Formação humana e cidadã no Ensino Médio


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João Bosco de Castro Teixeira*0

fotoJoão Bosco Teixeira

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, que está em pleno vigor, preconiza, como terceira finalidade do ensino médio, “o aprimoramento do educando como pessoa humana”.

A atual Lei, relativa ao tema, lidou muito mal com essa matéria. É verdade: trata-se de questão nada simples, pois estamos no campo da educação, não meramente do ensino. E educação não se ensina. Vive-se.

A questão teve início quando, na medida provisória, e mesmo na primeira formulação da Lei, não constavam do currículo disciplinas como filosofia e sociologia, educação física e artes. Não duvidei, então, em escrever: Ensino médio sem arte e sem esporte: ensino médio sem vida!”

Os jovens chegam ao ensino médio, e por lá permanecem, entre os quinze e dezessete anos, na maioria dos casos. Trata-se de um período riquíssimo de suas vidas. Período em que não tenho coragem de dizer que os estudos sejam a coisa mais importante. Há tanto desafio a aguçar nos jovens as forças de que são portadores: preocupações e interesses, crenças e descrenças, obediência e desobediência, identificação multifacetada com os mais variados temas da vida. Tudo se avoluma nessa idade, em busca de um equilíbrio que, não necessariamente se vislumbra. Ora, não pode a escola desconhecer isso, coadjuvante que é da família no processo educativo.

Há dois aspectos a considerar. Primeiro no tocante ao ensino. Confiscar a filosofia do ensino médio é crime de lesa majestade, a meu ver. Ao lado dela, aspectos da sociologia e da antropologia.

A nova lei sugere que tais disciplinas se insiram nos conteúdos das demais disciplinas. Não posso discordar. Resta-me, porém, enorme dúvida sobre a capacidade de nossos professores conseguirem fazer isso nas demais disciplinas. O mínimo necessário seria definir conteúdos básicos e dizer quem cuidaria deles. Mas, que é uma linda proposta, não resta dúvida. Muito melhor um professor de física falar de filosofia que o professor de filosofia pura fazê-lo.  Mas fica a dúvida se o fará, se concordará em fazê-lo.

O segundo aspecto importante é aquele relativo à educação, à aquisição ou consolidação de valores. E aqui estamos falando da tarefa específica da escola, de cujo projeto educativo o professor também faz parte. Mas é a escola, como um todo, nas suas variadas dimensões e serviços que precisa estar voltada para o cultivo daqueles valores relativos ao “aprimoramento do educando como pessoa humana”. E a escola precisa gastar tempo para definir que valores são esses e dos quais ninguém na escola, do diretor ao porteiro, em momento algum deixará de cultivá-los.

Estou convencido: da maneira como se apresenta a nova Lei do ensino médio, resta espaço mínimo para o atendimento da formação humana nos seus aspectos ético e moral, cívico e religioso, cultural e político. O legislador quase está dizendo que o Brasil não precisa de tal formação. E nossos dias parecem confirmar, face ao quadro de nossos legisladores, juízes e executivos do alto escalão!

O antigo vestibular, agora sob a forma de Enen, atrai o foco de tudo na escola. E este tempo precioso dos quinze, dezesseis anos não deixa espaço para as artes, o esporte, para a vida. As escolas porfiam para dizer quem melhor prepara para a universidade. E estudante passou a ser visto como futura mão de obra. Nem mesmo o aspecto vocacional tem sido levado em consideração. Importante é ter sucesso. E sucesso identificado com êxito financeiro, num mundo capitalista que criou o emprego e já não tem emprego para todos.

Pessimista, o educador oitentão? Não. Um pouco descrente, talvez sim. Porque se nossas escolas ensinassem a ler e escrever (pensar, criticar, deduzir, induzir, imaginar, criar, dizer com as próprias palavras, o que se lê etc.) e fazer bom uso da matemática e das ciências da natureza, aluno algum teria dificuldade em enfrentar qualquer curso superior de graduação. E se possuidor de valores éticos mínimos (justiça, honestidade, solidariedade, dignidade pessoal, compaixão) não teríamos só profissionais nas várias áreas, mas verdadeiros cidadãos, conscientes da morada comum. Quando, no ensino médio não há espaço para “o aprimoramento do educando como pessoa humana”, não sei se a família dará conta de preparar os futuros magistrados, legisladores e gestores nacionais, que precisam muito ser melhores que esses dos nossos dias.

*Professor aposentado da UFSJ, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.

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