do futebol era tanto que o jogador Tostão foi convidado para ser o paraninfo de uma turma de 8ª série do Ginásio Nossa Senhora da Penha no ano de 1969.

O Diário de Minas tinha ainda outras atrações, como o caderno de cultura e variedades. Ali podíamos ver a programação de TV (os poucos canais que havia), tudo em preto e branco, bem como alguns filmes do cinema que estavam em cartaz: os filmes do Mazzaropi, o comediante Jerry Lewis, o agende secreto James Bond (007), alguns Bang Bang do John Wayne, como “Rastros de Ódio”, e um dos melhores clássicos do cinema que eu já vi: “Ao Mestre com Carinho”, com o ator Sidney Poitier. Destaque para a música To Sir With Love, interpretada pela cantora Lulu.

E assim seguíamos lendo os jornais por toda a semana.

Meu amigo Pança aparecia de vez em quando para ler os horóscopos e recortávamos as tiras para ele levar. Ele devia colecionar um montão delas e fazer as suas previsões para os amigos.

Quando chegava o domingo, meu saudoso Tio Chico passava lá em casa depois da missa da manhã e conversava com meu pai, na sala, sobre as notícias da semana. O Brasil vivia o governo militar a partir de 1964, com Castelo Branco assumindo o poder. Minha mãe, na cozinha preparava o café com pães, biscoitos e broa de fubá. Antes de sair, meu tio perguntava pelos jornais que eu, ao receber um pedido de meu pai, juntava as três edições da semana e entregava para ele. Havia uma parceria entre os dois para que ambos pudessem ler.

Mas papai gostava mais era do jornal Estado de Minas, que circula até hoje. Quando ia a São João del-Rei, ele comprava um exemplar do jornal, que, aos domingos, trazia muitos cadernos, inclusive classificados.

Ah ... os classificados ... Era neles que papai procurava uma casa para comprar.

Certa ocasião, meu pai teve vontade de se mudar de Resende Costa para BH, ou para outra cidade mais próxima, mas isso não aconteceu. Perdemos o nosso irmão Cirilo em outubro de 1971 e, alguns meses depois, em fevereiro de 1972, portanto há 50 anos, meu pai, muito doente, também partiu.

Do jornal Diário de Minas não fiquei sabendo mais nada, só alguns anos depois é que descobri que ele acabou, foi fechado. Não sei bem o que aconteceu. Ficaram as minhas lembranças que registraram alguns fatos inesquecíveis, como as conquistas do Cruzeiro de Tostão... os gols de Dario Peito de Aço, como era conhecido... meu amigo Pança buscando as tiras de Horóscopo... meu tio Chico pedindo para levar os jornais... que levaram também todos os meus sonhos de criança.

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