Esgoto, entulho, lixo e água: mistura explosiva


Notícia

José Venâncio de Resende0

Terreno baldio vira lixão na Rua Juvenal Vaz Guimarães

Se todos os caminhos levam a Roma, como diz o velho ditado, todos os córregos levam o esgoto e o lixo ao Córrego do Lenheiro que corta São João del-Rei. O que levou uma autoridade local a dizer que “não existe esgoto a céu aberto porque o esgoto é todo jogado nos córregos da cidade”. 
 
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Um terreno baldio, antigo desbarrancado na beira da rua Juvenal Vaz Guimarães, é motivo de preocupação para os moradores do bairro, segundo a agente de saúde Neusa Jesus Neves, conhecida como Desa, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Barro Preto. O terreno virou um lixão, alimentado pela construção civil, moradores e mesmo a prefeitura, que de tempos em tempos recebe uma máquina que nivela a área, empurrando o entulho misturado ao lixo rumo a uma encosta íngreme.
 
“Eu tenhomuito medo que um dia, com o excesso de chuva, o entulho e o lixo depositados ali venham a ceder, descendo encosta abaixo”, diz Desa. Sem falar que qualquer construção que venha a ser feita no local futuramente seja condenada ao deslizamento pela própria inconsistência do terreno. Melhor do que construir casa ou prédio, seria transformar a área em espaço de lazer, sugere Jorge Gouveia, secretário da Associação. 
 
A ação de moradores, empresários da construção e poder público pode ter efeito explosivo, alerta Desa. “Toda vez que empurram o entulho, ele vai se aproximando das casas da rua Francisco José da Silva (na parte mais baixa do bairro).” Daí para a ocorrência de deslizamentos é um passo. “É uma coisa que a gente tem que evitar agora para não ter problema futuro, que a gente vê tanto na televisão nos lugares fora daqui.”
 
Um pouco mais adiante, a rua Juvenal é cortada pelo córrego que desce das bandas da avenida Maria Alves Barbosa, próxima da BR 265 (São João del-Rei a Lavras). Este córrego vai despejar água, esgoto e lixo no Córrego do Lenheiro. Perto da rua, casas foram construídas praticamente no leito do córrego, que vai sendo engrossado por esgoto sem tratamento. “Agora, como é período de chuva, ele está com bastante água. Mas quando chega o tempo da seca é pouquinha água e muito esgoto; então, o cheiro fica forte”, observa Desa.
 
Uma dessas casas, logo abaixo da rua, pertence à filha de Gouveia. Em vez da mata ciliar, um paredão de concreto para impedir que a água invada a casa em época de enchente. “O marido da minha filha foi obrigado a fazer esse muro de arrimo sem poder... E tinha um muro de arrimo pouco acima das manilhas (que passam por baixo da rua), deixando a rua bem protegida. Mas, quando o pessoal da Copasa veio aqui colocar as manilhas, eles não consertaram o muro de arrimo. Então, se chove muito, a água que desce lá da BR 265 deságua toda aqui. A água já chegou até a porta da casa da minha filha.” Quando a manilha não comporta o volume de água, não dá vazão e o córrego invade a rua, explica Gouveia. O vizinho também foi obrigado a construir um muro para proteger a casa dele.
 
Um pouco abaixo, Desa aponta outro trecho do córrego, na rua Francisco José da Silva, que acumula grande quantidade de lixo, entulho e galhos de árvores jogados por moradores, que praticamente obstruem a passagem da água. “Eles fecham o caminho do córrego e com a chuva a tendência é a água passar por cima da rua. No tempo das chuvas, tudo pode acontecer.” Uma casa cuja construção praticamente invadiu o córrego está abandonada. “Parte dela caiu com a força da água e os moradores tiveram que sair. Infelizmente, os moradores contribuem para que tudo de errado aconteça.”
 

Desbarrancado
 
Um desbarrancado nos fundos de propriedade particular reúne uma mina de água e o esgoto das casas das ruas Juvenal Vaz Guimarães e Josino do Nascimento e do conjunto habitacional Dom Lucas, resultando em mau cheiro insuportável. “O esgoto invadiu o terreno que é propriedade particular na rua Juvenal. Ele segue a céu aberto até o córrego do Lenheiro, que está aqui perto”, relata Desa. Com o excesso de chuvas, a área corre o risco de novos deslizamentos. “O terreno vai ficando muito úmido e a tendência é deslizar.”
 
Chegamos a outro trecho do córrego, que passa por baixo da rua Juvenal Vaz Guimarães. Corre praticamente colado ao muro e não tem espaço para se expandir, segundo descreve Desa. “Quando chove e enche muito, alaga tudo e não tem como a gente passar aqui.”
 
Na altura número 10 da rua Juvenal, este mesmo córrego encontra o Córrego do Lenheiro. O curso d´água contendo esgoto sem tratamento passa por baixo da rua, num lugar que também costuma encher e, quando isso acontece, inunda aquele trecho de rua. “É uma correnteza muito forte, desce muita água ali de cima.” Mais um pouco e encontramos novo trecho de córrego onde se pode ver lixo acumulado e casas ocupando as margens. “Não tem espaço nenhum para o córrego se expandir.”
 
Por fim, chegamos ao córrego, canalizado, que nasce na Serra do Lenheiro e corta o Residencial Lenheiro, recebendo o esgoto das casas do bairro. Pode-se ver a casa da agente de saúde Vânia, amiga de Desa, cujo terreno o córrego atravessa manilhado. Ele passa por baixo da avenida Mário Mazzoni, cujasmanilhas nem sempre comportam o volume de água em época de chuva. Do outro lado da rua, terreno baldio, entulho, lixo e mato, ao lado de casas com canos à mostra por onde corre o esgoto, formam a paisagem. “Aqui, o que mais se vê é isso”, desabafa Desa. “Quando inunda, a rua fica intransitável. A minha amiga já sofreu muito por causa desse córrego.” Tudo vai desembocar no Córrego do Lenheiro, ajudando a acarretar enchentes.
 

Nova ponte, velhos problemas
           
A ligação do Barro Preto com o Residencial Lenheiro é feita por meio de nova ponte de concreto inaugurada no ano passado. “Era uma ponte de madeira que caiu com uma enchente”, conta Desa. A ponte sobre o Córrego do Lenheiro fica um pouco abaixo do local onde ele recebe água, esgoto e entulho do córrego que vem da região da BR 265.  “Desce muita água daquele córrego e também do Córrego do Lenheiro, que recebe água da cachoeira e do poço Sete Metros na serra do Lenheiro. Foi essa água que passou por cima da ponte de madeira que não agüentou... Aí amarraram a ponte numa árvore com cabo de aço, em tempo de irem os dois embora (ponte e árvore), destruindo as casas por ali abaixo. Mas Deus ajudou e não teve chuva forte nesse período. Então,  a prefeitura resolveu a fazer essa ponte de cimento, que ainda não enfrentou enchente, mas aparentemente é resistente.”
 
O que mais se vê neste local é a proliferação de canos PVC de diferentes diâmetros,  despejando esgotodas casas localizadas nas margens do Córrego do Lenheiro. “Fizemos um apanhado geral desde o lixo até o esgoto e concluímos que o próprio morador é responsável por muita coisa”, diz Desa. 
 
Mas a cadeia de responsabilidade pelo caos em que se encontra o saneamento básico em São João del-Rei não tem limites. Um dia, Desa passava pelo centro da cidade, após uma enchente que transbordou o Córrego do Lenheiro. A água tinha baixado e a grama ao longo do córrego canalizado estava coberta de esgoto e lixo de todo tipo. “Fiquei espantada quando vi os funcionários da prefeitura pegando aquele lixo e jogando de volta dentro do córrego. Achei aquilo um absurdo, como também várias pessoas que passavam por ali.”
 
A ironia é que o volume de esgoto e lixo que cobria o gramado das margens do Córrego do Lenheiro desceu dos morros da cidade, sendo engrossado pelas residências ao longo do caminho. Certamente, parte desse material veio das próprias residências desses funcionários municipais.