Especial JL: eleições municipais em tempo de pandemia


José Venâncio de Resende


Sobrado da Câmara Municipal, sede do Poder Legislativo de Resende Costa (Foto arquivo Jornal das Lajes)

Este ano, voltamos às urnas para escolher novos prefeitos e vereadores, em geral em campanhas muito disputadas. Aliás, desde o descobrimento do Brasil que os cidadãos elegem representantes para suas Câmaras Municipais, como lembra Jorge Caldeira no livro “História da Riqueza no Brasil”. Muito antes de isto acontecer no âmbito nacional.

Desta vez, com uma diferença: ao lado do fortalecimento da democracia e das propostas de solução dos problemas locais, teremos de juntar os cacos deixados pela pandemia do novo coronavírus e reconstruir a economia municipal e regional, em grande parte sustentada na informalidade dos negócios.

Nesse sentido, o JL inicia a publicação de uma série de reportagens sobre as eleições municipais, a partir de manifestações de representantes da sociedade. A primeira delas apresenta depoimentos de líderes de organizações da sociedade civil.    

Para Luciene Cardoso, presidente da Associação Empresarial e Turística de Resende Costa (ASSETURC), a grande oportunidade das eleições municipais é nos reaproximar da política, já que vivemos um período de muita descrença em relação às instituições políticas. “Nas eleições municipais, principalmente nas cidades pequenas, como Resende Costa, temos muito mais proximidade com os atores políticos e podemos participar efetivamente do processo.”

E participar efetivamente é “dar mais valor ao nosso voto, à nossa capacidade de escolher nossos representantes”, diz Emerson Gonzaga, presidente da ong Instituto Rio Santo Antônio (IRIS). “Isto quer dizer que devemos nos afastar de discursos de ódio, de preconceito e de desrespeito às instituições.” Nas eleições municipais, “o eleitorado é próximo dos governantes, o que nos traz um sentimento maior de ´estar em casa´”, acrescenta. Mas, justamente por isso, “precisamos ser mais críticos e avaliar bem os nomes que se colocam à nossa disposição.”

De qualquer forma, eleitos nossos representantes, “é respeitando os resultados que construímos uma democracia forte, principalmente quando fazemos oposição sem recursos da violência”, pondera Edésio de Lara Melo, presidente da Associação de Amigos da Cultura de Resende Costa (amiRCo). “Esse é o momento de sinalizarmos, através do voto, o que queremos para nossos municípios; de nos voltarmos para as políticas, isto é, o conjunto de ações, direitos de cidadania…” Enfim, buscar a harmonia, o trabalho conjunto, as parcerias possíveis, sem partidarismo. “Nossa política é a artística e cultural como um direito para todos, sem exceção”, resume Edésio. 

Apesar de muito longe de ser perfeito, o “processo eleitoral é uma das mais fortes expressões do exercício democrático”, reconhece Cláudio Luís Resende, presidente da Associação Comunitária de Radiodifusão para o Desenvolvimento Artístico, Educacional e Cultural de Resende Costa (ACRADATEC/RC). “No meu entendimento, a campanha eleitoral devia terminar na data do pleito”, acrescenta, referindo-se à extensão da campanha eleitoral ao exercício do mandato por parte dos governantes, “esquecendo-se de exercer a missão para a qual foram eleitos.”

 

Encontros

A ASSETURC pretende promover encontros com todos os candidatos oficiais a prefeito para discutir as demandas do setor, nas áreas turística e empresarial, conta Luciene. Assim, “podemos participar efetivamente do processo e nos reencontrarmos com a democracia, com a importância de compartilhar as decisões do poder público com a sociedade.”  

Já a atenção da amiRCo estará voltada para o segmento social da cultura, educação, patrimônio e artes, revela Edésio. “Queremos ouvir o que os candidatos pretendem para a área da cultura e das artes. Poderemos participar dos debates, levando aos candidatos nossas demandas, apresentando-lhes propostas que visam à valorização do nosso patrimônio histórico, artístico e cultural. Teremos uma atenção ainda mais redobrada para as questões relacionadas com a história e a memória que precisam ser mais bem tratadas pelas organizações sociais da nossa cidade.”

“Enquanto representante de uma associação sem fins lucrativos que desenvolve debates e projetos ambientais e culturais no município, espero ver temas de cunho ambiental e cultural nos planos de governo dos candidatos ao legislativo e ao executivo do município”, acrescenta Emerson. 

Cláudio está preocupado com as “imperfeições do processo eleitoral” e apresenta uma extensa pauta de discussões que vai muito além de uma campanha eleitoral municipal, como a melhoria da qualificação dos políticos, o fim da reeleição e mandatos de cinco anos para todos os cargos do executivo e do legislativo (a serem escolhidos numa única eleição).

 

Pandemia

As eleições municipais ocorrem num dos períodos mais difíceis da vida nacional, com impacto maior no âmbito municipal, o que vai exigir foco, acima de tudo, no pós-pandemia para enfrentar os desafios do novo tempo. Talvez o que tenha mudado seja o sentido de urgência em relação a prioridades nas áreas econômica, social, ambiental e cultural.

No artesanato e no turismo, a ASSETURC espera que haja continuidade em vários projetos já iniciados. Luciene cita a conclusão do Centro de Atendimento ao Turista (CAT) na entrada da cidade, do ponto de vista tanto do espaço físico quanto da publicidade (divulgar o município); a criação do selo de procedência do artesanato; e questões relativas à competitividade do comércio local, “que tem ficado muito evidentes agora com a pandemia.”

Quanto ao comércio, ela defende a capacitação do empresariado e a profissionalização da gestão, por meio do acesso a consultorias (Sebrae e outras instituições) e do associativismo, para que o mercado local se torne mais atrativo em relação a outras cidades. Isso é uma forma de “evitar a evasão de recursos” e que “a gente consiga segurar o consumidor aqui”, ao “oferecer um preço melhor”, em relação a São João del-Rei, por exemplo.

Na área cultural, a amiRCo pretende concretizar parcerias com o novo prefeito e a nova Câmara Municipal para levar adiante seus projetos, partindo do princípio de que “nada será como antes”, observa Edésio. “A pandemia, o isolamento social e as novas formas de desenvolver trabalhos que estamos experimentando determinarão novas maneiras de tocar nossas vidas daqui para a frente.”

Ele tem claro que, numa crise, os primeiros cortes ocorrem no orçamento da cultura. “Associações, como a nossa, sofrem muito com a falta de recursos, bem como com as dificuldades enormes que enfrentamos para aprovar projetos e conseguir patrocínio para eles. Mesmo assim, temos conseguido manter uma agenda mínima de ações.” Cita como exemplos os lançamentos de livros, a realização do festival de música e a parceria no lançamento da Tixa como mascote da cidade, além de parceria com outras associações e a presença em comissões organizadoras de eventos ou conselhos deliberativos, como o Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura (CMPC).

Já o IRIS espera mais projetos que tragam inclusão para os artistas locais, diz Emerson. “Resende Costa é berço de artesãos, de grandes artistas e de associações que visam ao interesse público. A cultura e a  participação social de nosso povo nas questões de interesse público são exemplares.

 

Investimentos públicos

O IRIS quer mais investimentos em saneamento básico para acelerar a conclusão da rede de esgoto municipal, “um legado negativo” de oito anos. Emerson lembra que bairros importantes, como o Asfalto, ainda continuam sem infraestrutura de esgoto. “Mais do que calçar ruas, investimento em infraestrutura deveria envolver a criação de espaços de recriação, praças, sistemas eficazes de saneamento básico, entre outros.”

A consolidação da rede de esgoto também é defendida por Cláudio (ACRADATEC/RC), que ainda reivindica “um serviço de saúde mais ousado”; a efetivação do “projeto de revitalização das lajes e do seu entorno” e o apoio ao artesanato “com políticas de infraestrutura e logística apropriadas”.

Outra prioridade, de acordo com Emerson, é a coleta seletiva, “um projeto socioambiental de inclusão social fantástico e, ao mesmo tempo, uma forma de economia de recursos públicos, uma vez que a destinação final de nossos resíduos tem sido em um aterro sanitário localizado distante de nossa cidade, o que gera grandes investimentos de recursos públicos”. Porém, continua “sem o apreço dos administradores públicos”.

O IRIS também espera ver na pauta dos candidatos nas próximas eleições municipais a institucionalização do Parque Municipal Capoeira Nossa Senhora da Penha, diz Emerson. Este projeto “trará diversos benefícios ao meio ambiente local e a toda população. Infelizmente, vimos esse projeto ser engavetado por falta de interesse da administração pública nos últimos anos.”  

Já Cláudio considera que o município precisa há tempos de um plano diretor. “Neste plano, serão estabelecidas as diretrizes básicas e específicas de cada segmento, envolvendo os agentes de todas as esferas municipais, seja no campo econômico, cultural, da saúde, do meio ambiente, agropecuário, da mobilidade urbana, dos serviços, industrial, da construção civil, do artesanato, dentre outros, proporcionando obter um diferencial entre os municípios pequenos. Somos uma cidade diferenciada, temos um povo diferenciado e a administração pública precisa acompanhar e fazer a diferença.”

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