Ensino Médio – parte 2

O Governo acaba de aprovar nova estrutura. Convém fazer algumas considerações


Artigo

João Bosco Castro Teixeira*0

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Primeira delas o fato de a reforma nascer de uma “medida provisória”. Diriam nossos antepassados: que horror! Resolver a “calamidade histórica da Educação de Base” (Cristóvão Buarque), através de uma medida provisória. Brincadeira. Irresponsabilidade. Prepotência. Desprezar a contribuição da população pensante do país em matéria tão séria. Medida provisória se justifica quando há “urgência e relevância”. Ora, da “urgência” ninguém duvida. Só que, segundo Tiago de Melo, “urgência nunca foi pressa; alçapões podem ser verdes”. E “relevância”, também evidente, é a construção do projeto educativo como um todo. Fatiá-lo, tratá-lo por segmentos, isoladamente, é correr risco de caminhar sem saber para onde.

Sei que as pessoas envolvidas no projeto atual são pessoas da área e sérias. Mas, passar por cima do Congresso Nacional nessa matéria é triste. E isso de “Estudantes querem ser ouvidos sobre reforma do ensino médio” não me parece indispensável. Professores-educadores, isto é, aqueles que vivem próximos dos alunos, sabem dizer o que é que os alunos pensam e o de que eles necessitam. A visão dos alunos é de pequeno alcance. Imediatista. Não significa que não se possa ouvi-los. Mas não me parece essencial.

Uma segunda observação fundamental refere-se ao fato de a medida provisória não dizer, em claros termos, a que ela visa, ou a que visa o ensino médio que ela reformula. A Lei 9.394 falava de quatro objetivos do ensino médio: I – a consolidação e o aperfeiçoamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental.... II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando... III – o aprimoramento do educando como pessoa humana (formação ética, desenvolvimento da autonomia intelectual e pensamento crítico) e IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos... Não acredito que a Medida Provisória, e a nova lei, tenha levado isso em consideração. Não acredito que ela consiga isso, mesmo porque o item III não se refere a ensino, mas à educação, que não está sujeita a definições teóricas nem à aquisição de meros conhecimentos. Educação compete à escola, como “locus” em que o ar que se respira fala de seus valores, e vai impregnando pessoas e ambientes com as crenças que aqueles que ali vivem cultivam no dia a dia.

Estamos, há muito tempo, insistindo no erro de elaborarmos planos e mais planos sem definirmos, inicialmente, o que é que queremos atingir com os planos. Pense-se que em 2010 o Brasil editou o PDE – plano de desenvolvimento da educação. Em 2014 editou o PNE – plano nacional de educação. Será porque já havia cumprido o PDE? Não, nada disso. E dizer que se tratava do mesmo governo a editar tais planos. O problema é que não temos tido coragem, e fingimos que não temos tempo, para deixar claro o que queremos com a educação básica. Continuamos fazendo planos e entregando ao ensino superior jovens que não sabem ler e escrever (criticar, deduzir, induzir, analisar, interpretar, dizer com as próprias palavras o que leram...) e não conhecem a validade e a lógica das quatro operações matemáticas: desconhecem a incidência na vida dos conceitos básicos dessa disciplina. Sem clareza na partida do processo, nada se pode esperar de seus fins.

No entanto, a Medida Provisória aí está, aprovada pelo Congresso Nacional, transformada em lei. Com desprezo para com a democracia. Sem espírito republicano.

*Professor aposentado da UFSJ, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.

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