Matar a fome, partilhando amor e solidariedade

Projeto “Sopa Solidária Beija-Flor de Luz” realiza trabalho social em Resende Costa, congrega voluntários e oferece alimento a quem nada possui


André Eustáquio


Casa do projeto Sopa Solidária Beija-Flor de Luz, na rua Pau Brasil, bairro Tijuco (foto André Eustáquio)

Um pequeno imóvel, de propriedade da Prefeitura Municipal, localizado na Rua Pau Brasil, 526, no bairro Tijuco, em Resende Costa, tornou-se, desde agosto de 2020, sede de um projeto social que vem atraindo voluntários e, o mais importante, matando a fome de muita gente que não tem o que comer. Mas além de matar a fome física, o projeto “Sopa Solidária Beija-Flor de Luz” também procura saciar o desejo das pessoas por uma palavra amiga de esperança e solidariedade.

Foi numa manhã, precisamente às 9h, que Guilherme Novais chegou à casa da Cláudia Magalhães e a convidou para desenvolverem juntos um projeto nobre e ao mesmo tempo desafiador. “Eu fui lá na casa da Cláudia levar umas peças de roupa para o bazar da Casa Espírita (Jesus Caminho e Luz), que ajuda, com a renda, a manter o espaço e ainda amplia o acesso de pessoas que não têm condições de comprar roupas a conseguirem adquirir peças por 2 ou 3 reais”, conta Guilherme. Desse encontro nasceu rapidamente o projeto “Sopa Solidária”. “O Guilherme foi lá em casa, me convidou e eu topei. Foi tudo muito rápido. Às 9h ele chegou lá em casa, às 13h o espaço estava pronto e quinze dias depois a primeira sopa foi servida”, revelou Cláudia. Na primeira semana, foram servidos 96 marmitex de sopa; na segunda, a mesma quantidade; na terceira; o número saltou para 175. No dia 3 de maio de 2021, quando o JL visitou a sede da “Sopa Solidária”, foram servidos aproximadamente 800 marmitex de sopa, além da sobremesa para as crianças: salada de frutas e gelatina.

A sopa é feita e servida sempre às segundas-feiras. Os voluntários, cerca de 20 pessoas, começam os preparativos a partir das 13h e 30min. Na cozinha, ampliada para dar conta da demanda, reúnem-se cozinheiras, pessoas picando legumes e preparando as embalagens para tudo correr conforme o cronograma. A equipe de entrega começa o trabalho, que abrange oito setores da cidade, no fim da tarde. “95% da sopa é entregue de casa em casa, em toda a cidade. Não há distinção. Há oito rotas de entrega. Há três semanas estamos levando também ao povoado dos Pintos e ainda há uma quantidade reservada para o presídio da cidade”, explica Guilherme. “A segunda-feira é um dia da semana que a gente tira para se doar. É a hora que a gente tem certeza de que todo mundo é igual”, completa o idealizador do projeto.

Guilherme Novais e sua esposa Ana, a Ana do Galo, realizam, há dez anos, a mesma ação em Belo Horizonte. Na capital mineira, eles oferecem sopa a moradores de rua. “Infelizmente tivemos que interromper em BH devido à pandemia”, lamenta Ana. Repetir, portanto, o projeto em Resende Costa era um sonho que Guilherme vinha acalentando. “Há mais de dez anos que sonho em realizar esse trabalho aqui, reunindo todo mundo. E a Cláudia topou”. “É claro que topei, prontamente! Esta casa estava abandonada, a prefeitura nos cedeu o espaço e tratamos de equipá-lo e melhorá-lo”, diz Cláudia Magalhães.

 

Um ninho no telhado

Quando Guilherme convidou a Cláudia para realizarem juntos o projeto, não havia sequer onde reunir as pessoas para fazerem a sopa. Mas Cláudia pensou rápido. Ela sabia da existência da casa no Tijuco e pôs mãos à obra. “Nós tínhamos na Casa Espírita dois caldeirões e um fogão. Iniciamos com eles e depois realizamos uma campanha para adquirir um fogão novo e uma geladeira”. O projeto foi batizado de “Geladeira Solidária”. Hoje, a cozinha está totalmente equipada com panelas, caldeirões, fogão e geladeira nova. Mas, sobretudo, com o principal: os alimentos doados pelos resende-costenses que abraçaram o projeto. “Tudo aqui é doado e nada é desperdiçado”, diz Cláudia. Guilherme completa: “Dividir as coisas, partilhar. Isso nos move. Tudo aqui é 100% doação, ou seja, a gente vive de doação. E tudo que recebemos de doação a gente converte em doação. Estamos o tempo todo partilhando.”

O leitor deve estar curioso para saber o que tem a ver um ninho no telhado com a sopa. Cláudia explica: “Quando nós chegamos aqui pela primeira vez, um beija-flor nos recebeu e nos acompanhou o tempo inteiro.” E não é que o beija-flor fez seu ninho justamente no telhado que cobre a varanda da cozinha? E ele está lá até hoje, em seu ninho feito com ramos secos e retorcidos, testemunhando e alegrando os voluntários que oferecem esperança, alimento e alegria a quem, muitas vezes, perdeu a vontade de viver por nada possuir. “O nosso objetivo principal é matar a fome. Você não tem noção do que é ver pessoas nos esperando para receberem a sopa. Sim, as pessoas nos esperam. E muitas realmente não têm o que comer”, diz Cláudia. “É muito gratificante tudo isso. Não tenho palavras para traduzir.”

 

Remédio para o corpo e para a alma

Por volta das 16h, a sopa já estava pronta nos caldeirões e algumas crianças do bairro Tijuco começavam a chegar à casa da “Sopa Solidária Beija-Flor de Luz”. Antes, porém, de as sopas começarem a ser embaladas, surgiu um silêncio na cozinha. Iniciava-se ali um momento importante do trabalho: o encontro para a oração. De mãos dadas, as cozinheiras e o pessoal da entrega rezaram o Pai Nosso e cantaram a bela e tocante Oração de São Francisco. “Que essa sopa seja também remédio, alimento físico e espiritual”, invocou o dirigente da oração.

Guilherme Novais destaca a espiritualidade que motiva, norteia e ilumina os voluntários que promovem o bem e matam a fome em Resende Costa. “Jesus disse: ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles’. Diante disso, tenho certeza de que esta sopa, este alimento, farão bem para a alma, não só para o corpo.”

O clima de boa convivência e de alegria contagia todos que participam do projeto. “Fazer o bem ao próximo e reunir as pessoas em prol do bem-comum. É isso que desejamos. Esse é o momento de convivência e de alegria, de oferecer amor puro”, reflete Guilherme. Da sua propriedade, o Sítio do Retiro Velho, vem a água limpa e pura para o cozimento da sopa. “A sopa é feita da água pura tirada na mina, sempre aos domingos”, revela. Guilherme, todas as segundas-feiras, realiza uma maratona aos supermercados para recolher os ingredientes doados. Ele faz um pedido: “As pessoas que desejam doar, fazer sua oferta de algum alimento, podem nos procurar, a mim ou a Cláudia. A gente vai direcionar as doações.”

Além das segundas-feiras, ininterruptas desde o dia 22 de agosto de 2020, o “Sopa Solidária” costuma realizar algumas ações em dias especiais, como ocorreu no último Natal e na Páscoa deste ano. “No Natal a gente organizou uma ceia. Escolhemos famílias, 40, ao todo, que realmente não teriam nada para comer na noite de Natal. Foi uma festa justamente no dia 24 de dezembro”, conta Cláudia. Na Páscoa, o grupo preparou um delicioso almoço com direito a peixe.

Levar alimento a quem não tem. Eis o espírito cristão que move os integrantes do projeto “Sopa Solidária”. Mas a ação não termina na entrega da sopa. “Muitas pessoas esperam de nós também palavras de incentivo, de esperança para viver. Oferecemos a nossa amizade e sempre uma palavra de esperança. Afinal, o que nos move é o espírito de caridade. Desejamos vivenciar e partilhar o amor. Somos todos irmãos usufruindo daquele alimento que traz como símbolo a imagem viva de Jesus, dizendo que agradecerá sempre àquele que fizer algo por alguém, lembrando que é a Ele que estamos fazendo. Emoção, ternura, encanto, enfim...”, conclui Guilherme.

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