Pelo fim da violência contra a mulher

Projeto da UFSJ propõe ações e presta orientações à sociedade


Vanuza Resende


Movimento em frente ao Fórum de Resende Costa durante julgamento de autor de crime de feminicídio (foto Fernando Chaves)

A violência contra a mulher acontece em todos os espaços – em casa, na rua, no trabalho e até em ambientes virtuais. A situação se agrava quando ela ocorre de maneira silenciosa no seio da sociedade. O ditado de que em briga de marido e mulher não se mete a colher precisa ser esquecido.  

Muitas vezes, as vítimas se calam não só por medo do agressor, mas do julgamento da sociedade, que é machista. Se os números da violência contra a mulher aumentaram assustadoramente durante a pandemia, projetos que combatem a violência contra a mulher também vêm ganhando forças.

O programa de extensão da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), “Entre Idas e Vindas”, foi criado em 2019, motivado pela ideia de compartilhar informações sobre a violência contra as mulheres e, principalmente, com o intuito de apoiar a construção de caminhos para que as mulheres em situação de violência possam buscar ajuda e apoio nos serviços públicos. A professora do Curso de Medicina e médica da Família e Comunidade, Tatiana Miranda, fala sobre o programa. “Na época da criação do projeto, e até hoje, vemos que é muito comum uma mulher em situação de violência, quando vai buscar ajuda nos órgãos públicos da saúde, segurança pública e assistência social, se perder por esses caminhos. Além de precisar enfrentar muitas burocracias em um momento de extrema fragilidade. Por isso, o programa se formou com a ideia de aumentar o fortalecimento da rede de enfrentamento à violência contra a mulher, uma rede que já existia e atuava.”

A professora destaca as ações do programa. “Dentre as principais ações realizadas até o momento, está a construção, divulgação e constante atualização da cartilha informativa sobre violência contra a mulher. Nossa cartilha foi lançada em novembro de 2020 e é resultado das ações contempladas pelo programa de extensão ‘Entre idas e vindas’, que faz parte do Núcleo de Estudo de Saúde Coletiva da UFSJ (NESC), com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Proex). Os trabalhos foram realizados pelas integrantes do programa, composto de docentes e alunas dos cursos de Psicologia e Medicina do campus Dom Bosco.”

Através da cartilha, o grupo apresenta detalhes da rede de cuidado à mulher em situação de violência. “Na cartilha explicamos as principais formas de violência, sua estruturação social e o lugar das políticas públicas na prevenção e no enfrentamento. A rede de serviço é apresentada, bem como ações que podem ser incorporadas para seu contínuo fortalecimento. Além disso, deixamos o convite para que todas e todos façam parte desse movimento. O material está disponível nas redes sociais, no Instagram@idasevindasufsj e nos links https://linktr.ee/idasevindasufsj e  https://saudecoletiva.ufsj.edu.br”, destaca Tatiana.

 

É preciso que os homens mudem seus comportamentos

Questionada sobre o papel do homem no âmbito da violência contra a mulher, a professora argumenta: “É fundamental que os homens revejam suas atitudes. Uma entrevista feita no Brasil, pelo Instituto Avon, em 2016, apontava que 48% dos homens ainda não admitem que o homem cuide da casa e a mulher trabalhe fora, e que 35% dos homens ainda veem o trabalho doméstico como responsabilidade da mulher. Os principais agentes no enfrentamento da violência contra a mulher devem ser os homens. Enquanto os homens continuarem assistindo de braços cruzados e esperando que apenas as mulheres lutem por seus direitos, pouco avanço acontecerá. É preciso que eles também se sintam responsáveis por acabarem com a violência contra elas, em todos os sentidos. Só desconstruiremos essa cultura machista se estivermos conscientes e colocarmos em prática a necessidade de acabar com o machismo que alimenta a desigualdade e perpetua a violência contra a mulher. É preciso compreender que não se trata de uma luta das mulheres contra eles, mas sim contra a violência. É uma luta de todos.”

Tatiana acredita que é necessário chegar às raízes das violências contra a mulher para que a situação possa começar a melhorar. “Para além das punições – detenção ou medidas socioeducativas –, é preciso entender o que leva um homem a agredir uma mulher ou um membro da própria família. Dessa maneira, é fundamental que os homens tenham conhecimento da maneira como esse sistema gera violência de gênero diariamente contra as mulheres e que possam, então, se mobilizar de forma ativa pelo fim da violência contra elas, com uma consciência e educação de gênero. Mudanças podem ocorrer com homens demonstrando sua posição em relação à problemática da violência contra as mulheres, revendo suas práticas, atitudes e buscando caminhos para estabelecer relações mais igualitárias e não violentas.”

 

Ser mulher

A professora da UFSJ alerta que, devida à tamanha violência cometida contra as mulheres, a luta continua por justiça e igualdade. O fato de ser mulher não pode ser motivo de violência. “É muito problemático pensar que apenas o fato de ser uma mulher já nos coloca em um lugar onde estaremos sujeitas a sofrer violências. Se você é mulher, ou você já sofreu ou você conhece alguém que sofre algum tipo de violência. O Brasil possui números alarmantes de violência contra a mulher. Conforme pesquisa, uma em cada cinco mulheres considera já ter sofrido alguma vez um tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido. E não é apenas isso: uma mulher é vítima de estupro a cada 10 minutos. 30 mulheres sofrem agressão física por hora! Três mulheres são vítimas de feminicídio a cada dia em nosso país*. Precisamos falar sobre a violência contra a mulher, algo tão problemático, tão destrutivo e tão naturalizado na nossa sociedade. É a única forma de desconstruir essa violência. Essa discussão deve fazer parte do cotidiano, sendo abordada em toda comunidade, inclusive junto com nossa família, amigas e amigos.”

Tatiana Miranda enumera os tipos de violência contra a mulher: “Para colocarmos esse assunto na mesa, é importante que reconheçamos que a violência contra mulher vai além da violência física e sexual, que são as mais debatidas. De acordo com a Lei Maria da Penha, existem 5 tipos de violência contra a mulher: a física e sexual são as mais conhecidas; também existem a psicológica, a moral e a patrimonial. A violência psicológica é quando o homem grita, humilha, ameaça, chama a mulher de nomes ruins. Ou quando o homem tem ciúme excessivo e quer controlar todos os lugares e horários da mulher, as roupas que ela usa, além de afastar a mulher da família e dos amigos. Atenção: mexer no celular sem permissão, controlar postagens e conversas no WhatsApp e outras redes, como Facebook, também são exemplos de violência psicológica. Quando o homem critica continuamente, desvaloriza, debocha da mulher perante amigos e parentes, também é um tipo de violência, chamada de violência moral. Já a violência patrimonial acontece quando o homem controla o dinheiro da mulher ou proíbe a mulher de trabalhar. Uma forma comum desse tipo de violência é quando o homem quebra, de propósito, pertences da mulher ou coisas da casa. Sabemos que esses três tipos de violência, que não deixam marcas no corpo, geralmente acontecem antes das violências mais faladas. Por sua vez, a violência sexual é mais discutida: se a mulher não quer ter relação sexual ou não pode decidir se quer ou não ter relação, e é forçada pelo homem, tem-se aí o estupro. Por exemplo, se a mulher tiver bebido muito e estiver inconsciente ou dormindo e o homem tiver uma relação com essa mulher, é estupro. Quando o homem se recusa a usar camisinha ou a retira durante o sexo, contra a vontade da mulher, é violência sexual. Se o homem proíbe a mulher de usar métodos para impedir a gravidez ou obriga-a a fazer um aborto, é violência sexual. A violência física ocorre através de empurrões, socos, chutes e tapas, entre outras formas de agressão ao corpo da mulher. Tudo isso é violência contra a mulher e é sinal de alerta.”

 

Denuncie

A professora orienta como denunciar os casos de violência contra a mulher, levando em consideração diferentes situações. “Para denunciar, temos três situações. Primeira: se a violência está acontecendo nesse momento e a mulher precisa de ajuda urgente, disque 190, havendo possibilidade de prisão em flagrante do agressor. Se a violência aconteceu há mais de 24 horas ou é algo que acontece com frequência, disque 180. Esse número também pode ser usado para a mulher se informar sobre os seus direitos. E a terceira via ocorre através da busca pelos serviços de saúde e assistência social. A violência contra a mulher gera um processo de sofrimento e adoecimento atrelado à situação vivida. Por isso, as mulheres também podem buscar ajuda nos serviços de saúde, como nas equipes de saúde da família perto de sua casa. É importante que toda a rede faça o acolhimento adequado a essas mulheres. Para mulheres que precisam de apoio social, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) também é um ponto de apoio”, conclui Tatiana.

 

 *Fonte: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/

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