Laurentino Gomes lança livro “Escravidão” na Feira do Livro de Lisboa


Cultura

José Venâncio de Resende0

Na Feira do Livro, com Laurentino Gomes.

O escritor Laurentino Gomes realizou, no dia 11 de setembro, no espaço da Porto Editora na 91ª Feira do Livro de Lisboa, sua primeira sessão de autógrafos em quase dois anos de pandemia. Na ocasião, o autor lançou em Portugal o livro “Escravidão – A história de um dos negócios mais rentáveis do mundo que foi também uma das maiores tragédias humanas”. Laurentino teve a oportunidade de encontrar e reencontrar leitores portugueses, brasileiros, franceses e um britânico.

A edição portuguesa equivale ao volume I da trilogia “Escravidão”, acrescido do capítulo “Ouro! Ouro! Ouro!”, do volume II, publicado recentemente no Brasil. Este capítulo aborda os galeões que atravessavam o Atlântico rumo a Lisboa, carregados de riquezas extraídas do território brasileiro, como ouro, moedas de prata, diamantes, açúcar, pau-brasil e outras mercadorias. “A alma, miserável e dilacerada, estava nas sombras, escondida abaixo de todas essas riquezas, nos cárceres situados nos porões dos navios. Eram escravos negros.”

Neste capítulo, o autor conta histórias de africanos e “criolos” (nascidos no Brasil), que chegavam a Lisboa para serem julgados pelo tribunal da Inquisição católica, acusados de práticas demoníacas nas sessões de curas e de feitiçaria, em cidades como Rio de Janeiro e as mineiras Sabará e Mariana. Muitas vezes, crimes confessados ao término de sessões de suplício e de tortura promovidas pelos próprios donos, e que nem sempre se confirmavam.

Laurentino cita, especificamente, a Lisboa de 1742, à margem do rio Tejo, mostrando o contraste entre os aparentes cosmopolitismo e dinamismo da cidade, com os seus cerca de 200 mil habitantes, e a decepção com as ruelas estreitas e escuras que conduziam ao alto das colinas. “A capital portuguesa era suja, escura e perigosa.” As ruas, que recebiam todo o tipo de imundície atirada pela janela, “eram lavadas apenas uma vez por ano, às vésperas da procissão de Corpus Christi, no mês de junho”. O trabalho de limpeza da cidade seria uma das atribuições dos africanos escravizados, que, principalmente, “eram os responsáveis pelo desembarque e o transporte das mercadorias que chegavam ao porto”, relata o autor.

“Portugal vivia nessa época um esplendoroso, porém efêmero, surto de prosperidade, alimentado pelo descobrimento de ouro e diamantes no Brasil, a maior e mais rica colônia escravista do mundo”, prossegue Laurentino. “Entre 1700 e 1750, o Brasil respondeu sozinho pela metade da produção mundial de ouro.”

Minas Gerais era responsável por mais de cinquenta dessa produção, de acordo com números citados pelo autor. “Só de Minas Gerais foram despachadas para Portugal cerca de 535 toneladas (de ouro) entre 1695 e 1817, no valor de 54 milhões de libras esterlinas da época ou cerca de 20 bilhões de reais corrigidos em 2019.” Sem falar do ouro contrabandeado.

O aparecimento do ouro de aluvião, por volta de 1690, numa região montanhosa e pouco habitada, que passaria a ser chamada de “as minas”, provocou, a partir daí, uma corrida às zonas mineradoras, relata o autor. “Só de Portugal, entre meio milhão e 800 mil pessoas mudaram-se para o Brasil, de 1700 a 1800. Ao mesmo tempo, o tráfico de escravos acelerou.” Foram “cerca de dois milhões de homens e mulheres escravizados (que) desembarcaram na América Portuguesa, mais do que o dobro do número registrado nos duzentos anos anteriores”.

Palácio de Mafra

Nesse clima de prosperidade, já sob o reinado de Dom João V, “o Magnânimo”, surgiram na paisagem da metrópole palácios, conventos, monumentos e obras de arte. “O luxo da corte rivalizava-se com o das mais ricas monarquias europeias.” Um exemplo, citado por Laurentino, é o Palácio de Mafra, a cerca de 30 quilômetros de Lisboa, “um dos ícones dos tempos de glória e abundância do Império Colonial Português”.

“Mistura de palácio, igreja e convento, tinha 264 metros de fachada, 5200 portas e janelas e 114 sinos. O refeitório media cem metros de comprimento. Além dos aposentos da corte e dos seus serviçais, havia trezentas celas usadas para alojar centenas de frades. A sua construção levou 34 anos e chegou a mobilizar 45 000 homens. O mármore tinha vindo da Itália. A madeira, do Brasil. Ficou pronto em 1750, no auge a produção de outro e diamantes em Minas Gerais.” 

Tudo sustentava-se no trabalho escravo no Brasil, resume Laurentino. “Tudo dependia do sangue e do suor africano, base e sustentáculo da economia colonial. Dele usufruíam mineradores, senhores de engenho, bispos, padres e missionários, oficiais e funcionários, tropeiros e comerciantes. Nada se fazia sem escravos.”
 

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