O poeta do Vale do Jequitinhonha

O cantor e compositor mineiro Paulinho Pedra Azul, que está completando 35 anos de carreira, voltou a Resende Costa para um show no Mandacá Açaí


André Eustáquio


O cantor, poeta e compositor Paulinho Pedra Azul durante o show no Mandacá Açaí (Foto André Eustáquio)

Em 1992, foi inaugurado no centro de Resende Costa um espaço, até então inédito na cidade, com a proposta de oferecer ao público uma combinação perfeita: bar e música. Estamos falando do Sobrado Scotch Bar, localizado sobre o atual Supermercado Sobrado, na Avenida Monsenhor Nelson. O bar infelizmente não existe mais. O artista escolhido para cantar na noite de inauguração do Scotch Bar foi Paulinho Pedra Azul, autor de Jardim da Fantasia, um clássico da MPB. 26 anos depois, comemorando 35 anos de carreira, Paulinho Pedro Azul voltou a Resende Costa, no dia 24 de novembro último, para um show no Mandacá Açaí.

A reportagem do JL conversou com Paulinho Pedra Azul na tarde do dia 24, momentos antes dele “passar o som”, como falam os músicos. As portas do Mandacá Açaí estavam fechadas, o pequeno e simples palco já estava montado e o Emerson Gonzaga, proprietário do Mandacá, cuidava da preparação dos últimos detalhes do show da noite. Iniciei a conversa com Paulinho perguntando-lhe sobre seus 35 anos de carreira, iniciada em sua cidade natal, Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha. Ele destacou a fidelidade e as inúmeras parcerias construídas ao longo da carreira. “Eu acho a principal coisa a fidelidade musical, a gente ter paciência para receber influências mesmo depois que você consegue construir sua carreira, sua marca. A gente receber influências de outros artistas que chegam, da moçada jovem que vem reinventando a música.”

Paulinho Pedra Azul construiu seu vasto repertório ao lado de 153 parceiros. “A vida toda fiz música e letra. Vagando, Jardim da Fantasia, Voarás, Precisamos de Amores, entre tantas outras, são letra e música de minha autoria”, diz o cantor e compositor, que revela: “No início da minha carreira eu era muito tímido, tinha vergonha de mostrar minhas músicas.”

 

O início da carreira

Paulinho Pedra Azul começou a cantar ainda jovem em sua cidade natal. “Eu me envolvi com a música desde os 14 anos de idade”, lembra. Aos 16 anos, compôs Jardim da Fantasia, um grande sucesso que marcaria toda a sua trajetória de um dos maiores nomes da MPB. A música, que fala do voo de um bem-te-vi, pássaro da fauna brasileira, tem na verdade uma mensagem romântica, gestada na alma do jovem poeta mineiro do Vale do Jequitinhonha. “Jardim da Fantasia eu compus para a minha primeira namoradinha. Na verdade, a música surgiu da nossa separação. Eu comecei a escrevê-la em Pedra Azul e terminei em Vitória, no Espírito Santo. Essa música realmente marcou. Considero-a a primeira música e a primeira namorada”, conta Paulinho.

Após deixar Pedra Azul, Paulinho viveu 14 anos em São Paulo, onde conheceu grandes artistas e formou diversas parcerias. “14 anos em São Paulo me deram a oportunidade de conhecer muita gente boa e gravar meus três primeiros discos lá. Quando eu me mudei para Belo Horizonte, em 1985, conheci músicos que trabalhavam com música instrumental. Na década de 80, estava rolando muita música instrumental. Lá estavam Clube da Esquina, Tavinho Moura, Gilvan de Oliveira, Weber Lopes, entre tantos outros. Sou apaixonado por música instrumental, por chorinho e jazz.”

Esses artistas influenciaram a carreira e o estilo de Paulinho Pedra Azul. “Eu fui curiosamente me exercitando ouvindo música instrumental. Eu colocava letra nas músicas que ouvia. Foi aí que conheci grandes nomes e parceiros, como Toninho Horta, Wagner Tiso... Nós nos tornamos amigos, eles iam à minha casa, almoçávamos juntos. Então, com o tempo, eu fui descobrindo várias pessoas com as quais fiz parcerias de letra e música.”

 

A obra

Paulinho tem uma vasta obra que transcende a música. Ele é um poeta. Enquanto compositor, possui mais de 1.000 músicas em parceria com outros artistas. Em 35 anos de carreira, Paulinho Pedra Azul gravou 27 discos. Suas canções foram regravadas por diversos cantores da MPB.

A conversa com Paulinho Pedra Azul revela uma personalidade inspirada pela poesia. Suas músicas são a síntese do que sai de uma alma sensível ao belo e aos sentimentos. “As letras das minhas canções falam de sentimentos, das relações humanas, de amores perdidos e achados, encontros e desencontros”, diz Paulinho. Atualmente, ele se dedica mais a escrever. “Sou letrista nas minhas parcerias. Eu não consigo mais musicar nem o que eu escrevo, mas letrar as músicas que as pessoas me enviam. Fico satisfeito quando ouço uma música, aquilo me bate e me dá uma frase. Assim cheguei a 153 parceiros.”

Além da grande coletânea de músicas gravadas em seus 27 discos, Paulinho Pedra Azul chega aos 35 anos de carreira em pleno vigor e declarando amor à poesia. “Escrevo hoje duas ou três poesias por dia. É raro o dia em que eu não escrevo duas ou três poesias por dia. É um exercício diário. Virou um diário. Eu me inspiro quando encontro com alguém na rua, principalmente quando ouço alguma pessoa reclamar, aí é que eu me inspiro. Escrevo o que a pessoa está reclamando, ou reclamo do que ela está reclamando, para ela não reclamar nunca mais (risos)”, revela o poeta, que já publicou 17 livros, sendo cinco infantis e 12 de poesias. “Eu adoro escrever para crianças, tenho oito peças infantis de teatro. Eu falo do menino que ainda sou. Todos nós, na verdade, preservamos a criança que ainda está dentro de nós.”

 

O atual cenário da música brasileira

Paulinho vibra quando fala da música brasileira, que para ele é a “mais rica, a mais melodiosa, a que possui letras mais ricas. É a mais diversificada”. No entanto, ele não esconde sua crítica ao atual cenário da música brasileira. “Até a década de 80 foi muito bom. Depois da década de 90, até o rock começou a piorar, virou baladinha. Depois que a música sertaneja começou a tomar conta do mercado e a mídia começou a trabalhar com coisas ruins, ou seja, com o quanto pior mais vende, aí começou a cair. Não tenho nenhum preconceito em relação à diversidade musical, mas, de 15 anos pra cá, a coisa piorou muito.”

A crítica de Paulinho Pedra Azul abrange o estilo e a linguagem da música atual. “A nossa música é a melhor música do mundo. E não é só a gente que fala, o mundo todo fala. Mas a mídia abraçou essa libertinagem poética que veio à tona. Não sou conservador, sou um cara aberto, mas é preciso reconhecer que baixou o nível, houve uma banalização da música, da poesia e da presença do artista. Isso é triste”, avalia Paulinho Pedra Azul.

Apesar da presença maçante na mídia de artistas de qualidade duvidosa, o Brasil ainda se destaca, segundo Paulinho Pedra Azul. “A música brasileira é rica e quem produziu e ainda produz coisas ricas continua fazendo sucesso. Muitos até aprimoraram. Você vê o Gilberto Gil cantando, que simplicidade e maturidade! Ele chegou a tal maturidade que pode cantar até funk com letra bonita. Caetano Veloso continua moderno e evoluindo. Chico Buarque é o mais perfeito. A poesia do Chico vai ficando simples e ao mesmo tempo mais madura, mais doce, linda, harmoniosa”, destaca Paulinho, que não deixa de falar do rock: “O rock dos anos 80 e 90 era muito bom. Havia irreverência e humor sadio. Hoje é apelação total.”

 

Voltar a Resende Costa

Muitas pessoas que foram ao Mandacá Açaí para assistir ao show do Paulinho Pedra Azul no dia 24 de novembro último também estiveram presentes no Sobrado Scotch Bar em 1992 e, mais uma vez, aplaudiram e vibraram com os grandes sucessos desse ícone da MPB. Paulinho se lembra com carinho da primeira vez em que veio a Resende Costa. “É um lugar lindo. Quando vim pela primeira vez, foi na inauguração do Sobrado Scotch Bar. Lá estava cheio, o público maravilhoso. Eu não sei explicar por que fiquei tanto tempo sem vir aqui. Não foi porque eu não quis, acho que foi falta de contato”. Ele elogiou Resende Costa e a região. “A cidade cresceu muito. Eu sei que é uma cidade cultural. A região toda é cultural: Tiradentes, São João del-Rei, Ritápolis, Prados. Aonde você vai, você sempre acha uma coisa cultural.”

Aos 64 anos de idade e 35 de carreira como músico profissional, Paulinho Pedra Azul traça planos para o futuro. Ele está concluindo uma coletânea de quatro CDs que têm como tema as quatro estações (Verão, Outono, Primavera e Inverno). “Estou lançando quatro discos, encerrando as quatro estações. São músicas que cantei em discos de amigos meus. A ideia é remasterizar todo esse trabalho, que apresenta ao todo entre 60 e 65 músicas. Depois desse trabalho, vou fazer um disco duplo com pessoas que cantaram as minhas músicas. São ao todo 20 a 30 músicas”, explica.

Paulinho Pedra Azul possui cerca de 700 músicas ainda inéditas. Em 2020 ele planeja lançar novos trabalhos com repertório inédito e, a partir daí, iniciar uma outra comemoração: os 40 anos de sua carreira. “Em 2021 faço quarenta anos de carreira. Então é recomeçar. E música não vai faltar”, conclui o autor de Jardim da Fantasia.

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