É preciso estar vigilante


Editorial

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A forte polarização entre a direita e a esquerda nas eleições deste ano deixaram profundas fissuras na sociedade brasileira. Desde o início das manifestações de 2013 contra a corrupção e contra o governo da então presidente Dilma Rousseff, a tensão política aumentou no Brasil. Posteriormente, o impeachment de Dilma e o desenrolar da Operação Lava-Jato, culminando na prisão do ex-presidente Lula, fizeram aumentar ainda mais a temperatura nos bastidores da política e na vida cotidiana do cidadão.

Há muito não se via tanta discussão sobre política. Entre amigos, parentes, colegas de trabalho, no bar, no futebol, no churrasco de fim de semana nunca se falou tanto em comunismo, nazismo, fascismo, democracia. As rodas de conversa e os aplicativos de bate-papo nas redes sociais se transformaram numa grande sala de aula de filosofia política. Nunca foi tão claro, neste circo chamado sociedade, que necessitamos de quem nos represente, quem nos governe, quem nos mostre caminhos para superarmos as contradições e mazelas.

O Brasil chegou dividido às eleições gerais de 2018. No primeiro turno, o número expressivo de candidatos à presidência da República indicava uma possível fragmentação na intenção de votos. As velhas lideranças políticas (Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Marina Silva, Lula...) vislumbraram um céu de brigadeiro diante do governo mais impopular da história recente do Brasil republicano. Seria fácil, na visão deles, emplacar um discurso convincente contra o governo do presidente Michel Temer, propondo fórmulas milagrosas capazes de tirar o país da crise política e econômica e assim conquistar o eleitor desesperado e incrédulo com a política.

Só que se esqueceram de combinar com os russos. Enquanto PT, MDB, PDT e PSDB discutiam a relação, o pequeno PSL de Jair Bolsonaro deixava de ser uma marolinha para se transformar numa grande e irrefreável onda. Quando os veteranos da política acordaram, Jair Bolsonaro já tinha sido ungido “Mito” pela grande maioria da população brasileira; o novato Romeu Zema humilhava Antonio Anastasia em Minas Gerais; João Doria confirmava sua força em São Paulo e no PSDB; Wilson Witzel surpreendia no Rio de Janeiro, contrariando os prognósticos das pesquisas eleitorais.

O cenário político brasileiro começava a ser redesenhado. A extrema-direita, alicerçada no discurso pró-segurança e anticorrupção, saiu do armário com a faca entre os dentes, determinada a ganhar as eleições e enterrar a esquerda. Por sua vez, a esquerda insistiu na desgastada e ineficaz retórica do “nós contra eles”, “golpe”, “Lula livre”.

A ida de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad para o segundo turno agravou ainda mais a radicalização e a polarização do “nós contra eles”, direita e esquerda, democracia e autoritarismo, petismo e antipetismo. O PT tentou convencer a sociedade dos riscos que Bolsonaro poderia representar para a democracia. Mas foi em vão. O brasileiro ignorou e preferiu dar uma chance ao que, na visão de muitos, pode ser a gênese de uma nova política, com viés conservador, sobretudo na moral e nos costumes. Vai dar certo?

A sensação é de desconfiança. Porém, passado o momento de euforia, é hora de prestar atenção às primeiras movimentações do governo em formação. A tentativa de intimidação à imprensa, vista nas primeiras entrevistas do presidente eleito, é muito grave. Revela o que muitos temem: traços de autoritarismo. Sem uma imprensa livre, uma oposição responsável, cumprindo seu papel de fiscalizar, e os outros poderes (Legislativo e Judiciário) autônomos, não haverá limites para qualquer intenção autoritária.

Contudo, não devemos sofrer com antecedência, partindo da premissa de que o Brasil já vive, novamente, uma ditadura. Isso é exagero. Mas é preciso manter a vigilância para evitar que tal temor se concretize.

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