Ouvidorias: construindo organizações públicas mais abertas e participativas


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Fernando Chaves*0

Ombudsman é um termo nórdico que significa “defensor do povo” ou “representante do cidadão”. No Brasil, o termo mais adotado para designar o ombudsman é ouvidor, que é o responsável pela ouvidoria – um órgão especializado em captar críticas, reclamações e outras manifestações vindas do público externo às organizações públicas.

A ideia de ter dentro do poder público um órgão responsável por ouvir as críticas externas e utilizá-las para melhorar a gestão organizacional surgiu na Suécia e se estabeleceu por vários países do mundo ao longo dos séculos XIX e XX. A ouvidoria atua como um mecanismo de democratização e deve exercer uma função mediadora entre o Estado e a população. Atualmente, a função dilatou sua área de abrangência original, passando a ser exercida até mesmo no intermédio das relações entre organizações privadas e seus públicos ou clientes.

Para exercer suas funções com efetividade, um ouvidor público precisa atuar com autonomia na sua relação com o governo e as organizações públicas. Precisa ter credibilidade junto à população e conhecer bem a legislação referente a suas áreas de atuação. O ouvidor não deve usar seu conhecimento para blindar as organizações públicas ou o governo. Ele deve atuar como um representante dos direitos do cidadão. Precisa saber mediar conflitos para ser um verdadeiro “provedor de justiça”, prevenindo contra abusos organizacionais, defendendo o direito dos públicos diante dos governos, canalizando críticas, detectando falhas na qualidade dos serviços prestados à população, estimulando a transparência governamental e organizacional.

A ouvidoria é um dispositivo de fortalecimento da democracia participativa, capaz de trazer o cidadão comum para o centro da administração pública. O professor Luís Carlos Yasbek, da Faculdade de Comunicação da UNB, ressalta que as ouvidorias trazem também uma contribuição pedagógica à cidadania. Yasbek defende que a busca pela solução de problemas pode e deve ser feita de forma participativa, envolvendo o cidadão em cada etapa e “orientando-o de modo claro e preciso sobre como proceder e como evitar problemas em situações similares no futuro”.

A implementação da atividade de ouvidor no Brasil é lenta e tardia. Foi a partir das décadas de 1980 e 1990 que a expansão das ouvidorias teve início, por meio de várias medidas jurídicas e legislativas, dentre as quais destacamos: 1) a promulgação da Constituição Federal (1988), que, apesar de não instituir um “Defensor do Povo”, criou uma fundamentação jurídica para a criação de ouvidorias públicas, quando estabeleceu, no artigo 37, que lei disciplinaria as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta; 2) a aprovação do Código de Defesa do Consumidor (1990), que trouxe impulso especial ao estabelecimento das ouvidorias privadas; 3) a aprovação da Lei de Acesso à Informação, em 2011, e da Lei de Participação, Proteção e Defesa dos Direitos do Usuário de Serviços Públicos, em 2017.

Mesmo com algumas experiências pontuais na década de 1980, foi somente nas décadas de 1990 e 2000 que se assistiu à expansão das ouvidorias públicas no Brasil. Ainda são muitos os desafios no sentido de se institucionalizar e tornar mais efetivas nossas experiências com a função do ouvidor. No setor público, a morosidade na implementação das ouvidorias é um dado marcante. Em muitos casos, as ouvidorias funcionam estritamente como um balcão para registro de reclamações ou são concebidas, exclusivamente, dentro de estratégias e planos de marketing, resultando no atrofiamento de suas funções clássicas. A ouvidoria deve ser vista como uma ferramenta de implemento da participação popular, do controle social e dos direitos do cidadão/consumidor. É também mediadora de conflitos externos e internos, instância de tratamento dos vínculos institucionais estremecidos e mecanismo de autocrítica para o aprimoramento constante da gestão.

Como instância de controle social, de participação popular e como aparato de transparência, as ouvidorias enfrentam desafios para se estabelecerem plenamente no Brasil. A cultura da transparência dos atos públicos e da participação popular ainda encontra obstáculos muito persistentes que impedem a abertura das organizações públicas para um tipo de comunicação efetiva com a sociedade, de modo a superar os modelos tradicionais de uma comunicação altamente centralizada, vertical e ancorada no marketing e na defesa de interesses institucionais frente aos interesses públicos propriamente ditos.

 

*Jornalista

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