Não foi uma tragédia


Editorial

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O rompimento da barragem 1 de rejeitos de minério de ferro da Vale, no dia 25 de janeiro, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, expôs muito mais do que questões meramente técnicas apresentadas por engenheiros e especialistas, tais como: vulnerabilidade, riscos de rompimento, tecnologia ultrapassada, inspeções, descomissionamento, alteamento, etc. A tragédia (anunciada) em Brumadinho revela o desprezo pela vida humana e pela natureza em favor da ganância desenfreada por dinheiro, um acúmulo maior do que o mar de lama que soterrou vidas e sonhos de trabalhadores e moradores do distrito de Córrego do Feijão.

Até o fechamento desta edição, em 6 de fevereiro, 13º dia de buscas pelos desaparecidos, foram resgatados 150 restos mortais, 182 pessoas continuavam desaparecidas. Para agravar ainda mais o sofrimento e a angústia dos familiares das pessoas desaparecidas, o Corpo de Bombeiros informou que provavelmente muitos corpos jamais serão encontrados devido às condições adversas impostas pelo tempo e pela decomposição desses mesmos corpos. A tragédia humana e ambiental nos faz lembrar cenas apocalíticas de filmes de ficção científica. Porém, nesse caso, as cenas são reais. O alto número de desaparecidos pode levar a computar mais de 300 mortos, de acordo com informações do Corpo de Bombeiros.

Usamos até agora a palavra “tragédia” para classificar o rompimento da barragem e os efeitos terríveis causados por ele. Mas será que foi mesmo uma tragédia? Se analisarmos a origem do termo tragédia, voltaremos à Grécia antiga e aos espetáculos dramáticos apresentados pelos gregos. A tragédia grega possuía elementos fixos que reuniam deuses, humanos, destino e sociedade. Numa tragédia grega, humanos, deuses e semideuses não podiam fugir do destino, podendo este terminar em um final feliz ou triste. Portanto, para os gregos não era possível evitar uma tragédia, prevenir o seu desfecho, mudar o seu destino. Ele já estava escrito.

Visto por esse lado, o episódio de Brumadinho, assim como o rompimento da barragem da Samarco em Bento Gonçalves, distrito de Mariana, há três anos, não podem ser classificados como uma tragédia. Seria melhor os classificarmos como crimes, negligência, desastres que poderiam ser evitados. Mas, em ambos os casos, a ganância – por sugar predatoriamente os recursos naturais – superou o bom-senso, a prudência, o cuidado, o zelo pela vida e pela natureza.  

A busca pelo acúmulo perverso de riquezas e pela alta das ações nas bolsas de valores cega empresas como a Vale, cujo compromisso com a preservação do meio ambiente e da vida humana se resume tão somente em propagandas caríssimas divulgadas em horários nobres nos meios de comunicação. Causa revolta assistir ao comunicado da Vale sobre o rompimento da barragem 1 de Brumadinho. No final do comunicado, a empresa destaca “que possui compromisso com a segurança”. Quanta hipocrisia!

As cenas “apocalípticas” do mar de lama engolindo casas, soterrando máquinas, carros, trens, guindastes, matando o rio Paraopeba devem nos alertar quanto ao rumo que estamos tomando. Se escolhermos a ganância desenfreada pelo consumo, pela produção e pelo dinheiro, seguindo a lógica maquiavélica de que tudo pode quando a finalidade é obter lucro, continuaremos assistindo à natureza ser depredada e vidas humanas serem ceifadas impiedosamente.

A exploração dos recursos naturais, como o petróleo e o minério de ferro, devem continuar a acontecer nesse ritmo avassalador capaz de destruir em poucos dias o que a natureza levou milhares de anos para construir? As imagens assustadoras captadas pelas câmeras de segurança da Vale no instante do rompimento da barragem mostram a fúria da natureza quando suas forças são desafiadas pelo homem.

A humanidade precisa encontrar meios de viver em harmonia com a natureza. Os mortos de Brumadinho, muitos eternamente sepultados sob um mar de lama seca e venenosa, estão gritando isso.

O JL é solidário às vítimas desse infame desastre que poderia ser evitado.

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