Fé e ciência: esperança e saber no exercício de salvar vidas


Editorial

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Ainda é possível encontrar pessoas que defendem que fé e ciência não combinam, são dimensões antagônicas essencialmente adversárias. Num passado não tão remoto, promover o diálogo entre essas duas dimensões, demasiadamente humanas, ressalta-se, seria quase impossível. Felizmente os tempos mudaram. O desenvolvimento da ciência e a reflexão humanista e filosófica mostram que fé e ciência não precisam ser adversárias. Ambas são produtos do espírito (mente) humano e da sua inquietante e prodigiosa capacidade criativa, contemplativa e investigativa.

Quando a humanidade foi surpreendida pela notícia de que um vírus desconhecido se alastrava pela cidade de Wuhan, na China, levando inúmeras pessoas a óbito, imediatamente começara uma caça implacável ao inimigo invisível. De onde veio o vírus? Qual sua identidade? Perguntas que cientistas do mundo inteiro tentavam responder. Não tardou surgir as primeiras respostas. O sequenciamento genético realizado em tempo recorde permitiu aos cientistas descobrirem a identidade do patógeno. Um novo membro da grande família dos coronavírus acabava de nascer para assombrar a humanidade e desencadear uma das maiores e mais letais das pandemias já vistas na história.

Porém, não só a identidade do vírus foi descoberta em tempo recorde. Os cientistas, que já estavam estudando há algum tempo a família coronavírus e previam que uma grande epidemia poderia surgir a qualquer momento, possuíam conhecimento e técnica suficientes para produzirem a arma de que a humanidade necessita para derrotar o inimigo invisível: a vacina. E ela foi desenvolvida em menos de um ano! Tempo recorde para a ciência, capaz de surpreender até o cientista mais otimista.

Mas houve também algo que surpreendeu e ainda surpreende as pessoas minimamente sensatas: os raivosos discursos negativistas que almejam desconstruir ou desqualificar o saber científico, apelando para teorias fundamentalistas, muitas vezes com arcabouço religioso. Trata-se de mais um inimigo que a ciência, a razão humana e o bom senso precisam combater. Aliás, como é possível à inteligência humana entender que ainda há pessoas que acreditam que a Terra é plana? Talvez o atual inquilino do Palácio do Planalto tenha a resposta.

Um dos legados mais importantes deixados pela pandemia da Covid-19 é, sem dúvida nenhuma, a importância da ciência para a humanidade. Quando mais precisávamos do saber científico, ele nos socorreu, apesar de inúmeras propagandas contrárias incentivadas por políticos demagogos e seus fanáticos seguidores. Destaca-se, no entanto, que em momento algum as religiões tentaram desqualificar a ciência ou mesmo confrontá-la. Líderes religiosos, como o papa Francisco, vêm incentivando a vacinação e cobrando celeridade dos governantes em promover políticas públicas de imunização, capazes de contemplar, sobretudo, as nações mais pobres. Sincero reconhecimento da ciência que salva vidas!

Quando a ciência é agredida e desqualificada, os sermões não ecoam mais dos púlpitos das igrejas e catedrais. As vozes tenebrosas ressoam dos parlamentos, multiplicam-se no Twiter e nas redes sociais de políticos demagogos.

A incomparável crise sanitária em que se encontra mergulhado o Brasil é fruto da ignorância premeditada que nega a ciência, da maldade consentida que se esconde por trás de discursos religiosos (“Deus acima de tudo”) hipócritas e da ausência de empatia de um governo com a população pela qual jurou zelar e defender.

A sociedade contemporânea deixou definitivamente para trás o antagonismo fé e ciência. As duas dimensões, demasiadamente humanas, se uniram, cada uma respeitando suas respectivas metodologias, pensamentos e investigações, e se deram as mãos em favor da vida. O teólogo e escritor dominicano, frei Betto, traduz perfeitamente o que deve fundamentar um diálogo construtivo, investigativo e ao mesmo tempo fascinante sobre fé e ciência e suas implicações. “Que a ciência seja o reino da dúvida ninguém pode questionar; todo cientista é alguém que – para usar uma expressão da moda – quer conhecer a mente de Deus”. Defender, portanto, a divisão é se aliar ao discurso de morte.

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