Major Ivan, o último expedicionário sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, em São João del-Rei


Cultura

José Venâncio de Resende0

Major Ivan, expedicionário da FEB na Segunda Guerra Mundial.

Major Ivan Esteves Alves, que está completando 96 anos, é o último expedicionário são-joanense sobrevivente da 2ª Guerra Mundial. Nasceu em São João del-Rei em 1921. Pertence à Ordem Terceira do Carmo desde 1932. Estudou no antigo Colégio do Caraça, no período de 1933-36, onde foi colega dos resende-costenses Antônio Argamin de Freitas (Totonho do Sô Bico) e Gentil Vale.

O major é soldado do Exército desde 1937. No dia desta entrevista, 12 de maio, completavam 80 anos que ele se deslocou com o então 11º Regimento de Infantaria (RI) para Borda do Campo, no Sul de Minas. “Era época de Getúlio Vargas, tinha três meses que eu era soldado, recruta. Nós ficamos lá guardando estradas. Em fins de junho nós voltamos.”

Major Ivan frequenta a igreja do Carmo quase que diariamente. “Nasci do lado da igreja e fui criado ali. Foi Nossa Senhora do Carmo quem me levou e me trouxe da guerra.”

Na época da Guerra, major Ivan, então 2º sargento, voltaria a se encontrar com o também 2º sargento Antônio Argamin de Freitas. “Tanto o Freitas quanto o Jair (também de Resende Costa) pertenciam ao meu Batalhão, o 3º.” O Major fazia parte da Companhia de Comando (CC3) e Freitas pertencia à Companhia de Petrechos Pesados (CPP3), que trabalhava com armamento pesado. Por sua vez, Jair Resende Maia alistava-se na 8ª Companhia (fuzileiros).

Antecedentes

A partir de 1941, o governo brasileiro autorizou os aviões de guerra norte-americanos a utilizar a base aérea de Natal, em seus deslocamentos para missões na África. Coincidência ou não, 32 navios da Marinha Mercante foram torpedeados na costa brasileira.

Em finais de 1943, o 11º RI começou a receber grande número de convocados de cidades vizinhas e lugares distantes, além de militares dos Regimentos de Belo Horizonte e Juiz de Fora, para se alistarem na Força Expedicionária Brasileira (FEB). Apresentaram-se ao Regimento mais de cinco mil homens, que ocuparam o quartel, inclusive os pátios com barracas, e prédios do Círculo Militar e do Colégio Padre Machado.

Em março de 1944, os convocados deslocaram-se em trens especiais para a cidade do Rio de Janeiro, inclusive o 3º Batalhão ao qual pertencia o major Ivan. “No Rio, ficamos durante seis meses recebendo instruções e fazendo treinamento antes de seguirmos para a guerra.”

Major Ivan lembra que as instruções e o treinamento seguiam o padrão norte-americano, mas ele havia estudado francês no Colégio do Caraça. "Apesar de que havia tradução para o português."

No dia 20 de setembro, os três batalhões do 11º RI com suas 20 companhias embarcaram para a Europa com as tropas da FEB no navio norte-americano AP 116 “General Meighs”. “O navio ficou ancorado até 22 de setembro quando partiu rumo à Itália”, relata major Ivan.

Durante a travessia do Oceano Atlântico, os mais de cinco mil soldados receberam instruções e treinamento de abandono do navio, a partir de ordem dada pelo alto-falante. O navio era protegido por outros navios, como Cruzador, Destroyer, Caça-minas e um que jogava bombas em profundidade para atingir algum submarino alemão nas proximidades. “Atravessamos o mar cheio de submarinos alemães e tínhamos de estar preparados para o que desse e viesse”, conta o major.

Na Itália

Em 6 de outubro, o navio atracou no porto de Nápoles, lembra o major. “No dia 9, nós fomos transportados em 50 barcaças da marinha de guerra norte-americana (cerca de 200 soldados por barcaça) até o porto de Livorno. A viagem foi tranqüila até que caiu uma tromba d´água que deixou o mar agitado a noite inteira. Todo mundo enjoou na viagem.”

Os barcos que levavam major Ivan e os demais expedicionários atracaram em Livorno, de onde as tropas foram transportadas em caminhões para a Vila S. Rossore, perto da famosa cidade de Pisa, onde ficaram acampadas. “A gente saía de lá aos domingos e ia passear em Pisa.”

Em S. Rossore, as tropas ficaram mais de um mês recebendo instruções, além do material de guerra de origem norte-americana (fardamento, objetos de uso pessoal e armamento). Somente em meados de novembro, deslocaram-se para o front. “Em 26 de novembro, participamos de uma manobra que terminou de noite. No dia 27, deslocamos para Silla, perto de Monte Castelo.”

No local havia uma ponte alguns metros de distância que os alemães queriam alcançar, conta major Ivan. “Lembro que para proteger a ponte os americanos montaram uma ´fábrica de fumaça´, na verdade uma máquina de produzir neblina artificial. Quem trabalhava na fábrica de fumaça era o magro, Stan Laurel, da dupla Gordo e Magro.”

No cenário de guerra

Em Silla, major Ivan teve o primeiro contato com as bombas alemãs. “No dia 28 para 29 de novembro, o 3º Batalhão do 11º RI e outro batalhão do 1º RI subiram para Bombiana, que já era a linha de frente. O caminho era muito ruim e, para piorar, subimos à noite. Às 8 horas do dia 29 começamos o ataque ao Monte Castelo. O local era muito bem defendido pelos alemães. Tivemos de interromper o ataque por falta de condições de chegar até onde estavam os alemães.”

No dia 12 de dezembro, o 1º Batalhão do 11º RI e outro batalhão do 1º RI tentaram outro ataque que também fracassou, conta o major. “Entre um ataque e outro, nós fazíamos patrulhamento da área. Passamos o inverno todo ali, com 20 graus abaixo de zero. Mas tínhamos um bom agasalho, estávamos bem equipados.”

De l7 dezembro de l944 a 17 de fevereiro de l945, ficamos em posições na frente do Monte Belvedere, onde passamos a maior parte do rigoroso inverno.

De 17 para 18 de fevereiro de 1945, a 10ª Divisão de Montanha Americana nos substituiu naquelas posições e atacou o front em Monte Belvedere, à esquerda de Monte Castelo. “No dia 21, nós atacamos e tomamos Monte Castelo. Aí os alemães recuaram e nós continuamos o ataque”, relata major Ivan.

Entre 21 de fevereiro e 14 de abril, as tropas da FEB permaneceram em ações de patrulhamento, fazendo alguns ataques e conquistando algumas localidades, recorda o major. “Em 14 de abril, atacamos Montese. Foi o meu Batalhão que trabalhou nesse ataque, com a cobertura dos outros batalhões. Esta foi a batalha mais violenta e sangrenta que tivemos, com muitos mortos e muitos feridos. Por causa das grandes baixas, depois de mais de 35 horas contínuas de ação,fomos substituídos por um Batalhão do 6º RI que consolidou o avanço do 3º Batalhão em Montese. Foi uma carnificina, mas nós conseguimos.”

A luta durou três dias (14, 15 e 16 de abril), relata major Ivan. “A batalha mais dura foi em Montese. Foram mais de 40 horas de combate, com o 3º Batalhão sofrendo muitas baixas, entre mortos e feridos, quando então foi substituído na linha de frente.”

A vitória

“Nós continuamos avançando e os alemães fugindo”, conta o major Ivan. “Até que em 28 de abril houve, em Fornovo, a rendição da 148ª divisão alemã e mais uma divisão italiana. Os comandantes deles se renderam. Todos foram presos e desarmados. Foram dois generais e cerca de 18 mil homens.”

No dia 2 de maio, as tropas da FEB chegaram a Mirambello. “Nós já estávamos comemorando e os italianos já estavam festejando. A guerra tinha acabado na Itália.”

Nos meses seguintes, as tropas expedicionárias permaneceram na Itália. "Fomos para Valença, depois passamos para Alessander. Então fomos conhecer a região do Vale do Rio Pó no norte da Itália. Aí veio a ordem para irmos para a região marítima de Francolise, perto de Nápoles."

Em 4 de setembro, os soldados da FEB embarcaram de volta ao Brasil, chegando ao Rio de Janeiro no dia 17. "Voltamos no mesmo navio, desta vez sem a preocupação com os submarinos alemães", comenta bem humorado o major.

Major Ivan chegou a São João del-Rei em 4 de outubro de 1945. "No Rio, houve o licenciamento da turma. O pessoal efetivo que chegou a São João era pequeno."

Major Ivan recebeu várias promoções na carreira militar, reformando-se em 30 de novembro de 1964. Foi condecorado com a "Medalha de Campanha", concedida a todos os expedicionários. Recebeu a "Medalha Cruz de Combate de 2ª classe", por ação meritótria, e a "Medalha de Guerra", por participar do esforço de guerra. "Tenho umas 13 a 15 medalhas e condecorações, muitas comemorativas."

Major Ivan é viúvo desde 2009. "Fui casado 62 anos, 4 meses e 17 dias." Tem seis filhos, dois quais dois de criação que são sobrinhos.

 

 

 

 

 

 

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